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Governo paga pensão a 52 mil filhas solteiras de ex-servidores

Documentos do Ministério da Economia mostram que uma beneficiária recebeu R$ 233,4 mil em novembro do ano passado

4 fev 2020 - 18h19
(atualizado às 18h39)

O pagamento de pensão para filhas solteiras não é exclusividade do Congresso e dos militares. No Executivo, ao menos 52 mil mulheres recebem a benesse pelo simples fato de não terem casado no papel e seus pais, todos civis, terem trabalhado para a União até 1990. Documentos do Ministério da Economia analisado pelo Estadão mostram que há uma pensionista que recebeu R$ 3 mil em dezembro passado, mas R$ 233,4 mil em novembro.

Os dados totais não são disponibilizados. As informações dos únicos dois meses só estão disponíveis por determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), em acolhimento a denúncia do site Fiquem Sabendo. Somente nos dois últimos meses do ano, o custo do benefício para o País foi de R$ 630,5 milhões.

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Questionado pela reportagem sobre valores muito acima do teto do funcionalismo - de R$ 39 mil - como nos casos em que houve pagamento superior a R$ 200 mil, o Ministério da Economia informou apenas que a folha de novembro traz a segunda parte da gratificação natalina dos servidores, aposentados e pensionistas.

Vista da Esplanada dos Ministérios, em Brasília
12/04/2017
REUTERS/Ueslei Marcelino
Vista da Esplanada dos Ministérios, em Brasília 12/04/2017 REUTERS/Ueslei Marcelino
Foto: Ueslei Marcelino / Reuters

O Estadão localizou a advogada de uma pensionista solteira que recebeu R$ 81 mil em novembro e R$ 41 mil em dezembro, mas ela disse que não comentaria o assunto. O governo não se manifestou sobre remunerações específicas, que podem conter verbas retroativas ou benefícios acumulados.

A "bolsa solteira" foi criada por uma lei de 1958, já revogada, com a justificativa de que as mulheres não poderiam se sustentar sem um pai ou um marido. O benefício também é garantido até o fim da vida às filhas solteiras de ex-parlamentares e de ex-servidores do Congresso que não se casam ou não tem emprego público.

A folha de pagamento do Legislativo tem 194 mulheres, com pensões de até R$ 35 mil por mês, como mostrou o Estado. Um aposentado do INSS, por exemplo, ganha no máximo R$ 6.101. No caso dos parlamentares, bastava ser eleito para um mandato para ter direito a herança pelo resto da vida a suas filhas solteiras.

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A lei foi revogada em 1990, mas quem adquiriu o direito continua recebendo. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), classificou a pensão como "absurdo"e afirmou que fará todos os esforços para acabar com o que batizou de "solteiragate", por ser hoje um benefício considerado escandaloso. Maia deve apresentar uma ação ao plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) para que o tema volte a ser debatido pela corte.

No Executivo, a maioria das mulheres é filha de ex-servidores ligados ao Ministério da Infraestrutura. São 19,9 mil solteiras que receberam a pensão em dezembro. A justificativa é que a pasta reuniu dezenas de órgãos federais de transporte que foram extintos ao longo dos anos. Entre eles, o antigo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), extinto em 2001, e a Rede Ferroviária Federal (RFSSA), encerrada em 1999.

Apenas em novembro, as pensões para as solteiras custaram R$ 418,1 milhões em todo o Executivo. Em dezembro, foram necessários outros R$ 212,4 milhões. A diferença se dá por conta das gratificações natalinas incluídas na folha do 11º mês. Os valores recebidos pelas mulheres podem incluir decisões judiciais e retroativos. No último mês, cada uma recebeu, em média, R$ 4.039,27.

O levantamento considerou apenas mulheres ligadas a órgãos federais civis, excluídos, portanto, Forças Armadas e Ministério da Defesa. Pensionistas de Estados extintos, como o da Guanabara, também não foram consideradas.

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TCU mudou critério

Denúncias de fraudes não são raras. Há casos em que as mulheres se casam ou constituem união estável, mas não notificam os órgãos públicos sobre a mudança no estado civil. Assim, continuam recebendo. Na Câmara, uma delas chegou a ser indiciada por estelionato e responde a inquérito no Ministério Público Federal.

O TCU, em 2016, alterou a interpretação da lei sexagenária e exigiu o cumprimento de critérios mais rígidos para manutenção dos benefícios. Passou a ser necessário comprovar que realmente dependiam da verba. Pensões acabaram suspensas administrativamente, em diversos órgãos. Insatisfeitas, as solteiras recorreram ao STF, que as desobrigou novamente de comprovar a necessidade da pensão.

O pagamento da pensão 30 anos depois da revogação da lei divide opiniões. Professor de gestão pública e auditor do Tribunal de Contas de Pernambuco, João Eudes Bezerra Filho afirma que manter um benefício criado há 62 anos é algo imoral e desconectado dos reais desafios da administração pública. "O impacto é muito negativo, não só pelo valor de milhões de reais por ano, mas também moralmente. O governo deveria ir à Justiça pedir para que STF interceda, buscando reduzir prejuízos", afirma.

Secretário-geral do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), o advogado Diego Cherulli foi responsável por uma parcela das ações que chegaram ao STF contestando a determinação do TCU. Ele reconhece que pagar pensões a filhas de ex-funcionários por elas se manterem solteiras não condiz com o atual momento do País. Por outro lado, pondera ser necessário respeitar o direito adquirido, sob pena de comprometer planejamentos pessoais e de gerar injustiças.

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"É um privilégio, de fato. Mas não podemos desconsiderar o direito adquirido e o planejamento das pessoas. A pessoa se planejou para receber, durante a vida toda, R$ 15 mil, R$ 20 mil. Entendo que, para quem já recebe, é devida a manutenção", diz.

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