O governo de São Paulo admitiu à BBC Brasil que pode rescindir contrato com a empreiteira Mendes Junior - construtora responsável por um dos trechos do Rodoanel Mario Covas - até o fim deste mês.
Segundo a Dersa (empresa de desenvolvimento rodoviário do governo estadual), a construtora não cumpriu entregas previstas pelo cronograma do lote 1 do Rodoanel Norte e apresenta “dificuldades em honrar compromissos” por "falta de caixa".
A construtora venceu a licitação em janeiro de 2013. "Se, em abril, não chegarem ao nível desejado, muito provavelmente a gente evolua para a rescisão unilateral do contrato por descumprimento por parte da empreiteira", disse Laurence Casagrande, presidente da Dersa.
A Mendes Junior é um dos alvos da Operação Lava Jato, que investiga irregularidades em contratos da Petrobras. Desde novembro, seu vice-presidente executivo Sérgio Cunha Mendes está preso sob acusações de corrupção, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa.
Procurada pela reportagem, a construtora preferiu não indicar um porta-voz para entrevistas e limitou-se a dizer, em nota, que "obras sob sua responsabilidade encontram-se em andamento". Questionada sobre uma eventual saída do consórcio responsável pelo lote, a empresa disse que "a Mendes Junior faz parte e lidera o consórcio".
O projeto do Rodoanel Norte é a etapa final de uma autoestrada circular iniciada pelo governo paulista em 1998. Quando completo, o Rodoanel Mario Covas terá 176 quilômetros de extensão a um custo total, segundo a Dersa, de R$ 19,25 bilhões (valores atualizados pela inflação).
Atrasos
O valor inicial do contrato da Mendes Junior com o governo do Estado para o lote 1 do Rodoanel Norte é de R$ 647,6 milhões - a construtora é líder do consórcio vencedor do trecho, que conta também com a empreiteira espanhola Isolux Corsán.
Se os atrasos persistirem, o governo do Estado tem duas opções: transferir o lote para a construtora Odebrecht (quarta colocada na licitação, primeira na lista de sucessão deste lote) ou realizar uma nova licitação - o que pode atrasar ainda mais a construção.
A entrega, prevista inicialmente para 2014, havia sido remarcada para janeiro de 2016. No início deste ano, porém, a Dersa divulgou nova meta de finalização do trecho: primeiro semestre de 2017.
"A gente percebe que isso (o desaceleramento da obra) coincide com desdobramentos da operação Lava Jato da Polícia Federal", diz Casagrande, presidente da Dersa. Ele afirma que fatores como atrasos em licitações anteriores, paralisações judiciais da obra e desapropriação de terrenos também afetaram o cronograma.
Segundo o executivo, a Dersa já reteve "em torno de R$ 30 e 40 milhões" em pagamentos à empreiteira "para garantir eventuais problemas no futuro".
"As multas são feitas em cima do que a construtora deixou de medir (executar, de acordo com o cronograma). Faço a notificação e dou ampla defesa", diz Casagrande. "Até agora não chegamos na aplicação efetiva de multas, mas desde novembro do ano passado ela vem recebendo notificações", afirma.
Bola de neve
Segundo a Dersa, a Mendes Junior "fez um compromisso de remobilizar a obra" após o Carnaval. "A gente vem observando melhora", diz Casagrande. "Vêm cumprindo o que se comprometeram, mas isso não perdoa o que está contratado com eles. Eles continuam sendo notificados e sofrendo sanções."
O avanço da operação Lava Jato criaria uma "bola de neve" de endividamentos para as empreiteiras envolvidas.
Segundo Casagrande, sem receber por contratos firmados com a Petrobras, as companhias deixam de ter dinheiro em caixa e capital de giro para pagar seus fornecedores. A repercussão ruim do suposto envolvimento com corrupção e pagamentos de propina faria com que o mercado financeiro negasse financiamentos às empreiteiras, o que não lhes permitiria honrar compromissos previstos na licitação com o governo do Estado.
"Aquelas mais expostas a riscos começaram a ter mais dificuldades para levantar recursos. A Mendes Junior é uma das que tem enfrentado mais dificuldades para conseguir recursos no mercado financeiro", diz Casagrande.
Sem cumprir os compromissos das obras, a empreiteira fica sujeita a multas e sanções, o que dificulta ainda mais sua situação financeira. "Agora, isso não é um problema do contratante, é um problema do contratado. Por isso a gente executa (sanções), e a obra vai ficando mais cara para ele (Mendes Junior) ainda", diz o presidente da Dersa.
Procurada, a Mendes Junior não comentou os impactos financeiros da investigação.
Desde a divulgação de informações prestadas por políticos e executivos em delações premiadas - em outubro do ano passado - até fevereiro deste ano, o setor da construção civil perdeu 250 mil empregos formais.
Segundo o Caged (cadastro do Ministério do Trabalho de pessoas empregadas com carteira assinada), a queda nos empregos com carteira assinada na construção civil foi de 10%, índice recorde entre todos os setores destacados.