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Golpes com criptomoedas bancam armas nucleares na Coreia do Norte

28 mar 2024 - 18h57

Segundo um relatório das Nações Unidas, cibercriminalidade financiou 40% dos programas norte-coreanos para produção de armas de destruição em massa. Vácuo legal gera clima de impunidade, apontam especialistas.Ciberataques "maliciosos" envolvendo roubo de criptomoedas teriam rendido à Coreia do Norte cerca de 3 bilhões de dólares (R$ 15 bilhões) entre 2017 e 2023, o suficiente para bancar até 40% dos custos com programas para produção de armas de destruição em massa pelo regime de Kim Jong-un. A conclusão é de um relatório recente produzido por um comitê de especialistas das Nações Unidas que acompanha as sanções contra o país.

"Alcance e complexidade" de atividades hackers chocam o setor de criptomoedas, segundo especialistas
"Alcance e complexidade" de atividades hackers chocam o setor de criptomoedas, segundo especialistas
Foto: DW / Deutsche Welle

À DW, analistas dizem que o setor de criptomoedas está "extremamente preocupado" com a eficácia e impunidade com a qual um ator estatal poderoso parece estar roubando moedas virtuais, e com a lentidão com que o direito internacional tem reagido ao rápido ritmo de desenvolvimento do ramo.

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Isso se deve, em parte, ao fato de que governos de muitos países mais ameaçados pelos ataques cibernéticos norte-coreanos - principalmente Coreia do Sul, Japão e Estados Unidos - estão tendo que lidar atualmente com outros desafios políticos graves que consomem seu tempo e energia.

Divulgado em 20 de março, o relatório da ONU sobre as atividades cibernéticas norte-coreanas investigou 58 ataques contra empresas que atuam no ramo de criptomoedas e concluiu que Pyongyang não só está por trás de todos eles como continua a atacar instituições financeiras - uma estratégia para contornar as sanções da ONU e cobrir os altos custos de desenvolvimento de armas nucleares e mísseis de longo alcance.

"As atividades cibernéticas maliciosas da República Popular Democrática da Coreia (RPDC) respondem por cerca de 50% de suas receitas em moeda estrangeira, e são utilizadas para financiar seus programas de armas", consta do relatório.

Citando informações fornecidas por Estados-membro da ONU não identificados, os autores do documento afirmam ainda que essas mesmas receitas advindas da cibercriminalidade financiam "40% dos programas de armas de destruição em massa da RPDC".

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Hackers usam técnicas de engenharia social

Analista na Brave New Coin, uma empresa de pesquisa especializada em criptomoedas baseada em Auckland, Nova Zelândia, Aditya Das diz que o "alcance e complexidade" das atividades de um desses grupos hackers, o Lazarus, chocaram o setor. Eles são tidos como uma fachada para a equipe oficial de hackers da Coreia do Norte.

"O volume e a quantidade dos roubos de moedas virtuais associados ao Grupo Lazarus foram sem precedentes: 615 milhões de dólares (R$ 3 milhões) do Ronin Network, 100 milhões de dólares (R$ 501 milhões) do Horizon, 100 milhões de dólares (R$ 501 milhões) do Atomic Wallet", comenta Das. "Parece que eles estão de olho em todas as grandes plataformas de criptomoedas."

O analista alerta que o Lazarus, "com sua ampla rede e sua abordagem de ataques repetitivos", também parece estar mirando grupos menores e indivíduos, e explica as táticas de atuação do grupo: "O Lazarus é conhecido por suas campanhas de engenharia social e phishing, mirando funcionários de grandes organizações, enviando a eles e-mails e mensagens no LinkedIn com anexos infectados."

Foi assim, usando uma "sidechain" associada ao jogo blockchain Axie Infinity, que hackers conseguiram acessar a rede do Ronin em abril de 2022. Em uma "sidechain" desse tipo, transações podem ser realizadas sem serem detectadas. A empresa estima que os saques fraudulentos tenham chegado a quase 615 milhões de dólares.

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Vácuo legal dificulta combate à cibercriminalidade no setor cripto

A segurança do setor de criptomoedas também é prejudicada pela natureza descentralizada, livre e global desses ativos - algo que agrada aos usuários, mas que dificulta a regulamentação pelos governos.

"Se possível, seria bom se os verdadeiros criminosos fossem processados criminalmente, e não os aplicativos que eles usam", diz Das. "Mas sabemos quão bem a Coreia do Norte apaga seus rastros e nega os ataques hackers. Se não é possível processar criminalmente, a prevenção é a melhor opção, por enquanto."

A Coreia do Norte continua a apoiar financeiramente suas equipes de hackers porque eles são uma fonte de receita importante para o regime. E por isso, segundo Das, futuros ciberataques continuarão a ser bem-sucedidos.

Mas eles não representam somente um risco para empresas do ramo financeiro, alerta Park Jung-Won, professor de direito internacional na Universidade Dankook, na Coreia do Sul. Segundo ele, esses hackers testam regularmente os sistemas de segurança das autoridades sul-coreanas: bancos, empresas que mantêm contratos com os militares, e infraestruturas, como o setor de energia nuclear.

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"Estamos muito familiarizados com as atividades ilegais do Norte. O governo e os militares têm dado muito mais atenção a elas nos últimos anos e fornecido recursos adicionais para garantir a segurança do país", afirma Jung-Won.

Regulação esbarra em falta de consenso

Também a nível internacional há esforços para criar leis que regulem o setor a nível global, mas ainda há grandes obstáculos a superar até lá.

"Estamos tentando criar leis que combatam o roubo cibernético, o ciberterrorismo e outros delitos semelhantes. No entanto, é difícil chegar a padrões bem definidos, porque eles exigem o consenso de todos os Estados envolvidos", diz Park. "Atualmente, existem muitas brechas que atores maliciosos como a Coreia do Norte podem explorar."

Mesmo dentro da Coreia do Sul é difícil chegar a um acordo sobre leis contra ataques cibernéticos que ameaçam o país, pondera o professor. A pouco menos de um mês das eleições, partidos governistas e oposicionistas ainda não estariam dispostos a chegar a um acordo.

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"Sabemos que o Norte criou e treinou equipes de hackers especializadas, que são muito eficientes e que têm a única tarefa de nos atacar", alerta Park. "Precisamos responder urgentemente a esses desafios."

A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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