Há um entusiasmo generalizado com o surgimento da Inteligência Artificial, assim como já tinha acontecido com a automação, décadas atrás. Sem dúvidas é uma revolução inquestionável. Eu também sou entusiasta. Até porque fui jurássico. Do tempo de máquinas de escrever manuais e do carbono. Sei como essas inovações fazem bem.
Mas um fato pouco explorado é que toda essa modernidade vem tirando emprego de muita gente, e vai tirar muito mais.
Os argumentos de que a tecnologia tem gerado muitos empregos não deixam de ser verdadeiros. Mas, no balanço geral, de cada dez empregos eliminados, quantos conseguem recolocação com esse novo perfil de trabalho? Cinco?
Não encontrei estudos para confirmar minha teoria, mas todos nós temos um amigo, um vizinho ou um parente à procura de emprego, e que nem sempre consegue. Não importando se qualificado ou não.
O problema não é só no Brasil. É no mundo
Sou da área de gestão. Fui executivo e empresário durante toda a minha vida. Na década de 1970, quando iniciei minha carreira, já se falava de reestruturação, reengenharia etc. com o objetivo de produzir de forma rápida e barata, com menos pessoas envolvidas, para com isso ter preços competitivos.
A ideia de eliminar processos de trabalhos intermediários, sem relevância para o produto, e de envolver menos pessoas já era recomendação do papa da administração científica, Frederick Taylor, por volta de 1890.
A chegada da automação e, nos últimos anos, da IA, vem propiciando às empresas uma redução significativa de pessoas na operação. Dois exemplos claros: bancos e indústria automobilística. A diferença é que na época da automação a economia crescia e, com isso, absorvia a mão de obra excedente, e não tínhamos a expectativa de vida que temos hoje, o que leva mais pessoas a trabalharem por mais tempo.
O fato é que a redução de empregos gera distorções econômicas como: menos pessoas consumindo, sobrecarga nos serviços públicos, violência, e êxodo de milhares de pessoas para países ricos – como EUA, Itália, França, e Inglaterra – à procura de oportunidades de emprego.
Em cidades como Nova York e Paris, há um volume crescente de pessoas nas ruas, homeless, desempregados e pedintes. Nos EUA, tentou-se até fazer um muro na divisa com o México para impedir a entrada de pessoas dos países vizinhos.
Estudos da OIT (Organização Internacional do Trabalho) mostram que quase 500 milhões de pessoas estão desempregadas e que boa parte das que estão empregadas só o estão por se sujeitarem a salários mais baixos ou a atividades eventuais, negócio próprio (que não vinga), entrega de comida, venda de bolo e café nas esquinas etc., situação que presenciamos regularmente no Brasil.
Aqui, Uber e iFood empregam quase 1,7 milhão de pessoas. Em São Paulo, temos 600 mil motoristas de Uber!
Isso é emprego ou paliativo? Será que um engenheiro, trabalhando no Uber 12 horas por dia para ganhar R$ 4 mil por mês não gostaria de voltar a exercer sua profissão?
A OIT admite, nesse relatório, que “o desemprego continua a ser uma preocupação fundamental” e que “o trabalho digno é fundamental para a justiça social”.
Em algum momento, os líderes mundiais terão que repensar as políticas econômicas para que não entremos em parafuso. Fala-se em projeto de assistência social mundial para esse público, nos moldes de um “bolsa família”, paliativos que, obviamente, não resolverão a questão central. E com certeza não é isso que o povo quer.
E aí vem a fome...
O desemprego, a falta de perspectivas futuras e a remuneração abaixo do necessário têm gerado outro problema mundial: a fome.
Relatórios da ONU mostram que, hoje, já são quase 30% da população mundial vivendo em situação de extrema pobreza, e cerca de 1 bilhão de pessoas passam fome.
Os relatórios consideram que parte do problema se deve à pandemia de covid-19 e à guerra Ucrânia x Rússia. Concordo que esses dois eventos podem ter agravado o quadro, mas o problema já vinha de longa data.
O fato é que a tecnologia e a pressão nas empresas, que precisam fazer tudo por um custo menor, têm gerado, sim, desemprego – não só por conta da IA –, acarretando, além das consequências sociais, uma qualidade discutível, principalmente na área de serviços.
Não sou contra a tecnologia e seus avanços. Minha preocupação, ou crítica, está na velocidade dessas transformações e na sensação de que falta um projeto de análise profunda das consequências futuras.
Por exemplo, qual o impacto financeiro, econômico e comportamental para a população mundial nos próximos 10, 20 anos, se a tecnologia continuar a modificar tudo com tanta velocidade?
Temos muitos estudos sobre o futuro, mas esse, dos efeitos da tecnologia, se existem (e devem existir), não estão sendo tema de debates como acontece com o aquecimento global, por exemplo, mesmo com suas promessas inócuas.
Com o planeta deteriorando-se e empobrecendo, entendo que o foco deveria ser em melhorias de curto e médio prazos, em geração de emprego e na alimentação da população, já que não temos recursos financeiros para resolver tudo.
Na velocidade com que a IA vem ganhando terreno, mais empregos serão perdidos e mais pessoas, especialmente as do terceiro mundo – ou, como se diz, os povos do Sul Global –, sofrerão as consequências.
Como diria o Caetano Veloso
Sou mais o Caetano Veloso, que com sua música "Gente" (álbum "Bicho", de 1977), definiu muito bem o que gente quer: “Gente quer comer, gente quer ser, quer durar, quer crescer, gente quer luzir... gente é pra brilhar, não pra morrer de fome”.
Ter um mundo altamente tecnológico, mas com grande parte da população desempregada ou passando fome, com certeza não é uma boa estratégia.
Agora, achar que líderes mundiais estão pensando em estratégias globais é sonhar acordado, já que a maioria ocupa cargos de alta rotatividade. Além do total desinteresse deles em focar seriamente em temas como esse.
A célebre frase “Houston, we have a problem” nunca foi tão atual. Sou otimista. Acredito que sim, conseguiremos sair dessa enrascada, e que teremos um mundo melhor. Mas, não sei por que, de vez em quando, me vejo cantarolando a música escrita em 1976 por Sílvio Brito: “Pare o mundo que eu quero descer”.
(*) Antônio Lino Pinto é sócio da Viramundo Consultoria em Gestão.