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Contrato mal redigido gera embate entre Eletrobras e sócios de Belo Monte

4 mai 2016 - 15h40

Uma cláusula mal redigida no acordo de acionistas da hidrelétrica de Belo Monte está na origem de um embate entre os sócios que será decidido por meio de arbitragem e poderá reduzir o retorno do empreendimento ou obrigar a estatal Eletrobras a assumir um contrato bilionário para viabilizar a usina do Xingu, segundo especialistas ouvidos pela Reuters.

Os demais investidores do projeto, que incluem Cemig, Light, Neoenergia, Vale e os fundos de pensão Petros e Funcef, tentam obrigar a Eletrobras a comprar 20 por cento da produção da usina que ainda não foi vendida, enquanto a estatal entende que tinha apenas um direito de preferência na operação, o que levou à disputa arbitral.

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A Norte Energia, sociedade que reúne os investidores de Belo Monte, precisa negociar essa energia por ao menos 185 reais por megawatt-hora em um contrato de 30 anos para liberar 2 bilhões de reais faltantes de um financiamento junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Esse valor, no entanto, está bem acima do praticado atualmente no mercado, o que levou os sócios a tentar garantir via arbitragem a aplicação de uma cláusula do acordo de acionistas da Norte Energia que prevê a possibilidade de venda para a Eletrobras, que é a majoritária no grupo com 49,98 por cento.

A cláusula que gera a discórdia, à qual a Reuters teve acesso, afirma que "a Eletrobras, diretamente ou por meio de suas subsidiárias, exercerá o direito de preferência para celebrar o contrato", o que deixa margens para diferentes interpretações.

"Se você olha a redação do acordo, ele é muito dúbio... é uma coisa quase ambígua. É difícil dizer que tem uma interpretação única, a coisa está mal escrita", disse à Reuters uma fonte com conhecimento direto do assunto, sob a condição de anonimato.

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O sócio do escritório de advocacia Emerenciano, Baggio e Associados, Robertson Emerenciano, afirmou à Reuters que o uso da expressão "exercerá" sugere uma obrigação de compra, mas ressaltou que em uma arbitragem a disputa passará por uma análise mais profunda do acordo.

"A interpretação do contrato não é unicamente literal, a arbitragem olha o todo, tenta entender qual foi a vontade das partes ao escrever aquilo... O árbitro vai ter que fazer uma interpretação declaratória em que ele busca entender o conteúdo do contrato."

Segundo o advogado, a Eletrobras e os demais sócios da Norte Energia podem apresentar suas argumentações com base em provas materiais e outras evidências.

"A forma com que as partes deram execução ao contrato, como se comportaram, as premissas que levaram a essa redação, as trocas de mensagens, versões anteriores do contrato até chegar a essa, tudo isso pode ser levado à prova", explicou.

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A Eletrobras já afirmou em comunicado ao mercado que entende que tinha apenas um direito de preferência, e não a obrigação de comprar a energia.

Mas uma fonte em um dos sócios da usina disse à Reuters, sob a condição de anonimato, que o entendimento dos demais membros do grupo é diferente.

"O entendimento aqui e em outros sócios é de que a Eletrobras lá atrás teria se comprometido a comprar, então os sócios estão pressionando... isso foi fundamental para as empresas entrarem (no projeto), elas ficaram mais seguras... e em torno disso é que se quer fundamentar", disse a fonte.

Segundo essa fonte e um advogado com conhecimento direto do assunto, os fundos de pensão Petros e Funcef e a mineradora Vale estariam liderando o movimento, em uma tentativa de evitar perdas ou redução significativa no retorno do investimento feito em Belo Monte.

Uma das fontes disse que os ânimos já começaram a esquentar entre os acionistas quando Belo Monte foi acusada de viabilizar propinas em um esquema de corrupção investigado pela Polícia Federal na Operação Lava Jato, que apura irregularidades envolvendo estatais e políticos no país.

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"As divergências (dentro da Norte Energia) começaram com as denúncias da Lava Jato... e depois com isso... ficou realmente um clima péssimo."

Os fundos têm 10 por cento cada um na Norte Energia, enquanto a Vale tem cerca de 5 por cento. A hidrelétrica tem investimentos estimados em mais de 25 bilhões de reais.

Procurada, a Eletrobras disse que não faria comentários adicionais sobre o tema. Petros, Funcef e Vale não quiseram comentar. A Norte Energia também não se pronuncia sobre o tema.

RISCO DE MERCADO

O embate em torno da compra da energia descontratada se dá devido às atuais condições do mercado: com a redução do consumo puxada pela crise e as boas chuvas no começo do ano, os preços da eletricidade tiveram forte queda e hoje estão bem abaixo do valor que a Norte Energia esperava obter.

O sócio da comercializadora de eletricidade Federal, Erick Azevedo, disse que os preços hoje atingem no máximo 130 reais por megawatt-hora e mesmo o prazo pretendido por Belo Monte não é compatível com o mercado.

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"É raro um contrato de 10 anos, o normal é praticar contratos de até 5 anos, acima disso já é uma excessão à regra. Um contrato de 30 anos, assim (a esse preço), acho que é impraticável", afirmou.

Ele estimou que a diferença entre o atual preço de mercado e o desejado pela Norte Energia poderia representar cerca de 15 bilhões de reais ao longo do período do contrato.

"O que aconteceu foi um tiro pela culatra... eles arriscaram e (a estratégia de venda da energia) deu errado", disse.

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