Oferecimento

Crise de moradia agrava escassez de mão de obra na Alemanha

24 jan 2025 - 07h55

Enquanto o país busca estrangeiros para suprir ausência de profissionais qualificados, empresas constroem ou alugam acomodações para atrair funcionários. Problema, no entanto, está longe de ser resolvido.Motoristas de ônibus, eletricistas, montadores de sistemas fotovoltaicos, especialistas em TI. No momento, há quase 200 vagas abertas somente nos serviços públicos de Munique, no sul da Alemanha. A companhia municipal, responsável pelo fornecimento de energia e água, além do transporte público, é uma das maiores empregadoras da capital do estado da Baviera.

Em Munique, uma das cidades mais caras da Alemanha, metro quadrado custa em média 25 euros sem taxas adicionais de luz, água e gás
Em Munique, uma das cidades mais caras da Alemanha, metro quadrado custa em média 25 euros sem taxas adicionais de luz, água e gás
Foto: DW / Deutsche Welle

"Faz algum tempo que não conseguimos encontrar mão de obra qualificada suficiente. Agora, participamos regularmente de eventos de recrutamento em Sarajevo [Bósnia e Herzegovina], Tirana [Albânia] e Málaga [Espanha]", diz Bernhard Boeck, da empresa pública de energia e águas Stadtwerke München.

Publicidade

As entrevistas, no entanto, não giram mais em torno apenas do trabalho em si: "Somos questionados sobre moradia em quase todas as candidaturas", relata.

A probabilidade de se encontrar um apartamento acessível em Munique é comparável a ganhar na loteria. E a situação é ainda mais difícil para os estrangeiros.

Em uma pesquisa realizada pela empresa de auditoria PwC, quatro em cada cinco empresas na Alemanha afirmam que a crise no setor imobiliário está tornando ainda mais difícil encontrar e reter mão de obra qualificada, especialmente em áreas que não pagam altos salários, como saúde, gastronomia, comércio e indústria.

Um em cada três profissionais de grandes cidades e centros urbanos alemães afirma que já pensou em se mudar e trocar de emprego porque os aluguéis estão muito caros.

Publicidade

De acordo com o Conselho Alemão de Especialistas em Economia, que assessora o governo federal, o déficit habitacional já causa um "impacto negativo no desenvolvimento econômico geral" e, portanto, prejudica o crescimento do país. No fim das contas, as pessoas já não se mudam mais apenas para onde há boas ofertas de emprego.

Contrato de aluguel é vantagem

Munique é uma das cidades mais caras da Alemanha. Para se ter uma ideia, o preço médio para novas locações é de 25 euros por metro quadrado. Um apartamento de 50 metros quadrados, por exemplo, custaria 1.250 euros, fora as taxas adicionais de água, luz e aquecimento durante o inverno.

"A maioria dos nossos funcionários está nas faixas salariais média e baixa, então eles não podem pagar por isso", diz Boeck.

Por isso, a empresa pública criou seu próprio setor imobiliário, gerenciado por Boeck. Ao todo, já foram construídos ou comprados 1,5 mil apartamentos, e o objetivo é construir 3 mil até 2030.

"Se você puder dizer a um candidato que o contrato de trabalho dele vem com um contrato de aluguel, esse é um ativo a ser usado a seu favor", justifica.

Publicidade

O valor do aluguel é decidido pelo conselho da empresa, de acordo com a renda do trabalhador, e custa em média 12 euros por metro quadrado, mais as despesas extras.

"O pessoal de TI paga mais do que os funcionários técnicos", afirma Boeck. "Não precisamos ter lucro com os apartamentos, temos que cobrir nossos custos gerais. Tentamos construir e reformar da forma mais econômica possível e trabalhamos muito com componentes pré-fabricados", explica, aludindo ao aumento nos custos de construção.

Conceito existe desde o século 19

Oferecer moradia a trabalhadores é uma tradição na Alemanha. Começou em meados do século 19 em meio à industrialização. Para atender à crescente demanda por mão de obra e vincular os trabalhadores às companhias a longo prazo, a empresa de aço Krupp construiu milhares de apartamentos e casas.

Outros seguiram o exemplo. Seja para funcionários da mineração de carvão, dos correios ou de ferrovias, foram erguidos extensos conjuntos habitacionais que ofereciam não apenas moradia a preços acessíveis, mas também um forte senso de comunidade.

Publicidade

Mas no final do século 20, quando a falta de moradia não era um problema, e havia abundância de mão de obra, a maioria das propriedades foi colocada em segundo plano.

Moradia como principal desafio

Nesse meio tempo, a situação mudou radicalmente. Há dez anos, as empresas estrangeiras que desejavam se estabelecer na Alemanha teriam perguntado essencialmente sobre creches e escolas.

"Agora, a primeira pergunta é: onde estão os apartamentos para os funcionários? A questão da moradia se tornou um dos principais problemas para a Alemanha como local de negócios", afirma Rolf Bösinger, secretário do Ministério da Habitação, Desenvolvimento Urbano e Obras. A pasta é gerida pelo Partido Social Democrata (SPD) do chanceler federal Olaf Scholz.

Quando a - agora esfacelada - coalizão de governo assumiu, em 2021, o SPD, os ambientalistas dos Verdes e os liberais do Partido Liberal Democrático (FDP) tinham a meta de construir 400 mil moradias por ano.

Publicidade

Mas a explosão dos custos de energia e materiais e a inflação tornaram essa conta muito mais cara. Em 2022, 295,3 mil novas moradias foram construídas em toda a Alemanha. Em 2023, foram 900 a menos. Agora, representantes do setor imobiliário falam que faltam 800 mil moradias no país.

Economia sob pressão

Fornecer moradia para os funcionários também é tarefa das empresas, argumenta Bösinger. Ele nega que o Estado esteja tentando empurrar para o setor privado a responsabilidade pela solução do problema da falta de moradia. Diz que o governo está investindo mais e cita incentivos fiscais, programas de subsídios e linhas de crédito estatal a condições favoráveis.

Uma pesquisa do Instituto Econômico Alemão constatou que 5% das empresas alemãs apoiam seus funcionários diretamente com ofertas específicas de moradia, a exemplo do aluguel de apartamentos que depois são sublocados pelos funcionários. Outros 11% das empresas oferecem medidas indiretas, como intercâmbio de residências ou subsídios de aluguel.

Habitação como parte dos negócios

Segundo a Câmara de Indústria e Comércio da Alemanha, as empresas têm cada vez mais necessidade de orientação sobre o tema moradia. Agora, esse é um custo que deve ser levado em conta na hora de contratar funcionários. O impacto disso sobre a capacidade de gerar lucro e investir vai depender da força econômica de cada empresa.

Publicidade

Há também questões jurídicas e sociais. O que acontece, por exemplo, se os funcionários pedirem demissão, se aposentarem ou forem demitidos? Eles perdem o direito ao apartamento da empresa e têm que se mudar, ou seria possível ficar e "apenas" pagar um valor de aluguel condizente com os preços praticados no mercado?

A lei do inquilinato prevê proteções mais robustas contra a revogação unilateral do contrato em prejuízo do locatário, mas elas só se aplicam de forma muito limitada em casos de apartamentos funcionais, que são regidos pelo contrato de aluguel.

Competição com setor privado pressiona mercado imobiliário

Além da crise e de todos os desafios, políticos se preocupam também com a possibilidade de que o mercado imobiliário possa ficar ainda mais difícil se as empresas comprarem ou alugarem mais apartamentos de prédios já existentes, em vez de construir novos.

Com a oferta ainda mais escassa, a desigualdade social pode ser inevitável, levando em conta o fato de que uma em cada duas empresas recorre a apartamentos funcionais para atrair profissionais qualificados do exterior.

Publicidade

Por isso, a Federação Alemã dos Sindicatos pede que companhias que queiram se estabelecer na Alemanha sejam obrigadas a construir moradias para os funcionários. Algo a que se opõe Bernhard Boeck, da empresa pública de energia e águas de Munique: "Acima de tudo, é uma questão de dinheiro. O governo precisa fornecer um apoio mais direcionado", diz.

Para Boeck, cabe também aos estados e autoridades locais ajudar a reverter o quadro: se eles disponibilizassem lotes de terra de suas propriedades, por exemplo, já ajudaria muito.

A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
TAGS
Curtiu? Fique por dentro das principais notícias através do nosso ZAP
Inscreva-se