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Economia

Congresso aprova Orçamento com superávit inflado e usa pacote fiscal para aumentar emendas

Texto, que vai à sanção presidencial, prevê saldo positivo de R$ 15 bi nas contas em 2025, ignorando gastos e superestimando receitas

20 mar 2025 - 18h29
(atualizado às 18h35)
Congresso Nacional vota o Orçamento de 2025
Congresso Nacional vota o Orçamento de 2025
Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

BRASÍLIA – O Congresso Nacional aprovou nesta quinta-feira, 20, o Orçamento de 2025, com três meses de atraso – o esperado era que a peça orçamentária fosse votada antes do Natal. No texto aprovado pelos parlamentares, que vai à sanção presidencial, há a previsão de um saldo positivo de R$ 15 bilhões nas contas públicas – que ignorou o aumento de despesas e a projeção menor de arrecadação feita por especialistas e por técnicos do próprio Legislativo. Além disso, os congressistas usaram parte da economia do pacote fiscal aprovado no ano passado para aumentar o valor de emendas parlamentares, que somarão R$ 50 bilhões.

O Congresso optou por reestimar a arrecadação federal para cima em R$ 22,5 bilhões neste ano, enquanto técnicos recomendavam uma abordagem mais conservadora devido à dinâmica da economia neste ano. Enquanto o projeto estima um superávit de R$ 15 bilhões por conta da arrecadação turbinada, a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado afirma que o governo deve fechar o ano com um déficit de aproximadamente R$ 15 bilhões, apontando para um resultado negativo, no sentido contrário.

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Dentro do projeto, estão receitas que dificilmente serão concretizadas, como R$ 28,6 bilhões de arrecadação pela volta do voto de qualidade no Carf (Conselho de Administrativo de Recursos Fiscais), o tribunal da Receita Federal. Em 2024, o governo disse que poderia arrecadar R$ 54,7 bilhões com essa medida, mas menos de R$ 300 milhões entraram de fato nos cofres públicos.

Para 2025, integrantes da equipe econômica já admitiram que a medida não vai gerar os efeitos pretendidos mais uma vez. Além disso, o governo projetou o aumento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e os Juros sobre Capital Próprio (JCP) para empresas – medida que não foi aprovada.

Na parte das despesas, o Congresso aumentou a projeção de gastos com benefícios previdenciários em R$ 8 bilhões, após o aumento do salário mínimo e da inflação, que impactam diretamente no valor dos pagamentos aos aposentados e pensionistas e também no seguro desemprego e no abono salarial.

O valor foi apresentado pelo Ministério do Planejamento e Orçamento e o relator atendeu exatamente o que o governo solicitou nesse ponto. Consultores da Câmara dos Deputados, porém, indicaram que o aumento de despesas obrigatórias vai gerar uma pressão ainda maior, de R$ 32,8 bilhões no Orçamento deste ano.

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“O Orçamento é justo, equilibrado e atende as necessidades do Brasil”, disse o relator do projeto, senador Angelo Coronel (PSD-BA), ao ler o parecer na Comissão Mista de Orçamento (CMO). “Talvez não seja a peça perfeita, mas foi um tempero que pode contemplar o Congresso Nacional, o Poder Judiciário, o Poder Executivo e o povo brasileiro em geral.”

Bolsa Família, Auxílio Gás e Pé-de-Meia

O Legislativo aprovou ainda um corte de R$ 7,7 bilhões no Bolsa Família, que ficou com R$ 159,5 bilhões, e de R$ 4,8 bilhões no programa de ensino integral, que foi zerado, também a pedido do governo, para incorporar medidas de pente-fino e o pacote de corte de gastos aprovado no ano passado. O relator incluiu ainda R$ 3 bilhões para viabilizar o Auxílio Gás neste ano, após o governo tentar turbinar o programa por fora do Orçamento e não colocar os recursos necessários para beneficiar as famílias atendidas.

O programa Pé-de-Meia ficou com apenas R$ 1 bilhão, sendo que o gasto total pode chegar a R$ 15,5 bilhões. O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou a inclusão dos valores na peça orçamentária, o que ainda não foi concretizado.

O Orçamento reservou apenas R$ 80,9 milhões para o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais, criado pela reforma tributária para compensar os Estados pelo fim dos incentivos do ICMS – o valor necessário era de R$ 8 bilhões. A emenda constitucional aprovada em 2023 obrigava a União depositar o valor em 2025, mas o governo não fez a previsão da despesa.

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Com esse rearranjo nas contas, parte do espaço fiscal aberto com o pacote de corte de gastos foi ocupado por emendas parlamentares, recursos indicados por deputados e senadores para seus redutos eleitorais. O Congresso aumentou o valor de R$ 39 bilhões para R$ 50,4 bilhões, com a inclusão de R$ 11,4 bilhões em emendas de comissão – herdeiras do orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão.

O governo estimou uma economia de gastos com emendas no pacote fiscal, em função do crescimento menor que os recursos terão após limites aprovados no ano passado. Os valores das emendas de comissão, no entanto, não estavam no Orçamento enviado pelo governo ao Congresso, e foram incluídos durante a tramitação na Comissão Mista do Orçamento.

Atraso na votação se explica por congelamento de emendas

O atraso na votação do Orçamento deste ano teve como pano de fundo o impasse no pagamento de emendas parlamentares, provocado por uma decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), no ano passado. A votação acabou destravada após uma promessa do governo de pagar emendas que não foram quitadas em 2024 e liberar novos recursos pelos ministérios neste ano.

Dino havia mandado o governo congelar os repasses por falta de transparência sobre quem são os deputados e senadores que enviaram os recursos a Estados e municípios, além dos critérios para a transferência.

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Desde então, o Congresso aprovou um projeto de lei complementar e uma resolução de procedimentos internos para responder às ordens de Dino, mas não vedou efetivamente que emendas parlamentares sejam feitas sem a identificação do autor do repasse. Na última terça-feira, 18, Dino pediu novas explicações ao Congresso e a expectativa é que ele dê a palavra final nas próximas semanas.

O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), afirma que, na visão do Planalto, a resolução pacifica e dissolve o impasse entre o Parlamento e o STF.

“Não há razão para o governo divergir de uma decisão soberana do Congresso, aprovada com 95% dos votos. Não vai divergir em relação a isso. Se há algo a ser ajustado, quem deverá se manifestar é o STF”, disse Randolfe.

O governo tem uma meta de zerar o déficit nas contas públicas em 2025, mas há uma tolerância de um resultado negativo de R$ 31 bilhões autorizado pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) – o chamado “piso” da meta. O cumprimento dessa meta só será possível porque o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou o Poder Executivo a retirar R$ 44,1 bilhões em despesas com precatórios (dívidas judiciais da União) da meta.

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Se as projeções dos economistas se confirmarem, o Orçamento estará inflado e será preciso um corte nas despesas do governo federal ao longo do ano para cumprir a chamada meta de resultado primário – que é o equilíbrio entre receitas e despesas, sem contar os juros da dívida – e o arcabouço fiscal, que limita o crescimento dos gastos públicos. O que pode aliviar é um aumento na arrecadação dos impostos federais, como aconteceu nos dois primeiros meses do ano, mas o cenário é incerto devido ao desempenho da economia daqui para frente.

Endividamento ainda preocupa

De acordo com o diretor-executivo da IFI, Marcus Pestana, o Orçamento ainda está distante de equilibrar a contas a ponto de estancar o crescimento do endividamento público, que atingiu 75,3% do PIB em janeiro e deve ultrapassar 80% do PIB no final do ano. “O Orçamento é uma bússola e tem uma solidez de projeções, mas a realidade vai indicar o grau de irrealismo da peça orçamentária”, diz Pestana.

O forte comprometimento do Orçamento com despesas obrigatórias, como salários e aposentadorias, e transferências diretas de programas sociais, como o Bolsa Família, ainda é um problema a ser enfrentado e o Orçamento continua dependendo do crescimento das receitas. No primeiro bimestre de 2025, o governo teve um crescimento real (acima da inflação) de 3% na arrecadação.

O resultado daqui para frente, no entanto, pode ser impactado pelo desempenho da economia, pela redução da massa salarial, pelo aumento da taxa de juros e pelo cenário internacional com a política do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

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“Não vemos dificuldade de o governo cumprir a meta, mas isso se dá num quadro muito distante de um objetivo estratégico, que é gerar um superávit primário de 2,5% do PIB para estancar o crescimento da dívida, e com um patamar de investimentos absolutamente medíocre comparado a outros países com taxas mais promissoras”, afirma o especialista. Os investimentos somaram R$ 89,4 bilhões no relatório, valor considerado pequeno para Pestana quando comparado a um Orçamento de R$ 2,3 trilhões.

Governo consegue fôlego maior para mexer no Orçamento por conta própria

O governo reverteu em negociação de última hora uma restrição que havia sido imposta pelo relator, o senador Angelo Coronel a uma manobra do Executivo para remanejar, sem autorização do Legislativo, 30% de suas despesas. O parlamentar havia restringido a autorização a 10% dos gastos da União, mas após a interrupção da votação, na Comissão de Mista de Orçamento, aceitou o porcentual pleiteado pelo Palácio do Planalto.

O governo Lula também conseguiu a autorização para remanejar, sem autorização do Parlamento, 25% das despesas do PAC – o equivalente a R$ 15 bilhões.

Com isso, o governo poderá acomodar os gastos com o programa Pé-de-Meia no Orçamento, como determinou o TCU, em até 120 dias, sem recorrer à autorização do Congresso para cancelar outras despesas como compensação.

O senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo no Congresso, afirmou que, apesar do sinal verde ao remanejamento, o governo vai enviar um projeto de lei para inserir no Orçamento o Pé-de-Meia – bolsa paga a estudantes do ensino médio para incentivar a permanência dos jovens e adolescentes nos estudos.

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Minha Casa Minha Vida turbinado

O Orçamento aprovado no Congresso prevê R$ 27,33 bilhões em gastos com o Minha Casa, Minha Vida, um dos programas que são carro-chefe do PT. O governo Lula vai lançar uma nova faixa de atendimento do programa, voltado a famílias de classe média, com renda de até R$ 12 mil – hoje, as famílias atendidas devem ter renda, no máximo, de R$ 8 mil. Para isso, foram reservados R$ 18,33 bilhões.

O presidente Lula assinou uma medida provisória (MP) autorizando o uso do Fundo Social, formado com recursos do pré-sal, para essa modalidade. O dinheiro é classificado como um gasto financeiro, portanto, fora do teto de gastos do arcabouço fiscal, e por ser um empréstimo, deve voltar para os cofres do governo.

Os recursos para a faixa 1 do programa, voltada para a população de baixa renda, ficaram em R$ 9,2 bilhões, com um corte de R$ 1,24 bilhão em relação à proposta original do governo.

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