A ampla disseminação do vírus da covid-19 e medidas restritivas descoordenadas entre os Estados pioraram a situação sanitária no Brasil, considerada "preocupante", segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que também aponta, em um estudo publicado nesta segunda-feira (31), o problema da vacinação "lenta" no Brasil como um dos riscos que pesam sobre a recuperação da economia do país.
Em seu relatório semestral com perspectivas para a economia global, a OCDE manteve a previsão de crescimento de 3,7% do PIB brasileiro em 2021, já feita em um estudo intermediário divulgado em março. Mas nesse período a organização melhorou suas projeções de aumento do PIB mundial neste ano (5,8%) e dos países do G20 (6,3%), da zona do euro (4,3%), e de emergentes como China (8,5%) e Argentina (6,1%).
Além de crescer abaixo da média mundial neste ano e menos do que países da América Latina como Colômbia (7,6%), Chile (6,7%) e México (5%), a economia brasileira, segundo a OCDE, deverá ter uma expansão menor em 2022 do que a estimada anteriormente.
A organização revisou para baixo a previsão de aumento do PIB do Brasil no próximo ano: de 2,7% passou para 2,5% no estudo divulgado nesta segunda, que coincide com o início da reunião anual ministerial da OCDE, realizada por videoconferência em razão da crise sanitária.
A organização ressalta que é "fundamental que as autoridades brasileiras tomem rapidamente medidas para controlar a pandemia, principalmente a aceleração da campanha de vacinação e a melhora do rastreamento dos casos de contaminação."
A OCDE afirma que a vacinação contra a covid-19 no Brasil "está lenta, apesar da capacidade local de produção de imunizantes". Problemas de abastecimento relacionados à disponibilidade de algumas vacinas estão reduzindo o ritmo da campanha no país, mas doses adicionais obtidas recentemente devem permitir o aumento da imunização, acrescenta a organização.
Segundo o estudo, a retomada econômica no Brasil "permanece frágil". Após um vigoroso crescimento no último trimestre de 2020 e nos dois primeiros meses deste ano, puxado pelo varejo e o setor de serviços, houve um forte recuo em março por conta do agravamento da crise sanitária.
"A atividade no primeiro semestre será moderada, limitada pelo alto nível de propagação do vírus no país e restrições de mobilidade", diz a OCDE, destacando que a recuperação dependerá da evolução da pandemia de covid-19 no país.
O segundo semestre do ano, nas previsões da organização, deverá ter uma retomada "sólida", impulsionada pelo consumo e pelas exportações, se a campanha de vacinação acelerar e houver melhor controle da propagação do vírus. Apesar do aumento do desemprego, a taxa de poupança — que teve captação recorde em 2020 por conta das restrições às compras — poderá ajudar a manter o consumo, na avaliação da OCDE.
Grande risco
As incertezas que pairam sobre a estratégia orçamentária do governo se tornaram um grande risco para o Brasil, afirma a OCDE. A dívida pública chegará a 90% do PIB no final de 2022, limitando a margem de manobra dos gastos.
A decisão de excluir as despesas da covid-19 do teto de gastos, ainda que "compreensível" no atual contexto de pandemia, deve ser aplicada com prudência para não aumentar a volatilidade dos mercados financeiros e as incertezas em torno da ação do governo, diz a OCDE.
"As autoridades devem claramente limitar o tempo dessa medida e garantir que apenas as despesas limitadas à crise da covid-19 sejam excluídas do teto de gastos", afirma o estudo, acrescentando que a "credibilidade das políticas públicas será importante para continuar atraindo investimentos estrangeiros e limitar a desvalorização do câmbio."
Um grande desafio para o Brasil neste ano, na avaliação da OCDE, será achar um bom equilíbrio entre a proteção social das pessoas de baixa renda e a viabilidade das contas públicas. A organização recomenda que a ajuda emergencial seja prolongada até o momento em que houver retomada econômica e o controle da pandemia.
"Há espaço para financiar a extensão dos auxílios sociais, reorientando os gastos correntes", ressalta a OCDE, citando subvenções ao crédito, exonerações da folha de pagamento para setores específicos e o melhor gerenciamento das despesas com salários dos servidores.
Para a OCDE, com o agravamento da situação sanitária no Brasil, os apoios concedidos serão insuficientes para manter o consumo.
"Se as transferências de renda não forem prolongadas e se, paralelamente, a pandemia continuar afetando a atividade econômica, a taxa de pobreza voltará a aumentar neste ano."
A OCDE afirma que o auxílio emergencial e a extensão do Bolsa Família permitiram que a taxa de pobreza caísse em 2020 de 29% para 21% no Brasil.
O desemprego no país, prevê a organização, deverá diminuir lentamente com o retorno ao mercado das pessoas que desistiram de procurar vagas, mas a taxa de atividade permanecerá significativamente abaixo dos níveis pré-crise, "mantendo milhões de trabalhadores fora do mercado de trabalho."
Recuperação desigual
A perspectiva é de forte recuperação da economia mundial, que deverá crescer 5,8% neste ano após uma queda de 3,5% em 2020, mas ela será desigual, alerta a OCDE.
Nos países ricos, o avanço progressivo da vacinação permite a reabertura de atividades e as medidas de apoio fiscal ajudam a impulsionar a demanda e mitigar o risco de a pandemia deixar sequelas a longo prazo na economia, preservando empresas e empregos, afirma o estudo.
"No entanto, em várias economias emergentes, a lentidão das campanhas de vacinação, o surgimento de novas ondas de contaminação e as medidas de restrição decorrentes da situação sanitária continuarão a pesar no crescimento por algum tempo, especialmente quando a margem de apoio às atividades é limitada."
Embora na maior parte dos países o PIB deverá voltar aos níveis anteriores à pandemia até o final de 2022, isso está longe de ser suficiente", afirma Laurence Boone, economista-chefe da OCDE.
Ela afirma que a economia global permanece abaixo de sua trajetória de crescimento pré-pandemia e em muitos países da OCDE, que reúne principalmente economias ricas, os padrões de vida até o final de 2022 não estarão de volta ao nível esperado antes da crise sanitária.
Segundo Boone, vários riscos ainda pairam sobre a economia mundial, entre eles a alta da inflação e a falta de vacinas nos países emergentes e pobres. "Esses países teriam mais dificuldades para suportar uma nova redução no crescimento provocada pela Covid-19, o que resultaria no aumento da pobreza extrema e potencialmente problemas para obter empréstimos."
"Enquanto a grande maioria da população mundial não estiver vacinada, estamos todos à mercê do surgimento de novas variantes", completa Boone.