"Banho de realidade." É com essa expressão que o economista e ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman define a situação do hoje ministro da Economia, Paulo Guedes.
Schwartsman lembra de ver Guedes em palestras, antes de ele ser apelidado de "Posto Ipiranga" por Jair Bolsonaro e ser indicado para comandar a política econômica do atual governo. O apelido era uma referência a um comercial que ganhou grande popularidade, sugerindo que o ministro é quem teria todas as respostas aos problemas econômicos.
"Ele era meio showman. Comentava que quando tivesse um governo liberal ia mudar tudo. E o pessoal vibra quando você fala em cortar imposto, cortar gastos. Mas na vida real a coisa é mais complicada", diz Schwartsman, que foi um grande crítico da política econômica do governo Dilma Rousseff.
Nove meses depois de Paulo Guedes assumir o Ministério da Economia, a principal conquista, na visão de economistas, foi a aprovação da reforma da Previdência pela Câmara dos Deputados. O texto, defendido como essencial para o ajuste das contas públicas, agora depende de votação pelo Senado.
Ao mesmo tempo, outros planos defendidos por Paulo Guedes não (ou ainda não) se tornaram realidade. O plano de zerar o déficit das contas públicas ainda no primeiro ano de governo, por exemplo, ainda está longe de acontecer.
"A realidade se impõe. Uma coisa é você sentar na frente do seu computador e fazer uma análise. Outra coisa é você sentar e negociar com congressistas, com governadores, com prefeitos e entender que as agendas são do Oiapoque ao Chuí, das mais diferentes possíveis, e muitas vezes conflitantes, o que traz dificuldade para efetivar essas agendas", diz a economista Vivian Almeida, professora do Ibmec.
O grande problema é que a economia não voltou a crescer de forma significativa, segundo Wilber Colmerauer, sócio-fundador da consultoria financeira EM Funding, em Londres.
"A grande frustração de investidores do mercado em geral é justamente porque estamos com uma economia que está indo para nenhum lugar. Havia grandes esperanças de ter uma recuperação econômica. O elefante na sala é que a economia continua andando de lado", diz. "O governo tinha uma expectativa de que ia conseguir fazer uma série de coisas rapidamente para aumentar o nível de investimento e muito pouco aconteceu."
Embora apontem que medidas significativas prometidas por Guedes ainda não saíram do papel, os três entrevistados dizem que o ministro não perdeu o papel de fiador da política econômica liberal do governo Bolsonaro.
Para Schwartsman, Guedes "ainda é um ministro com muito prestígio, até porque o presidente realmente não entende nada de economia".
Vivian Almeida diz que "o papel de fiador de Paulo Guedes não foi embora, a despeito de acompanhar um desgaste que o governo vem sofrendo ao longo desses nove meses e que transborda para os ministros".
E Colmerauer afirma que Guedes é "tecnicamente capaz" e que "tem aguentado o tranco", mas aponta que "houve ingenuidade, ao fazer uma avaliação muito otimista dos problemas".
"O governo cometeu o erro de criar expectativas altas e está com problema para entregar", diz Colmerauer.
A partir da avaliação dos economistas, a BBC News Brasil explica os quatro projetos defendidos pelo ministro que ainda não vingaram:
1. Zerar o déficit primário em 2019
Logo após a eleição do presidente Jair Bolsonaro, em outubro de 2018, Paulo Guedes reforçou a proposta - defendida durante a campanha - de zerar o déficit das contas públicas ainda no primeiro ano de governo. Na ocasião, o então futuro ministro chamou a medida de "factível".
Naquela época, enquanto a previsão da área econômica do governo era de um resultado negativo próximo a R$ 139 bilhões em 2019, o programa de governo de Bolsonaro defendia o corte de despesas e a redução das renúncias fiscais, e dizia o seguinte: "O déficit público primário precisa ser eliminado já no primeiro ano e convertido em superávit no segundo ano".
Mas agora o plano de deixar as contas no azul parece estar bem longe da realidade, segundo expectativa da própria equipe econômica.
O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, afirmou em julho que, mesmo com "tudo dando certo", o mandato de Bolsonaro deve terminar ainda com déficit primário. "Só devemos voltar a ter superávit em 2023", disse o secretário.
O mais recente relatório de acompanhamento fiscal da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado, também prevê que as contas públicas não sairão do negativo antes de 2023.
As contas do governo registram resultados negativos desde 2014. No ano passado, o déficit foi de R$ 120,3 bilhões.
Schwartsman diz que era "pedra cantadíssima" que não seria possível eliminar o déficit público neste ano.
"É uma impossibilidade matemática. Aparentemente ele não tinha entendido que mais de 90% dos gastos são obrigatórios, ou seja, pré-determinados. É uma miríade de regras que fazem com que orçamento brasileiro seja extraordinariamente rígido", diz o economista.
2. Privatizar tudo
Na campanha de 2018, quando ainda era identificado como assessor econômico do PSL, Guedes defendia a privatização de todas as empresas estatais. O argumento dele era o de que a venda dessas empresas seria uma forma de reduzir o endividamento público.
Já como ministro, no começo deste ano, Paulo Guedes apresentou a conta: disse que a privatização das estatais poderia render mais de R$ 1 trilhão para os cofres públicos.
Schwartsman diz que, ainda que conseguisse privatizar todas as estatais, o número provavelmente não seria tão grande. "Além disso, ele subestimou que existe resistência política à venda dessas estatais. O presidente disse que não vai vender tudo."
Em agosto, o Ministério da Economia divulgou uma lista de nove empresas que vão passar por estudos para verificar como será o processo que pode passar pela privatização, abertura de capital, venda ou extinção.
São elas: Empresa Gestora de Ativos (Emgea), Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF), Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev), Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), Telecomunicações Brasileiras S/A (Telebras), Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (Correios), Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp).
"Nós estamos tentando respeitar a constituição e tirar o estado do mundo dos negócios", afirmou, na ocasião, o secretário Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Salim Mattar.
Schwartsman, no entanto, destacou que "não vão entrar na roda" Petrobras, Banco do Brasil e Caixa. "Sem essas, o Salim pode se matar pra vender tudo que não vai chegar à sombra do um trilhão que o Paulo Guedes queria. Se privatizar as outras e não essas, não adianta", diz.
Vivian Almeida destaca a dificuldade política para alguns planos da equipe econômica, como a venda das estatais.
"Agendas como imposto único, déficit primário e privatização são mudanças muito paradigmáticas, que um ano de governo seria muito difícil de conseguir aprovar ou conseguir fazer com que a sociedade, o Congresso, Estados e municípios encampassem, de maneira inequívoca", diz a economista.
3. Capitalização da Previdência
Paulo Guedes tem batido (muito) na tecla de incluir a capitalização na Previdência.
A proposta de reforma da Previdência enviada por Bolsonaro ao Congresso no início deste ano abria caminho para o modelo de capitalização, em que cada trabalhador poderia fazer a própria poupança, mas o trecho foi derrubado pela Câmara.
No entanto, Guedes segue mostrando especial interesse pelo tema. Em agosto, já depois de a Câmara ter derrubado o dispositivo, o ministro disse que tem "objetivos maiores" em relação ao projeto de capitalização para a Previdência.
"A capitalização pode ser um novo mercado de poupança (para o país). Ela é extraordinária para o país, pode libertar gerações futuras", disse o ministro durante evento do banco BTG.
Vivian Almeida diz que inserir o modelo de Capitalização exigiria uma mudança de cultura para os brasileiros.
"Somos uma população acostumada a ter poupança forçada, e aí você passa a dizer que agora ela é responsável pela poupança dela. É uma mudança significativa de cultura. Além disso, você tem um vizinho que fez uma migração absoluta para o regime de capitalização, o Chile. E uma das coisas mais debatidas era justamente que isso acabou, ao longo do tempo, precarizando muito a situação dos idosos chilenos."
O modelo atual da previdência pública no Brasil é o de repartição, no qual a contribuição dos trabalhadores é usada para pagar as aposentadorias e pensões. Ou seja, uma geração "banca" o benefício da outra, em vez de os trabalhadores terem contas individuais.
4. 'Nova CPMF'
A discussão sobre uma 'nova CPMF' (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) teve destaque recentemente, quando o ex-secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, foi demitido, depois da reação negativa a declarações da equipe econômica sobre a intenção de criar um imposto sobre transações financeiras similar à antiga CPMF.
O presidente Jair Bolsonaro disse, pelo Twitter, que está descartada a ideia de voltar a taxar transações bancárias.
No entanto, o próprio Paulo Guedes havia dito, em entrevista ao jornal Valor Econômico, que a nova CPMF teria alíquota de 0,2% a 1% e poderia arrecadar até R$ 150 bilhões por ano. A cobrança seria chamada de ITF (Imposto Sobre Transações Financeiras).
"Os dois projetos de reforma tributária que hoje já estão em discussão no Senado e na Câmara parecem ter um certo consenso, e vão na linha de simplificação e unificação. O Paulo Guedes ignorou essa discussão e veio trazer algo que ninguém tava discutindo, que era a CPMF. Era hora de ele estar trabalhando perto de Senado e Câmara, trabalhar junto", diz Schwartsman.
Um novo secretário da Receita foi anunciado, o auditor fiscal José Barroso Tostes Neto, e a equipe do Ministério da Economia trabalha para apresentar uma proposta de reforma tributária.
Colmerauer defende que o governo trabalhe para fazer mais privatizações e para fazer sair do papel uma reforma tributária.
"A economia é que tem que carregar esse governo. Se entrar no segundo ano com economia patinando, o governo começará a ser questionado. Acho que ainda dá tempo, mas precisa começar a ser mais ativo. Tem que ter mais privatizações, reforma tributária", disse.
Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa do Ministério da Economia não fez comentários.
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