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Diversidade em jogo nos EUA: o que as empresas no Brasil precisam fazer para não recuar em 2025

Especialistas da área apontam as barreiras que ainda precisam ser superadas para maior avanço do tema no Brasil, indo na contramão do movimento anti-ESG visto em multinacionais norte-americanas

16 jan 2025 - 10h33

O ano de 2025 pode apresentar obstáculos para que as políticas de diversidade e inclusão (D&I) mantenham o fôlego dentro das multinacionais, incluindo as que operam no Brasil. Logo nos primeiros dias de janeiro, gigantes de referência mundial com atuação no País anunciaram recuo em programas que davam suporte à agenda, reforçando a continuidade de um movimento anti-ESG crescente a entre as companhias sediadas nos EUA.

Na semana passada, a rede de fast food McDonald's anunciou o recuo em suas metas de diversidade, passando, entre outras medidas, a não exigir mais de fornecedores compromissos com D&I. No mesmo período, a big tech Meta decidiu encerrar a adoção de critérios de diversidade para escolha de seus colaboradores e fornecedores. A informação foi obtida pelo site Axios, a partir de um memorando interno.

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Procurada pelo Estadão, a Meta afirmou que "não comenta o assunto". Já a Arcos Dorados, empresa que representa o McDonald's no Brasil, informou à reportagem que a companhia "está comprometida com a promoção de equipes de trabalho diversas e um ambiente de trabalho que estimula o respeito, a participação de todas as pessoas, favorecendo a inclusão e a igualdade de oportunidades."

A descontinuidade de programas de D&I por multinacionais norte-americanas é um reflexo de um movimento multifatorial que combina pressões econômicas, sociais e políticas nos EUA, avalia a especialista Ana Bavon, CEO da consultoria de ESG B4People.

Segundo Bavon, o cenário macroeconômico desafiador tem levado empresas a revisar seus orçamentos e reduzir custos, afetando diretamente programas de D&I. Além disso, o ambiente político polarizado nos EUA e a pressão de grupos mais conservadores têm contribuído para o enfraquecimento do compromisso público com a agenda. Somado a isso, diz ela, algumas empresas encaram D&I como tendência passageira, desconectando o tema das estratégias de governança e negócios.

No Brasil, complementa a analista, ainda não há um movimento em massa semelhante ao dos EUA, contudo algumas tendências podem começar a emergir com mais força em 2025 com a influência das multinacionais sobre as empresas locais globais. E ainda há um agravante: o momento de austeridade financeira e debate político e ideológico anti-D&I que já ganha espaço no País.

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Ana Bavon, CEO da B4People, diz que pressões econômicas, sociais e políticas nos EUA têm impactado políticas de diversidade
Ana Bavon, CEO da B4People, diz que pressões econômicas, sociais e políticas nos EUA têm impactado políticas de diversidade
Foto: Amanda Rodrigues/Divulgação / Estadão

"Há chances de mais empresas no Brasil aderirem a esse movimento em 2025, especialmente em um contexto de influências externas e pressões econômicas internas", diz Bavon. "Em 2025, será crucial que empresas brasileiras vejam a agenda não como uma imposição externa ou uma tendência passageira, mas como um pilar estratégico. O desafio será fortalecer a resiliência das iniciativas de D&I, mesmo em momentos de pressão."

Sem espaço para recuar

Apesar das ameaças à agenda, especialistas das mais diversas áreas de D&I ouvidos pelo Estadão retratam no Brasil um ambiente corporativo que não só não possui espaço para recuo em suas políticas como também precisa avançar ainda mais para contemplar a inclusão de grupos sub-representados de modo satisfatório no País.

Confira o que ainda precisa ser feito em 2025 para avançar na agenda, segundo os analistas:

Liliane Rocha diz que lideranças devem se levantar contra pautas anti-ESG no Brasil
Foto: Felipe Rau/Estadão / Estadão

Para a CEO da consultoria Gestão Kairós, Liliane Rocha, na questão de diversidade racial, o principal desafio das empresas no Brasil será superar o chamado backlash, termo em inglês que define o movimento anti-diversidade nos EUA e que, segundo ela, já pode ser percebida nos discursos de alguns executivos no País. Cabe às lideranças um movimento local de defesa da agenda de D&I, incluindo investimentos.

"Os CEOs, conselheiros e C-levels das empresas precisam se levantar e afirmar que, apesar do backlash que está acontecendo nos EUA e já reverbera no Brasil nas falas de alguns executivos, as empresas seguem atuando de forma consistente em diversidade de forma geral e em diversidade racial, sobretudo com investimentos. Eu me refiro, com isso, à gestão de processos, de pessoas e de orçamento", avalia Rocha.

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Para o CEO da consultoria Mais Diversidade, Ricardo Sales, as empresas precisam pensar na condição de profissionais LGBTQIA+ em vulnerabilidade
Foto: Fábio Audi/Divulgação / Estadão

Quando o tema é inclusão de profissionais LGBTQIA+, o especialista Ricardo Sales, CEO da consultoria Mais Diversidade, avalia que os últimos 10 anos foram de avanços importantes no mundo corporativo. No entanto, essas mudanças ainda não acolheram de forma satisfatória as demandas de profissionais que estão em posição de maior vulnerabilidade, como pessoas trans e negras. Para ele, este é um tema que não pode recuar em 2025.

"É fundamental avançar na inclusão daqueles mais vulneráveis dentro da comunidade LGBTQIA+, sobretudo as pessoas trans, que ainda têm dificuldade de acesso a emprego formal mesmo quando contam com a qualificação esperada", diz Sales. "Além disso, é preciso uma abordagem interseccional, que considere, por exemplo, as particularidades de pessoas LGBTQIA+ negras ou com deficiência, pois a sobreposição dessas identidades aprofunda o preconceito."

Carolina Ignarra alerta para cumprimento da lei de cotas para PCDs
Foto: Tiago Quiroz/ Estadão / Estadão

Na avaliação da CEO da Talento Incluir, Carolina Ignarra, no caso das pessoas com deficiência (PCDs), é urgente que as empresas no Brasil possam cumprir de forma integral a lei de cotas para a alocação desses profissionais nas empresas. Ela lembra que, mesmo após mais de 30 anos da lei nº 8.213/91, apenas 49% das vagas abertas pela determinação legal no País estão ocupadas. Além disso, os profissionais que conseguem entrar no mercado de trabalho sofrem por estagnação na carreira.

"De acordo com a pesquisa "Radar da Inclusão: mapeando a empregabilidade de Pessoas com Deficiência", da Talento Incluir, Instituto Locomotiva, Pacto Global e iO Diversidade, 63% das pessoas com deficiência empregadas nunca tiveram promoção e nove em cada 10 já passaram por capacitismo (visão que questiona a capacidade de PCDs). É urgente olhar com mais estratégia para as contratações, tanto do ponto de vista de contratar como do ponto de vista de desenvolver carreira, dignidade e oportunidades", pontua Ignarra.

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Mórris Litvak, fundador e CEO da Maturi, defende integração entre profissionais de várias idades no mercado de trabalho
Foto: Gabriela Biló/Estadão / Estadão

Na questão da diversidade etária nas empresas, também há ainda pontos a serem alcançados. O executivo Mórris Litvak, CEO da recrutadora de profissionais 50+ Maturi, diz que o principal ponto no qual as companhias brasileiras precisam avançar em 2025 é na criação de ambientes verdadeiramente intergeracionais, não só contratando profissionais de diferentes faixas etárias, mas garantindo que suas experiências sejam valorizadas nas organizações, superando o etarismo que ainda está enraizado na cultura de muitas companhias.

"É fundamental implementar políticas como programas de mentoria reversa, treinamentos sobre viés inconsciente e iniciativas que incentivem a integração em projetos e equipes", sugere Mórris. "Em um Brasil que envelhece rapidamente, incluir pessoas de todas as idades no mercado de trabalho não é apenas uma questão de responsabilidade social, mas também uma necessidade estratégica para o sucesso empresarial a longo prazo."

Dhafyni Mendes, da Todas Group, diz que homens também precisam se engajar em agenda de lideranças femininas
Foto: Todas Group/Divulgação / Estadão

Para as demandas de gênero, a cofundadora da plataforma de mentoria Todas Group, Dhafyni Mendes, considera que dois pontos precisam avançar em 2025. O primeiro é que as empresas tenham um foco maior em trabalhar competências que favoreçam a aceleração de carreira das mulheres rumo à liderança. O segundo é o maior engajamento dos homens em favor da pauta.

"É importante para 2025 (entender que) liderança feminina não é um assunto só de mulheres. Liderança feminina traz para as companhias maior inovação, bem-estar, organizacional, lucratividade, atração e retenção de talentos. O tema é uma conversa estratégica. Os homens também devem estar alinhados com o crescimento das mulheres, entendendo o quanto a visão delas complementa e acrescenta na companhia."

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