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Endividar para o Brasil crescer não tem problema, como disse Lula? Veja o que afirmam economistas

'Se for necessário este País fazer um endividamento para o Brasil crescer, qual é o problema', questionou o presidente após reunião com o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável

13 dez 2023 - 12h59
(atualizado às 14h11)
Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender na terça-feira, 12, a possibilidade de o País se endividar, se isso for necessário para garantir investimentos. Para alguns especialistas ouvidos pelo Estadão, isso não necessariamente irá gerar mais crescimento econômico. Eles destacam que é preciso investir nas áreas corretas para um retorno futuro. No entanto, outros especialistas apontam que aumentar os investimentos é a solução mais plausível no atual cenário de desaceleração, mas que não se pode perder de vista o equilíbrio fiscal.

"Se for necessário este País fazer um endividamento para o Brasil crescer, qual é o problema?" questionou o presidente após reunião com o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS), na qual o grupo apresentou um conjunto de soluções para o Brasil, que dependem de decisões políticas para serem concretizadas.

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A declaração de Lula ocorre em um momento em que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a equipe econômica do governo defendem a meta de zerar as dívidas públicas como necessária para que o arcabouço fiscal fique de pé. Lula, porém, repetidas vezes já declarou publicamente que a meta pode não ser alcançada em 2024.

Confira abaixo a opinião de alguns economistas ouvidos pelo Estadão:

Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central

"É um erro básico", avalia o ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman. O economista afirma que a estratégia defendida pelo presidente não é um caminho novo, e que essa relação gasto e crescimento como consequência "tem sido repetidas vezes desmentida pela realidade".

"Se pegar o histórico do pais dos ultimos quase trinta anos, 25, 26 anos, em 1997 o governo federal gastava o equivalente a 14% do PIB, hoje ele gasta em torno de 20%. Nem por isso nós somos um país que cresceu muito", diz.

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Schwartsman afirma que as taxas de juros elevadas crescem à medida em que as despesas do cofre público sobem, o que dificulta o dificulta o investimento e, consequentemente, o crescimento do País. "Estamos passando por um período de aceleração de gastos muito grande. Não é por acaso que a gente olha o que está acontecendo no investimento do País e vê que está caindo nos últimos quatro trimestres de uma maneira consistente."

Renan Pieri, economista da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas

A frase de Lula em si não traz nada de incorreto, aponta Renan Pieri, economista da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Ele afirma que o endividamento para um crescimento futuro é uma possibilidade, mas que é preciso se atentar a dois pontos que trazem preocupações. O primeiro é o atual momento de teste do arcabouço fiscal, que promete um déficit primário zero em 2024.

"A gente sabe que vai ser muito difícil para o governo atingir a meta. Quando ele diz que fazer mais dívida é saudável, de certa forma, ele entende que talvez não seja prioridade absoluta atingir essa meta", coloca o economista.

Já o segundo ponto a ser questionado é a "qualidade" do gasto. De acordo com Pieri, o Brasil ainda peca em fazer uma avaliação sistemática dos gastos que faz, a fim de manter os gastos com políticas públicas que realmente se provaram em termos de impacto e eficiência, ou seja, com custos mais baixos. "Não é qualquer endividamento que vai gerar crescimento, muito pelo contrário. Se a gente pegar a trajetória da dívida nos últimos anos, a gente observou um forte endividamento, e não necessariamente a gente conseguiu sair dessa armadilha de crescimento baixo", afirma.

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Para Pieri, a estratégia do endividamento tem que ser acompanhada de cautela para identificar quais são os gastos, além de um plano mais específico de corte de gastos a longo prazo, para que haja um limite no crescimento dessa dívida.

Emerson Marçal, professor na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV EESP)

Emerson Marçal, professor na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, afirma que aumentar o endividamento não necessariamente vai gerar crescimento econômico. "Tudo depende do que você vai fazer com esse dinheiro. É preciso gastar muito bem, investir em coisas importantes, projetos claramente com grande retorno para a sociedade como um todo", diz. O problema, portanto, não está em gastar, mas no que gastar.

Outro ponto importante é o ritmo de crescimento da dívida, coloca o professor. Em geral, os governos vão aumentando suas dívidas em termos absolutos. No entanto, é preciso respeitar algumas métricas, como o endividamento em proporção com o Produto Interno Bruto (PIB), para que o endividamento não cresça em um ritmo muito mais rápido do que o crescimento da economia.

Pedro Paulo Zahluth Bastos, professor do Instituto de Economia da Unicamp

Professor do Instituto de Economia da Unicamp e diretor do Centro de Estudos de conjuntura e política econômica da universidade, Pedro Paulo Zahluth Bastos entende que o caminho defendido por Lula é correto diante da atual conjuntura de desaceleração .

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"Está em linha com os estudos que foram feitos e publicados recentemente com muitos dados econométricos que avaliam que, em geral, no momento em que a economia está desacelerando, a tentativa de reduzir o déficit público ou provocar um superávit primário tende a aprofundar a desaceleração da economia, e isso acaba tendo efeitos negativos na relação dívida sobre o PIB, porque o PIB desacelera e a arrecadação tributária também é prejudicada", diz.

O economista relembra que a estratégia proposta hoje por Lula foi a mesma aplicada durante seus governos 1 e 2. "A economia estava crescendo, e foi possível, por causa do crescimento da economia, expandir o gasto público e ao mesmo tempo renuncia em relação à divida pública em relação ao PIB", relembra.

Bastos concorda que, embora seja ideal buscar o equilíbrio das contas públicas a longo prazo, isso deve ser realizado considerando os ciclos econômicos. "Se as receitas acompanharem o crescimento do PIB, necessariamente o gasto público vai crescer a uma taxa inferior à taxa de crescimento do PIB. Mas para isso, o PIB precisa estar crescendo, precisa estar numa trajetória de expansão. Ocorrendo isso é nesse momento favorável em que a relação dívida pública em relação ao PIB vai cair."

Frederico Gonzaga Jayme Jr, professor do departamento de economia da UFMG

Frederico Gonzaga Jayme Jr, economista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais, afirma que Lula parece dizer que não será possível crescer com uma política fiscal tão amarrada. Para o economista, não se deve demonizar a dívida pública numa situação de recuperação.

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"É claro que nenhum país vai querer ter uma dívida gigante, precisa ser financiável. Mas numa situação em que o país não cresce bem há 10 anos, a possibilidade de crescer é aumentando o investimento. Não tem muito outra alternativa."

Ele destaca que o setor privado, por si só, não é capaz garantir os investimentos necessários para recuperar o crescimento a longo prazo, isso porque não arriscaria investir em setores cujo retorno é mais incerto. Por isso, é papel do setor público fazer isso, segundo o professor.

"Como que o setor privado vai investir em transporte, por exemplo, se as estradas são ruins? Você depende do setor público, primeiro, para asfaltar a estrada para que o empresário possa investir em determinado local com transporte", exemplifica. No entanto, o professor afirma que é importante ter uma política atenta ao crescimento da dívida a fim de se ter um equilíbrio fiscal.

 

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