Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 90% das empresas brasileiras têm um perfil familiar. Porém, isso não significa que todos esses negócios familiares tenham sucesso e longevidade. A gestão eficiente de empresas com essa característica passa pela necessidade de limitação entre o que é pessoal e o que é profissional, segundo especialistas ouvidos pelo Terra.
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Para Viviane Ferreira, especialista em planejamento financeiro e gestão financeira familiar, o mais importante é separar a parte financeira da empresa das finanças pessoais. Também deve haver clareza quanto aos papéis que os familiares desempenham no negócio.
Por exemplo, os familiares são sócios e trabalham na empresa ou são apenas sócios e não atuam, diretamente, no negócio? Responder essas perguntas ajuda a definir a remuneração desses profissionais e de onde sairá o dinheiro para pagar esses valores.
"As ações da empresa geram dividendos para os sócios. O trabalho na empresa gera salário e remuneração para quem trabalha na empresa. E quem trabalha na empresa deve ter profissionalismo e a responsabilidade de prestar contas para os sócios", esclarece Viviane.
Sua dica é que a família contrate uma estrutura independente para cuidar dos pagamentos de contas e funcionários da família. Assim como, para ela, é importante que os familiares construam seu patrimônio pessoal, independentemente do patrimônio da empresa – e sempre com planejamento financeiro.
Família, família; negócios, à parte
Para que a empresa familiar funcione bem, é necessário a construção de relações saudáveis e isso inclui a separação entre questões pessoais e questões do trabalho. É o que frisa Andrea Maia, advogada e vice-presidente de Mediação do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA).
À reportagem, ela listou quatro ações que podem ajudar nessa "separação de águas", em meio à rotina de trabalho. São elas:
- 1. Estabelecer limites claros
Cada membro da família deve ter um papel bem definido dentro da empresa, com responsabilidades claras. Isso ajuda a evitar sobreposição de funções e conflitos de interesse. Também é importante definir os horários de trabalho para discutir questões empresariais e tentar manter assuntos pessoais fora desses horários.
- 2. Formalizar processos
É importante formalizar os acordos e contratos, mesmo entre membros da família. Isso ajuda a garantir que todos estejam na mesma página e reduz mal-entendidos. Outra iniciativa é adotar políticas e procedimentos a serem seguidos por todos para operação da empresa, independentemente do relacionamento familiar.
- 3. Gerenciar conflitos
Contratar mediadores ou conselheiros externos para ajudar a resolver conflitos quando necessário pode evitar desgastes e a escalada de conflitos de forma negativa. Um terceiro imparcial pode ajudar a facilitar a prevenção e resolução de disputas.
Além disso, oferecer treinamento para os membros da família sobre técnicas de resolução de conflitos e comunicação eficaz pode ajudar a manter o ambiente em harmonia. Algumas práticas da mediação, como a escuta ativa, a criatividade nas soluções e a empatia, podem ser chave para uma convivência saudável.
- 4. Planejar a sucessão e governança
A ideia é desenvolver um plano de sucessão claro para garantir uma transição suave e evitar conflitos futuros. Ao pensar nesses planos é importante considerar dois pontos:
• Quem vai querer suceder o patriarca ou a matriarca - "Parece óbvio, mas já estive em mais de uma mediação em que o filho me confessou em sessão privada que não queria ser o sucessor do pai, mas não sabia como falar sem gerar frustração ou decepção no genitor", revela Andrea.
• Checar se o possível sucessor carrega os valores da empresa, tem liderança entre os colaboradores e a competência necessária para o cargo - "Havendo possibilidade, sugiro uma estrutura de governança que inclua um conselho consultivo ou de administração, preferencialmente com membros externos, para oferecer orientação e supervisão imparcial para os membros da família", acrescenta.
Empresas grandes já foram pequenas
Ulysses Reis, professor de MBAs da Fundação Getúlio Vargas (FGV), reforça que o fato de a empresa ser familiar não implica, necessariamente, má gestão. Para ele, o sonho de ter uma empresa tem que ser compartilhado, já que o processo contará com diversos desafios e múltiplos estágios de aprendizado.
Independentemente da área de atuação, a organização é fundamental para o sucesso do negócio.
"Quase toda empresa, mesmo que hoje seja muito grande, começou com negócio familiar. A gente tem que lembrar que, em algum momento, essas empresas foram pequenas", afirma.
Nessa toada, assim como em empresas que não são familiares, a primeira coisa a ser esclarecida entre as partes é entender o porquê de a empresa existir. O primeiro passo para o sucesso, então, deve ser a resposta para uma pergunta simples: "Qual o nosso objetivo?".