Mais de R$ 2,5 bilhões pertencem a quase 4,6 milhões de pessoas falecidas no Sistema Valores a Receber do Banco Central, e o processo para sacar o dinheiro pode ser complicado.
Dos mais de R$ 16 bilhões disponíveis para consulta no Sistema Valores a Receber (SVR) do Banco Central, R$ 2.523.369.595,70 pertencem a quase 4,6 milhões de pessoas que já faleceram. O valor considera o montante total encontrado pelo BC desde o início do sistema, em março de 2023.
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Segundo o órgão, não é possível distinguir o que já foi sacado referente a pessoas falecidas. Isso porque as instituições financeiras apenas informam o montante total que foi retirado, diferenciando apenas se os saques foram feitos por pessoas físicas ou jurídicas.
Para consultar o valor é fácil, basta ter em mãos o CPF e a data de nascimento do falecido e entrar no site valoresareceber.bcb.gov.br/publico. Caso o CPF esteja na base de óbitos da Receita Federal e tenha valores esquecidos, as seguintes informações aparecerão em forma de tabela:
- Faixa de valor;
- Nome e dados de contato da instituição que deve devolver o valor;
- Origem (tipo) do valor a receber; e
- Mais informações sobre o valor a receber, quando for o caso.
Sendo herdeiro, inventariante, testamentário ou representante legal, é preciso clicar no botão de acessar o 'SVR', logando em sua conta do gov.br de nível prata ou ouro. A princípio, essa é a parte fácil do processo.
Sacar, no entanto, pode ser um pouco mais complicado - ou "burocrático", como prefere definir a gestora administrativa Ana Carolina Calazans. Ela perdeu o pai em 2014 e até hoje não conseguiu retirar o dinheiro que ficou em sua conta referente à última aposentadoria.
Ana Carolina conta ter usado o Sistema Valores a Receber para confirmar que havia um valor na faixa dos R$ 1.000 para ser retirado. Diferentemente do que ocorre com valores deixados por pessoas vivas, em que o dinheiro pode ser enviado de forma automático para saque, no caso do que foi deixado por falecidos é solicitado que o beneficiário vá até a instituição onde está a quantia. Já na unidade, a pessoa deve apresentar documentos e comprovar o vínculo com quem morreu.
Ana Carolina diz que foi até o banco em que o pai recebia a aposentadoria, mas não teve orientação adequada de como fazer o saque.
"Eu nem sei o que eu ia precisar de documentação, porque eles não me orientaram nem isso. Nós somos cinco irmãos, se eu precisasse ter uma procuração, aí tinha a opção de fazer isso judicialmente. Com os irmãos você consegue um alvará judicial, também tem isso lá na opção do banco, mas eles não me orientaram bem. Eu não sei se eu ia precisar dos documentos dos meus irmãos, da minha mãe. Porque como tem minha mãe ainda viva e somos cinco irmãos, e se todo mundo precisasse assinar alguma coisa e tal?", indaga Ana Carolina.
Como sacar dinheiro esquecido por pessoa falecida?
O chamado "alvará judicial" citado por Ana Carolina Calazans é um documento fácil de receber, segundo o advogado Lucas Stulp, especialista em Direito Bancário.
"O beneficiário faz um pedido simples, direto para o juiz da cidade onde ele reside, só dizendo basicamente o seguinte: 'Juiz, eu sou o dependente, o sucessor do titular dessa conta, ele tem valores em conta, faleceu em tal data, e eu quero que o senhor faça um alvará para liberar esse valor'. O juiz só confirma se todos os dados são corretos e emite o alvará para o banco fazer a transferência dos valores", resume.
Para pedir o alvará, porém, é preciso buscar um advogado. E, mesmo nos casos em que o valor a receber é pequeno, Stulp acredita que vale a pena o processo.
"Como é um procedimento simples, o advogado vai te cobrar uma porcentagem do valor que recuperar e apenas quando ele for devolvido", afirma.
Em casos em que a família não tem condições de arcar com os custos processuais, também há a possibilidade de buscar pela Defensoria Pública ou por um defensor dativo. Este segundo termo refere-se a quando a Justiça indica um advogado, na falta de uma defensoria na cidade.
Vale ressaltar que existe um limite de valor para a emissão do alvará judicial. A legislação determina que, quando o falecido tem mais de 500 Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (OTNs), o dinheiro não deve ser sacado e, sim, ir para o espólio.
"Tem que fazer a contabilização pelo IPCA, é uma conta bem chata. Mas eu calculei aqui, para o ano de 2024, até janeiro deste ano, esse teto dessas 500 OTMs seria referente a R$ 13.280,25", diz o advogado Lucas Stulp.
Ele frisa, porém, que na solicitação de um alvará judicial, o juiz pode ser mais maleável e deixar que sejam sacados valores um pouco maiores, caso a diferença seja pequena.
Outros casos
Por outro lado, a advogada Mariana Murari complementa que há casos em que não é preciso do alvará judicial, apenas buscar o banco onde está, segundo o SVR, o dinheiro esquecido.
"É importante lembrar que você precisa ser herdeiro, inventariante ou testamentário", afirma. "O inventariante é a pessoa responsável por cuidar do patrimônio do falecido até o final do processo de inventário judicial ou extrajudicial. Ele poderá ser o cônjuge sobrevivente ou um dos herdeiros. Além disso, também pode ser uma pessoa qualquer, que o falecido determinou em testamento ou determinada pelo juiz, o chamado inventariante dativo. Assim, havendo herdeiros e comprovada a relação de parentesco, deve o banco restituir os valores esquecidos", diz.