A crise grega dominou as manchetes mundiais nos últimos meses e gerou mais um debate: quem se beneficiou com ela? E quem saiu prejudicado? Em uma análise simplista e baseada em estereótipos, a complexidade da crise foi reduzida a uma disputa entre o cidadão alemão 'responsável e trabalhador' e o grego 'preguiçoso e descansado'.
Não importa que as estatísticas da própria União Europeia mostrem que os gregos trabalham até mais horas que os alemães. O estereótipo facilita a propagação de um determinado discurso graças a uma simplificação funcional das manchetes que saem na mídia e da fala de políticos diante de câmeras de TV.
Esse discurso parte da premissa de que a principal contribuinte europeia para o resgate grego, a Alemanha, tenha sido a grande prejudicada com o cenário da crise. Essa tese dominou o debate no Parlamento alemão na última quarta-feira, quando se aprovou o resgate da Grécia no acordo firmado neste mês.
No entanto, as empresas alemãs já estão se beneficiando da crise grega. O governo de Atenas concordou em vender para uma empresa alemã, a Fraport AG, os direitos de operar 14 aeroportos regionais. Este convênio, de US$ 1,37 bilhões, é o primeiro de uma onda de privatizações que fazem parte do plano de resgate.
E mais: por mais que os alemães se sintam prejudicados, um estúdio do Halle Institute for Economic Research (IWH) da Alemanha mostra uma realidade muito mais complexa.
Baseado em números oficiais, o estudo revela que a Alemanha lucrou US$ 110 bilhões em juros desde 2010 graças à crise grega.
O diretor do IWH, Reint Gropp, explicou à BBC a lógica desse benefício. "Quando há turbulências financeiras, acontece uma fuga de investidores, que buscam outros lugares para investir, onde seja mais seguro e ofereça menor risco", disse.
"Essa fuga fez com que os investidores buscassem refúgio em títulos alemães. Com o aumento da demanda por seus títulos, os juros pagos pelo Estado alemão para emitir dívida baixaram. O resultado é que, com essa queda nas taxas de juros, a Alemanha economizou 100 bilhões de euros (US $ 110 bilhões de dólares) ", disse Gropp.
Investidores volúveis
Mais que uma política deliberada do governo alemão, este benefício pode ser considerado um prêmio que os mercados dão à solidez econômica e garantia de um reembolso confiável do empréstimo.
Nesse sentido, o contraste entre Alemanha e Grécia não se deve a simples estereótipos dos dois países, mas sim a desempenhos econômicos bem distintos, que são baseados em processos históricos, políticos e tecnológicos complexos.
Essa disparidade tem efeitos drásticos na crise atual e reflete no comportamento econômico de ambos os países.
"As más notícias na Grécia se converteram em boas notícias para a economia alemã e vice-versa. O dia da eleição do Syriza (partido de extrema esquerda do atual primeiro- ministro, Alexis Tsipras) em janeiro, o benefício automático para a Alemanha foi uma queda dos juros dos seus títulos de 0,3%. É um exemplo. Isso não começou com o Syriza, e sim muito antes", disse Gropp.
Na verdade, os US$ 110 bilhões representam as economias alemãs acumuladas a cada passo largo da crise grega, que desde 2010, já incluiu três planos de resgate – o atual, porém, ainda está dependendo da ratificação dos parlamentares de vários países da zona do euro.
"Com a crise, os investidores não só fugiram da Grécia, como também fugiram da Espanha, de Portugal e até da Itália. A Alemanha se beneficiou de todos eles. Mas o maior benefício veio do país com a crise mais profunda, que é a Grécia", observa Gropp.
Contas em ordem
Esse benefício diminuiria no caso extremo de a Grécia dar calote. Se isso acontecesse, acabaria a exposição da Alemanha nos mecanismos de resgate da Grécia – o Mecanismo de Estabilidade Europeu ou o Banco Central Europeu teria contribuído com cerca de US$ 99 bilhões.
Portanto, ainda que acontecesse o temido calote grego, o saldo final para a Alemanha seria positivo em aproximadamente US$ 11 bilhões.
Essa análise mais complexa sugere também outro resultado surpreendente.
A Alemanha se apresenta como exemplo de probidade fiscal ao exigir um ajuste para a Grécia e outros países da zona do euro, como Espanha e Portugal.
Em 2014, o país teve um superavit fiscal de US$ 19,8 bilhões: 0,6% do PIB.
O estudo do IWH afirma, no entanto, que esse equilíbrio alemão não se deve ao ajuste nos gastos.
"Com esses 100 bilhões de euros (US$ 110 bilhões), o Estado alemão economizou cerca de 3% do PIB no pagamento de juros. Em outras palavras, se não fosse pela crise grega, a Alemanha teria um deficit fiscal", indicou Gropp.
Situação complexa
Com esta análise das finanças alemãs, o parlamento do país poderia não querer aprovar o resgate para a crise grega se aprofundar.
Gropp, porém discorda dessa visão "extrema" da sua própria análise.
"O que é preciso entender é que isolamos uma consequência particular da crise, o comportamento do setor financeiro e seu impacto nas taxas de juros. Esse setor não representa toda a economia. A própria crise na zona do euro não é uma boa notícia nem para a Alemanha, nem para a zona do euro, nem para o mundo", reforçou.
Mas a Alemanha seguirá se beneficiando da crise grega.
"Se a situação se acalmar, a Alemanha já não poderia emitir dívida com juros tão baixos. Mas para isso ainda falta muito. A dívida a médio e longo prazo emitida nos últimos anos vai estender essa vantagem que a Alemanha obteve com a crise grega por bastante tempo", comentou Gropp.