BRASÍLIA - O diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Fernando Mosna declarou nesta terça-feira, 29, que houve um "aparente erro grosseiro" do Ministério de Minas e Energia (MME) em uma operação financeira realizada em 7 de agosto com a promessa de baixar a conta de luz. As declarações, mais um episódio do embate entre a direção da agência, escolhida pela gestão de Jair Bolsonaro (2019-2022), e o atual governo, foram rebatidas pelo MME.
Em nota, o ministério afirmou que o benefício aos consumidores foi uma condição necessária na operação financeira e que as taxas de juros negociadas são "significativamente menores do que as anteriormente pactuadas" (leia mais abaixo o posicionamento do ministério).
O centro dessa nova polêmica que desgasta ainda mais a relação entre a direção da agência e o governo Lula é uma antecipação de recebíveis (títulos que representam uma promessa de pagamento futuro) da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE)
O governo havia publicado medida provisória para antecipar recursos devidos pela Eletrobras à CDE. Com isso, foram quitadas antecipadamente duas contas que pressionavam a tarifa de energia: a conta Covid e a conta Escassez Hídrica — que seriam pagas até 2027.
O voto do relator do processo, Fernando Mosna, cita que o ministro Alexandre Silveira informou publicamente que a antecipação de pagamento dos empréstimos resultaria em ganho financeiro de R$ 500 milhões (revisado para R$ 510 milhões) aos consumidores. Esse ganho (referente à economia com juro) seria convertido em descontos tarifários.
Porém, após análise da área técnica da Aneel, o valor final desse benefício foi calculado em cerca de R$ 46,5 milhões, portanto menos de um décimo do inicialmente estimado. Isso representa uma redução média de apenas 0,02% no efeito tarifário para o consumidor.
Para Mosna, o regulador foi "alijado" do processo que antecipou os recebíveis. Ele acrescenta que a fiscalização que será feita pela Aneel é necessária para evitar "qualquer tipo de prevaricação" da parte do regulador. A diretoria aprovou por unanimidade a abertura de processo de fiscalização sobre os atos da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), responsável pela operação que antecipou recebíveis da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).
O que diz o ministério
Em nota, o MME afirma: "Por naturalmente envolver incertezas inerentes a qualquer projeção, o resultado do benefício aos consumidores foi sendo atualizado ao longo do processo". No comunicado, a pasta cita diferentes fatores que podem influenciar no cálculo, incluindo data de quitação dos empréstimos e a atualização dos saldos devedores das Contas Covid e Escassez Hídrica, bem como custos administrativos, financeiros e tributários envolvidos.
Na mesma nota, o ministério afirma que as condicionantes estabelecidas a partir da MP garantiram a negociação de "taxas de juros significativamente menores do que as anteriormente pactuadas".
Segundo o MME, os empréstimos das Contas Covid e Escassez Hídrica tiveram uma taxa de juros efetiva equivalente a CDI+3,6% ao ano, enquanto a operação de antecipação de recebíveis foi negociada com uma taxa efetiva equivalente a CDI+2,2% ao ano.
"Os impactos da quitação antecipada extrapolam o benefício mensurado [...] o critério objetivo estabelecido para a celebração da operação de antecipação não mensura os benefícios macroeconômicos decorrentes da redução tarifária, nem mesmo os benefícios sociais decorrentes do aumento da disponibilidade de renda das famílias brasileiras", diz, na nota, o ministério.
Entenda a operação financeira
A operação foi realizada em 7 de agosto, ocasião em que o ministério divulgou que a conta de luz poderia cair até 10% após acordo do governo que antecipou R$ 7,8 bi devidos pela Eletrobras. O valor havia sido securitizado em acordo assinado com cinco instituições financeiras: Banco do Brasil, Itaú, Bradesco, BTG Pactual e Banco Santander. A operação, com juro de 2,2%, adicionado à taxa básica da economia, a Selic, tinha como finalidade quitar integralmente a Conta Covid e a Conta Escassez Hídrica.
Com isso, o governo esperava à época uma redução entre 2% a 10% na conta de luz do consumidor do mercado regulado, ou seja, especialmente residenciais, rurais e pequenos comércios.
Durante a privatização da Eletrobras, em 2022, a empresa se comprometeu a fazer aportes anuais na CDE no intervalo de 25 anos, em um total previsto de R$ 32 bilhões.
Porém, o governo só precisou fazer a antecipação de R$ 7,8 bilhões na operação desta quarta. A conta Covid e Escassez Hídrica, até então bancadas pelos consumidores na tarifa, estavam em cerca de R$ 11,8 bilhões. Com valor da securitização e mais R$ 4 bilhões que já estavam na CDE, o governou sanou as duas dívidas.
A operação (na chamada securitização) permite que o direito de receber esses valores possam ser convertidos em títulos negociáveis no mercado. Com a venda, o governo recebeu antecipadamente o montante, e os bancos assumem esse "crédito" com a Eletrobras.
Ao anunciar que "Estados mais pobres como Amapá" teriam "desconto de 10%", Silveira disse que a partir de setembro o consumidor já sentiria efeito com a redução tarifária e criticou o governo anterior. "Essas contas foram contraídas por uma irresponsabilidade do ex-ministro Paulo Guedes, que empurrou para o consumidor (os empréstimos)", afirmou, à época.