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Como opera o lobby 'abutre' que ameaça a Argentina

30 jul 2014 - 16h28
<p>Os que protestam contra os 'fundos abutre' também têm suas campanhas</p>
Os que protestam contra os 'fundos abutre' também têm suas campanhas
Foto: Enrique Marcarian / Reuters

A American Task Force Argentina (ATFA) é uma das organizações americanas que tiveram um papel importante nos fatos desta quarta-feira que poderiam levar a Argentina ao calote. 

A ATFA faz lobby pelos chamados "fundos abutres" - fundos especulativos que compraram títulos de credores que não aceitaram a reestruturação da dívida feita por Buenos Aires entre 2005 e 2010.

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Em sua página na internet, a ATFA se descreve como uma "aliança de organizações unida para um acordo justo e equitativo para o default da dívida de 2001 e a posterior reestruturação da dívida do governo argentino".

A aliança conta com cerca de 30 membros, entre os quais estão associações americanas vinculadas ao comércio de carne e grupo agrícolas. Mas, sem dúvida, a estrela é o fundo de alto risco (também chamado de hedge fund) Elliott Associates, L.P., que é o principal litigante contra a Argentina.

Todos estes credores querem que o governo argentino pague a totalidade dos títulos da dívida que adquiriram, como declarava o acordo original: US$ 1,3 bilhão acrescidos dos juros. De acordo com Sheila Krumholz, diretora-executiva da organização Center for Responsive Politics, que investiga a atividade das empresas de lobby na política americana, o hedge fund Elliott tem o respaldo financeiro necessário para levar adiante o lobby da ATFA.

"Diante dos fundos que gerencia e devido às suas conexões, o Elliott é o coração da ATFA. São também importantes, como aliadas táticas, organizações do setor agropecuário que competem diretamente com a Argentina e que servem para aumentar a pressão em todas as frentes", disse Sheila à BBC.

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Como fazer lobby?

O dono do Elliott é o multimilionário Paul Singer, que financiou o Partido Republicano americanos e o ex-presidente George W. Bush desde as eleições de 2004.

Singer está entre as 400 pessoas mais ricas do mundo.

Mas a ATFA não coloca todas as fichas em apenas um aposta. Seus diretores são democratas com trajetórias de destaque durante a presidência de Bill Clinton.

Seu diretor, Robert Raben, é presidente da organização The Raben Group, uma consultoria que assessora governos e corporações e já trabalhou na procuradoria geral do Departamento de Justiça de Clinton.

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Outro diretor da ATFA tem um perfil parecido: Robert J. Shapiro, diretor da consultoria e lobbista Sonecon LLC, subsecretário de comércio de Clinton, assessor econômico do ex-presidente durante a campanha de 1992 e dos candidatos democratas Al Gore e John Kerry.

A "troika" da ATFA fica completa com a ex-embaixadora dos Estados Unidos na ONU durante o governo Clinton, Nancy Soderberg, diretora-executiva da Soderberg Solutions.

"Contratar seus serviços não é barato. Estamos falando que pessoas do nível de embaixadores na ONU, que estavam ligadas ao governo há muito tempo e que sabem como funciona a máquina do poder nos Estados Unidos", disse Sheila Krumholz.

Contatos

Uma equipe como esta tem contatos no Congresso americano que recebem as mensagens como as da ATFA sobre a Argentina. Contatos que garantem que estas mensagens tenham uma boa recepção política.

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O argumento da ATFA é que a atitude "teimosa" da Argentina impediu uma resolução da questão.

"É lamentavel, mas não surpreende que a Argentina não queira negociar uma solução. A promessa de acordo que faz não é séria. O governo deve agir com rapidez para evitar uma moratória que será devastadora e pela qual ele (o governo) será o único responsável", afirmou a organização em uma base de dados sobre a Argentina em sua página da web destinada a "desmentir os mitos argentinos sobre este caso".

De acordo com o jornalista argentino Carlos Burgueño, autor de um livro sobre o tema (Los Buitres, ou "Os Abutres" em tradução livre) a tática para levar este argumento adiante foi aplicada em várias frentes.

"A ATFA diferencia entre a nação argentina e este governo. A mensagem que tenta disseminar tanto no Congresso como nos meios (de comunicação) é que este governo gerencia muito mal a economia e tem interesses econômicos e diplomáticos opostos aos dos Estados Unidos", disse o jornalista à BBC.

Visita

O lobby não se limita apenas aos Estados Unidos.

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Em julho os presidentes da ATFA, Nancy Soderberg e Robert Shapiro, chegaram à Argentina precedidos de notas publicadas nos quatro meios de comunicação opositores nas quais acusavam o governo de não querer negociar.

"A ATFA viu que a Argentina está se preparando para o default, e a mensagem que tentaram transmitir era que isto iria ser um desastre produzido pelo governo, (que é) totalmente responsável pela situação e pelos erros cometidos", disse Burgueño.

Na visita de 24 horas que fizeram a Buenos Aires, eles deram uma entrevista coletiva no hotel em que estavam, enquanto que, do lado de fora, havia manifestações com cartazes onde se lia "Pátria ou Abutres" e "Abutres Fora da Argentina".

A ATFA não fez nenhuma reunião com figuras políticas argentinas, mas, pouco depois da visita, publicou em sua página na internet uma nota na qual elogiava os políticos "negociadores": o chefe do governo da cidade de Buenos Aires, Mauricio Macri, opositor do governo, o também opositor Sergio Massa e o governador da província de Buenos Aires, Daniel Scioli, representante da direita do kirchnerismo.

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Scioli busca o apoio de todos os kirchneristas visando as eleições presidenciais do próximo ano.

"Desde um primeiro momento minha posição tem sido muito clara em relação a estes capitais especulativos. Acredito que o debate promovido pela presidente será um ponto de inflexão internacional sobre estes métodos dos fundos abutre", disse.

Segundo Burgueño, a estratégia teve resultados diferentes na Argentina e Estados Unidos.

"Na Argentina, a jogada não deu certo, mas, nos Estados Unidos, sim. Conseguiram fazer a Argentina parecer culpada e os fundos abutre, vítimas", disse.

Ainda não se sabe como será o reflexo disto na resolução final do conflito, e os analistas não se atrevem a fazer previsões.

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