BRASÍLIA - O governador da Bahia, Rui Costa (PT), disse ao Estadão/Broadcast que os Estados articulam uma reunião na semana que vem com a frente parlamentar formada por senadores do Norte e Nordeste para discutir a situação do Bolsa Família.
O Estadão/Broadcast mostrou que o governo Jair Bolsonaro priorizou Sul e Sudeste na concessão de novos benefícios do programa em janeiro, em detrimento da região Nordeste, que concentra 36,8% das famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza na fila de espera do programa.
Pelos dados fornecidos pelo Ministério da Cidadania ao Congresso, o Nordeste recebeu 3% dos novos benefícios enquanto Sul e Sudeste responderam por 75% das novas concessões.
Para se ter uma ideia, apenas uma em cada 832 famílias que aguardavam o benefício no Piauí foram contempladas em janeiro. Na Bahia, o benefício foi concedido a uma em cada 323 famílias.
Em Santa Catarina, que tem população oito vezes menor que a região Nordeste inteira, as novas concessões do Bolsa Família chegaram para uma em cada oito famílias. Em Goiás e Rio Grande do Sul, uma em cada dez famílias que aguardavam na fila foram contempladas em janeiro.
Costa se disse "perplexo" com o diagnóstico da reportagem e afirmou que qualquer tentativa do governo de cortar ou prejudicar a população nordestina é "inadmissível". A região foi a única em que Fernando Haddad (PT), opositor de Bolsonaro na corrida pela Presidência em 2018, venceu as eleições. "Buscaremos uma reação do Parlamento para proteger a população contra ataques", disse o governador. Juntas, as duas regiões têm 48 dos 81 senadores, um número suficiente para aprovar grande parte das propostas legislativas na Casa.
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MP-TCU) deve ingressar com uma representação pedindo apuração dos dados do Bolsa Família. A bancada do PT no Senado também ingressou com um pedido para que a corte de contas dê início a uma auditoria. A área técnica do TCU já começou os preparativos para o trabalho.
Na Câmara, o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), com o apoio da bancada de seu partido, vai pedir a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as concessões do Bolsa Família no governo Bolsonaro. "Essa reportagem mostra a distorção e perversidade do governo para a região onde ele não teve voto", disse Valente. O partido vai começar a recolher as 171 assinaturas necessárias para a CPI, cuja abertura cabe ao presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Outro lado
Após a divulgação da reportagem, o Ministério da Cidadania, responsável pela gestão do Bolsa Família, disse em nota que o programa "tem sofrido ataques dos mais variados". "A começar por insinuações sobre corte de benefícios de pessoas que realmente precisam e agora, mais recentemente, afirmações de que o governo federal tem privilegiado as regiões Sul e Sudeste, em detrimento do Nordeste brasileiro. Uma tentativa de dividir os brasileiros", diz o comunicado.
Segundo a pasta, o programa "tem sido rigoroso tanto no critério de concessão como no combate às fraudes".
Mesmo após três pedidos de esclarecimentos específicos sobre a disparidade regional, o Ministério da Cidadania não explicou até agora as razões para o porcentual menor no Nordeste. A pasta limitou-se a dizer que a metodologia utilizada para identificar a quantidade de famílias que necessitam dos benefícios é estimada com base no Censo Demográfico de 2010.
"O cálculo mensal do número de famílias tem como referência a disponibilidade orçamentária e a estimativa de pobreza para o município. São priorizadas as cidades que apresentam menor percentual de cobertura do programa frente à estimativa de famílias em situação de pobreza", diz a nota. (Colaboraram Camila Turtelli, Daniel Weterman e Julia Lindner)