Após semanas de expectativa, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou, em um pronunciamento à nação em rede nacional, na noite de quarta-feira, 27, o pacote de corte de gastos tão prometido pelo governo federal. A fala de pouco mais de 7 minutos, porém, não dissipou as preocupações do mercado financeiro nem foi tão clara sobre cada um dos aspectos alterados pelo pacote.
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Apenas na manhã de quinta-feira, 28, Haddad, acompanhado de outros ministros do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), deu maiores esclarecimentos à imprensa sobre como o pacote irá funcionar. Pouco após a coletiva, o dólar bateu R$ 6 - maior valor desde a criação do real. Mas, afinal, o que diz o pacote de corte de gastos e por que há tamanha aflição por parte do mercado?
Veja as principais mudanças para o cidadão comum:
Reajuste do salário mínimo
Atualmente, o salário mínimo é reajustado com base na soma de dois fatores: a inflação do ano anterior + o crescimento real igual ao PIB de dois anos anteriores.
O pacote fiscal do governo Lula sugere manter o crescimento atrelado à inflação e ao PIB, mas com variação dentro do estabelecido pelo arcabouço fiscal. Ou seja, o salário mínimo poderá ter um crescimento máximo de 2,5% e, mínimo, de 0,6%, acima da inflação.
A expectativa do governo é que a mudança provoque uma economia de R$ 2,2 bilhões em 2025; de R$ 9,7 bilhões em 2026; e chegue a R$ 35 bilhões em 2030.
Abono salarial
O abono salarial é um benefício similar ao do 13º salário, mas destinado a quem, atualmente, recebe até dois salários mínimos. Ou seja, esse trabalhador hoje pode receber até mais dois salários extras ao final do ano, caso tenha cumprido 12 meses de trabalho.
O pacote do governo propõe que se fixe a renda para acessar o benefício em R$ 2.640 - valor que, atualmente, refere-se a dois salários mínimos. Depois, a cada ano, o valor do abono deve ser corrigido pela inflação até chegar a um salário mínimo e meio, já que o salário mínimo continuará sendo atualizado acima da inflação.
A meta é alcançar a faixa de 1,5 salário mínimo em 2035. Então, para o referido ano, a economia gerada pela alteração de quem tem direito ao abono será de R$ 6,7 bilhões.
Benefício de Prestação Continuada (BPC)
O BPC é um benefício concedido a pessoas com deficiência de baixa renda e idosos em situação de vulnerabilidade que não tiveram capacidade contributiva ao longo da vida laboral. Atualmente, segundo o Ministério da Fazenda, quase 6 milhões de pessoas recebem o auxílio, que corresponde ao valor de um salário mínimo.
O governo se queixa de que há falhas na inserção dos beneficiários, situação que o ministro Fernando Haddad chegou a chamar de “indústria de liminares” para conceder o auxílio. Segundo ele, o pacote fiscal busca conceder mais critérios legais para que o benefício chegue a quem precisa.
O pacote prevê novas regras de acesso ao BPC:
- Passam a contar para acesso: renda de cônjuge e companheiro não coabitante e renda de irmãos, filhos e enteados (não apenas solteiros) coabitantes;
- Em uma mesma família, a renda de um benefício volta a contar para acesso a outro benefício.
Além disso, o governo quer que todos os beneficiários com cadastros desatualizados há mais de 24 meses e aqueles com benefícios concedidos administrativamente sem Código Internacional de Doenças (CID) passem por uma atualização obrigatória. Eles precisarão passar por biometria, que também será obrigatória para novos beneficiários.
O governo prevê uma economia de R$ 2 bilhões por ano com a medida.
Bolsa Família
Para o Bolsa Família, o governo não anunciou nenhuma mudança de regra, apenas dispositivos que visam melhorar a fiscalização sobre a concessão do benefício. Veja abaixo:
- Restrição para municípios com percentual de famílias unipessoais acima do disposto em regulamento;
- Inscrição ou atualização de unipessoais deve ser feita em domicílio obrigatoriamente;
- Atualização obrigatória para cadastros desatualizados há 24 meses;
- Biometria obrigatória para inscrição e atualização cadastral;
- Concessionárias de serviços públicos deverão disponibilizar informações de seus bancos de dados para viabilizar cruzamento de informações.
O governo espera ter uma economia de R$ 2 bilhões no próximo ano, e de R$ 3 bilhões em cada um dos anos seguintes até 2035, com essas medidas.
Isenção do IRPF
Essa medida não faz, necessariamente, parte das propostas de cortes de gastos. Porém, o governo optou por anunciar na mesma leva para fazer um contraponto. A proposta é que seja dada a isenção do Imposto de Renda para pessoas que ganham até R$ 5 mil por mês.
Segundo o ministro Fernando Haddad, a mudança seria feita através de uma reforma de renda neutra. Ou seja, o governo não iria arrecadar mais ou menos, mas compensaria o que deixaria de arrecadar na outra ponta. Para isso, o projeto prevê a arrecadação da alíquota mínima do IR, de 10%, a quem ganha mais de R$ 50 mil por mês - ou R$ 600 mil por ano.
Veja as mudanças que devem atingir grupos do alto escalão:
Supersalários
Ao detalhar as ações do pacote, Haddad afirmou que quer retomar o debate sobre os supersalários. “Foi algo que nós tentamos começar no ano passado. Tem uma lei que já foi aprovada pela Câmara, que está no Senado, mas nós vamos fazer prever uma lei complementar para regular esse dispositivo institucional que é o supersalário”, afirmou.
O texto dessa lei complementar ainda não foi divulgado, mas segundo o Estadão, a proposta seria limitar os pagamentos que ultrapassem o teto constitucional, atualmente de R$ 44 mil.
Militares
O ministro Fernando Haddad celebrou o acordo feito com as Forças Armadas, a que chamou de inédito. As mudanças realizadas na categoria são:
- Fim da morte ficta - termo referente a quando um militar é expulso, mas não perde o direito aos seus vencimentos;
- Fixa em 3,5% da remuneração a contribuição do militar para o Fundo de Saúde até janeiro de 2026;
- Extingue a transferência de pensão militar;
- Estabelece progressivamente uma idade mínima para entrar na reserva remunerada, a aposentadoria dos militares.
Com as despesas, o Ministério da Fazenda prevê uma economia de R$ 1 bilhão por ano. Mas, somando a contribuição militar para o Fundo de Saúde, o impacto nas contas federais chega a R$ 2 bilhões por ano.
Emendas parlamentares
O pacote propõe uma série de mudanças com relação às emendas parlamentares. Confira:
- Limita o crescimento das emendas impositivas ao arcabouço fiscal;
- Restringe emendas nas despesas discricionárias do Poder Executivo;
- Veda crescimento real das emendas não impositivas, de modo que montante total das emendas crescerá sempre abaixo do arcabouço;
- Destina 50% dos valores de emendas de Comissão para o SUS, observados critérios e diretrizes técnicas;
- Bloqueia emendas proporcionalmente aos bloqueios do Poder Executivo, limitado a 15% do total das emendas (R$ 7,5 bi em 2025).
A expectativa do governo é economizar R$ 6,7 bilhões no ano que vem com tais medidas.
Veja as demais medidas do pacote:
Fundeb
Até 20% da complementação da União ao Fundeb poderá ser empregada em ações para criação e manutenção de matrículas em tempo integral na educação básica pública.
Lei Aldir Blanc
Repasse anual de até R$ 3 bi aos entes continua, mas condicionado à execução dos recursos pelos entes no ano anterior.
Concursos públicos
Faseamento de provimentos e concursos em 2025 (meta de pelo menos R$ 1 bilhão de economia).
Ao todo, o governo federal espera eliminar R$ 71,9 bilhões entre 2025 e 2026. Entre o ano que vem e 2030, a expectativa de economia é de R$ 327 bilhões.
O pacote de gastos ainda precisa passar pelas duas Casas Legislativas do Congresso, a Câmara dos Deputados e o Senado. Mesmo com o texto pronto, porém, o ministro Fernando Haddad não soube dizer quando o documento será enviado para apreciação dos parlamentares.