Enquanto o governo tenta conter danos num setor-chave para a economia brasileira, as investigações da Polícia Federal que apuram fraudes, subornos e violações sanitárias no setor pecuário brasileiro ganharam contornos internacionais nesta segunda-feira (20/3).
A China anunciou que vai suspender temporariamente a importação de carnes do Brasil. A Coreia do Sul barrou a importação de produtos do frigorífico BRF e resolveu intensificar a fiscalização sobre a carne de frango importada. O Chile também anunciou uma suspensão temporária na importação de carnes. Autoridades dos EUA informaram que estão "monitorando a situação".
A Comissão Europeia, órgão executivo da UE, por sua vez, disse que vai barrar a compra de carnes de frigoríficos atingidos pela operação Carne Fraca. O caso também vem sendo aproveitado por federações de agricultores europeus que normalmente se mostram hostis às importações pela UE de carne brasileira ou sul-americana.
Duas federações de pecuaristas da Irlanda pediram medidas mais drásticas, como o banimento total da importação de carnes brasileiras. O presidente da Associação Irlandesa de Criadores de Gado e Ovinos (ICSA), Patrick Kent, acusou a UE de ser benevolente demais com o Brasil.
"A UE foi advertida várias e várias vezes sobre os riscos de importar carne da América do Sul. É ultrajante que a UE continue a dar uma segunda chance ao Brasil. O pior de tudo são as tentativas de sacrificar a produção da carne europeia com negociações bilaterais comerciais com países do Mercosul. O impacto disso será o de sabotar totalmente os pecuaristas irlandeses e europeus e inundar a UE com carne barata e inferior do Brasil", afirma.
Joe Healy, que chefia a Associação dos Fazendeiros Irlandeses, disse que seu grupo vem apontando há dez anos que o Brasil não consegue cumprir com eficiência as exigências de monitoramento que são aplicadas ao produtores europeus.
Tema desperta hostilidade de europeus
Pekka Pesonen, o secretário-geral da influente Copa-Gogeca, entidade que representa os agricultores e as cooperativas agrícolas da UE, foi mais comedido. Em entrevista à DW, disse que seu grupo deseja ver as provas de irregularidades antes de fazer qualquer recomendação. Sua organização pediu por enquanto que o Conselho Europeu exija esclarecimentos do governo brasileiro.
"Seria um suicídio para o Brasil se essa questão não for resolvida. Se persistir, podemos eventualmente recomendar uma suspensão", disse. Ainda segundo Pesonen, o caso brasileiro mostra que o Brasil e outros países sul-americanos ainda "não têm os mesmo padrões" da UE.
A medida anunciada pelo Conselho Europeu afeta quatro empresas que estavam autorizadas a exportar para os 28 países da UE, entre elas a JBS, a líder do setor no Brasil. Ao todo, 21 empresas foram alvos da operação da PF. Mais de 2 mil fazendas e 77 frigoríficos brasileiros têm autorização para exportar carne para o bloco europeu.
O tema é bastante sensível no bloco e costuma despertar a hostilidade de agricultores europeus, que temem a competição de carnes brasileiras mais baratas no segmento de cortes nobres, o mais lucrativo do setor. O Brasil e seus parceiros do Mercosul - Argentina, Uruguai e Paraguai - tentam expandir a lista de suas empresas autorizadas a exportar para a UE e alcançar um acordo amplo entre os dois blocos.
Obstáculo ao livre-comércio?
O timing da operação coincidiu com o início de uma nova fase de negociações entre os dois blocos. Nesta segunda-feira, negociadores da UE e do Mercosul se reúnem em Buenos Aires para discutir um acordo de livre-comércio, uma iniciativa que vem se arrastando há mais de 20 anos. Em 2016, após mais de uma década praticamente sem qualquer diálogo, os dois blocos retomaram as conversas.
Mas a retomada foi encarada com descontentamento por organizações como a Copa-Gogeca e outras federações europeias. Em dezembro, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) acusou a Copa-Cogepa de "tentar influenciar negativamente os consumidores europeus" ao "criar uma imagem falsa sobre as condições de produção no Brasil. Em 2016, o Brasil exportou cerca de 2,5 bilhões de dólares de carne, frango e derivados para a UE.
Oficialmente, representantes do bloco afirmam que a operação da PF não deve influenciar as negociações entre o Mercosul e a UE. O porta-voz para assuntos comerciais da Comissão Europeia, Daniel Rosario, disse esperar que não haverá impacto negativo no andamento das negociações.
Ele também afirmou que um eventual acordo vai eventualmente " reforçar as exigentes normas de seguranças alimentar", e "não debilitá-las". O embaixador da UE no Brasil, João Gomes Cravinho, também assegurou que as negociações e a questão das carnes são duas coisas diferentes.
O presidente da CNA, João Martins, disse que cobrou do governo uma punição enérgica aos agentes públicos e as empresas envolvidas no esquema criminoso. Ele também reforçou o discurso oficial de que as irregularidades representam casos isolados e que o fato de algumas unidades terem sido atingidas pela ação da PF não significa que todo o sistema seja frágil. "Temos que mostrar para a nossa população que nós produtores somos as grandes vítimas disso tudo", disse.