Em meio ao debate sobre a decisão do Brasil de não sediar a reunião sobre mudanças climáticas da ONU, em 2019, a França deixa claro que condiciona a assinatura de um acordo comercial com o Mercosul à participação de todos os governos da região ao Acordo Climático de Paris.
O alerta foi dado em reuniões em Buenos Aires nesta semana por parte de diplomatas franceses aos seus homólogos argentinos. Mas o principal ataque veio do próprio presidente da França, Emmanuel Macron, numa coletiva de imprensa nesta quinta-feira na capital argentina. A partir desta quinta-feira, 29, o presidente Maurício Macri recebe os líderes de todo o mundo para o encontro do G-20.
Nesta semana, o governo do Brasil anunciou que não irá mais sediar a COP25 em 2019, o que criou um mal-estar diplomático, obrigando a ONU a se apressar para procurar um novo lugar disposto a receber o evento.
A retirada da candidatura do Brasil foi decidida pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, que também indicou que o seu governo resistiria às propostas de compromissos climáticos. "Houve participação minha nessa decisão", disse Bolsonaro, na quarta-feira. Ele explicou que existe a possibilidade de o País sair do acordo do clima e não quer "anunciar uma possível ruptura dentro do Brasil".
Durante a campanha eleitoral, ele falou em sair do acordo do clima e, nesta semana, insistiu que o Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente. "Não pode uma política ambiental atrapalhar o desenvolvimento do Brasil", ressalvou. "Hoje a economia quase está dando certo apenas - quase - na questão do agronegócio. E eles estão sufocados por questões ambientais que não colaboram em nada para o desenvolvimento e a preservação do meio ambiente."
Em sua primeira visita à América do Sul, porém, o presidente da França não poupou críticas a essa postura brasileira.
Segundo ele, houve um encontro no início do ano em Paris com Macri e certos compromissos foram adotados por ambos os lados para garantir que houvesse um avanço nas negociações entre Mercosul e UE. Um desses compromissos foi de que todos em um eventual acordo comercial respeitassem os princípios do Acordo de Paris.
O francês indicou que todos sabem das "sensibilidades" que existem sobre a abertura dos mercados agrícolas. "A França tem limites. Mas conseguimos em janeiro encontrar compromissos que permitiu um avanço", disse.
Macron explicou, porém, que um acordo com o Mercosul terá de ir além do comércio. "Nós assumimos um compromisso claro no que se refere ao Acordo de Paris", disse Macron. "Esses acordos comerciais contemporâneos precisam responder aos desafios contemporâneos. Ocorre que há uma mudança política maior no Mercosul que acaba de ocorrer no Brasil. Portanto, é do lado do Mercosul que a questão está colocada para saber qual é a natureza do impacto que essa mudança vai ter", alertou.
"Do lado francês, eu digo claramente que não sou favorável à assinatura de um acordo comercial amplo com potências que não respeitam o Acordo de Paris e que anunciam que não vão respeitar o Acordo de Paris", disse Macron.
"Por uma razão simples: isso significa que eu me coloco numa situação em que eu demando de meus trabalhadores e a meus atores económicos, a meus industriais a fazer esforços para se adaptar ao Acordo de Paris. É um sacrifício. Do outro lado, assinaríamos acordos comerciais com países que dizem abertamente que não há problemas de aquecimento climático comigo, eu não faço esforços e continuamos", disse.
"Não avançaremos jamais assim. É uma questão de mudança do contexto geopolitico", lamentou. Macron, apesar de colocar a responsabilidade sobre o Brasil, insiste que quer continuar o diálogo com a Argentina de Macri, sob as bases já acordadas. Horas depois, Macron, nas redes sociais, também reforçou a questão ambiental como condição para um acordo.
A diplomacia brasileira confirmou ao Estado que essa não foi a primeira vez que o assunto do Acordo Climático foi tratado. Mas, em governos anteriores, isso jamais foi um obstáculo, já que era um consenso a adoção por todos os membros dos compromissos no Acordo de Paris.
Parte dos negociadores brasileiros, porém, alertam que a postura da França pode ser "oportunista". Paris jamais cedeu em abrir seu mercado para as exportações agrícolas do Mercosul. Agora, segundo alguns diplomatas, encontrou um argumento para impedir o acordo.
Macri admitiu que os "assuntos ambientais" estiveram na agenda de sua reunião com Macron. Mas insistiu que um acordo "está próximo" entre Mercosul e UE. "Esperamos que possamos dar um apoio final para um acordo", completou.