Após a mediana para a inflação oficial em 2021 no Boletim Focus saltar de 3,98% para 4,60% - mais próximo do teto da meta (5,25%) do que do centro (3,75%) -, economistas consultados pelo Estadão/Broadcast não descartam rompimento da faixa este ano, considerando que os riscos ainda são de alta, com a valorização do petróleo e a persistência do câmbio depreciado.
No entanto, a avaliação é de que o Banco Central (BC) terá argumentos para justificar o descumprimento do seu mandato e, como o cenário mudou abruptamente em semanas, os entrevistados consideram que a autoridade monetária não tinha dados suficientes para subir os juros antes, mas deve fazê-lo já, no Comitê de Política Monetária (Copom) desta semana.
A meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para 2021 é de 3,75%, com tolerância de 1,5 ponto porcentual para cima e para baixo, de 2,25% a 5,25%. Caso o IPCA (indicador oficial da inflação do País) termine o ano acima da banda superior, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, terá de escrever uma carta ao Ministério da Economia explicando o motivo do descumprimento.
O economista João Fernandes, sócio da Quantitas Asset, já prevê rompimento da meta este ano, após elevar a projeção para o IPCA de 2021 na última segunda-feira, 15, de 5,10% para 5,30%, em virtude do reajuste autorizado de medicamentos e de um repasse mais rápido dos preços de gasolina das refinarias para as bombas.
Fernandes calcula que o reajuste médio dos remédios este ano deve ficar em torno de 8,50%, considerando todos os fatores que influenciam a formação do preço. Na segunda, o Diário Oficial da União (DOU) trouxe a autorização de aumento de 4,88%, mas esse é apenas um dos componentes do reajuste, que também conta com um fator de produtividade, de ajuste de preços intrassetor e da inflação acumulada.
"É um quadro grave [de inflação] que enseja reação do Banco Central", diz. Na segunda, a Quantitas alterou o cenário para a taxa Selic, passando a prever alta de 0,75 ponto porcentual em março e maio, de 0,50 ponto anteriormente. No fim do ciclo, em janeiro de 2022, a taxa chegaria a 6,50%.
Gasolina
Fernandes avalia que o BC deve atribuir o descumprimento da meta em 2021, caso confirmado, ao forte impacto que deve ter o aumento de gasolina, e não vê como criticar a autoridade monetária por não ter agido antes, já que o erro de avaliação sobre o tamanho do choque na inflação foi geral. "Houve um erro de diagnóstico geral, não é algo que a gente pode colocar só na conta do BC", diz, destacando que o consenso era de alta de juros só no segundo semestre deste ano e que ninguém estimou que a valorização de commodities seria tão forte nem que haveria tanta persistência da depreciação cambial.
Nas refinarias, a gasolina já subiu 54% no ano, enquanto no IPCA, até fevereiro, o aumento foi de 9,44%, contra 1,11% de alta do índice geral no acumulado de 2021. Para o ano fechado, a Quantitas estima alta de 27% para a gasolina no IPCA. "Tem mais 10 meses pela frente. Mas, até agora, a gasolina é o que explica a expectativa de estouro da meta. Outros itens estão subindo, mas, sem a gasolina, não estourariam a meta."
Alta da Selic
Com projeção de IPCA em 2021 de 5,0%, o economista-chefe para Brasil e América Latina do BNP Paribas, Gustavo Arruda, afirma que o risco continua para cima e há chance, sim, de rompimento da meta este ano, especialmente considerando que as revisões de cenário de inflação têm sido fortes e rápidas em 2021. No início de janeiro, sua projeção para o IPCA era de 3,0%. Mas Arruda também "absolve" o BC de um possível erro de avaliação de cenário. "O choque foi rápido e concentrado. Difícil esperar que o Banco Central conseguiria antecipar o tamanho do choque."
O BNP espera que o BC deve começar a elevar a Selic nesta quarta-feira, 17, com altas de 0,50 ponto porcentual por reunião, levando a taxa básica a 5,50% no fim deste ano e 6,50% no fim de 2022.
Também para o economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Newton Camargo Rosa, o BC deve começar o aperto monetário com alta de 0,50 ponto, mas ele não descarta 0,75 ponto porcentual, a fim de evitar desancoragem das expectativas inflacionárias de 2022. "A mediana das projeções para o IPCA atualizada nos últimos cinco dias também começou a subir [de 4,10% para 4,72%]. O BC terá de ter uma postura dura para impedir isso [avanço]. Será um Copom difícil", diz'. "Será importante justificar a velocidade de alta dos juros à frente, caso isso aconteça agora. Espero uma comunicação clara", completa o economista da SulAmérica.
Apesar de estimar aceleração do IPCA para 0,95% em março, após 0,86% em fevereiro, Camargo Rosa projeta que em abril haverá desaceleração por causa da descompressão esperada nos preços de alimentos, caso a previsão para a safra de grãos se confirme. No entanto, a taxa acumulada em 12 meses ainda continuará elevada, podendo ultrapassar 7,00% ao ano em meados de junho/julho. "Trata-se de uma aceleração decorrente de uma base baixa [IPCA foi de 0,25% em fevereiro de 2020, por exemplo], de uma idiossincrasia estatística", minimiza, completando que, com isso, não vê possibilidade de o IPCA descumprir a meta inflacionária em 2021. A expectativa da SulAmérica é que o índice termine 2021 em 4,86%.
Riscos
Para Camargo Rosa, a pressão inflacionária chama a atenção pois ocorre num momento de atividade enfraquecida e decorre da alta de custos e do encarecimento das commodities, além do dólar. "Tudo isso vem sendo repassado para o consumidor. A pandemia de covid-19 acabou desorganizando a oferta, provocando descompasso com a demanda", observa.
Ele afirma que os maiores riscos à inflação de 2021 são o preço do petróleo e do dólar, mas acredita que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) +, que incorpora outros grandes produtores, como a Rússia, devem fazer ajustes na oferta de modo que o preço da commodity não suba muito em relação ao patamar atual. O Brent para maio fechou nesta segunda em US$ 68,80. Quanto ao dólar, pode ser favorecido pelo maior crescimento dos EUA, mas Camargo Rosa avalia que o Brasil pode se beneficiar dessa expansão econômica mais vigorosa se fizer o "dever de casa", no sentido de preservar a âncora fiscal, priorizar a agenda reformista e de privatização.