O governo Lula planeja vetar um trecho do projeto de renegociação da dívida dos Estados que permite que eles abatam uma fatia de seus passivos com a União caso executem despesas originalmente de responsabilidade do governo federal, apurou o Estadão/Broadcast. Esse é um dos dispositivos inseridos pelo Congresso que impactam o resultado primário (a diferença entre a arrecadação e as despesas, fora juros) da União, efeito que o Ministério da Fazenda trabalha para evitar.
O artigo em questão permite essa amortização "extraordinária" pelo que chama de prestação de serviços de cooperação federativa. Entram nessa lista, segundo o projeto, diversos tipos de gastos, como proteção e defesa civil; segurança pública; persecução penal ao crime organizado; saúde; serviços de garantia de direitos à criança, ao adolescente, à mulher, ao idoso, à pessoa com deficiência e ao refugiado; ajuda humanitária; ciência e tecnologia; realização de obras de engenharia e de infraestrutura aeroportuária e o estabelecimento de serviços de navegação aérea.
Nesta quinta-feira, 9, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse aos jornalistas que o governo deve vetar todos os pontos do projeto de lei de renegociação da dívida dos Estados com a União que afetem o estoque desses passivos e tenham impacto na meta fiscal do Executivo federal.
O texto ainda cita serviços "outros de interesse da União", por meio de órgãos públicos, autarquias, fundações ou empresas públicas estaduais. Ou seja, o governo estadual executaria uma despesa que, em tese, seria da União, e abateria esse gasto da dívida com o governo federal. Isso afeta o resultado primário porque a União observará uma redução no seu ativo, uma vez que a dívida dos Estados junto à União é um ativo federal. A parcela seria abatida sem uma contrapartida, partindo apenas do pressuposto de que o governo federal deixaria de executar um gasto.
Essa amortização é diferente de outras formas previstas no projeto. Por exemplo, o abatimento da dívida com o repasse de empresas estatais à União. Se, por um lado, o ativo devido à União é reduzido, o governo federal ganha por outro ao incorporar um novo ativo.
Embora o projeto estabeleça condições para os Estados acessarem essa "amortização extraordinária", como prever que os serviços devem ser solicitados pela União, a equipe econômica rejeitou o instrumento.
O economista-chefe da Warren Investimentos, Felipe Salto, criticou o artigo, que, em sua avaliação, torna o projeto ainda pior para as finanças públicas. Salto é crítico da proposta desde que ela foi apresentada, quando calculou que o programa de renegociação de dívidas impactaria a Dívida Bruta do governo em 2,4 pp do PIB até 2033.
"O Estado gasta X bilhões com saúde, por exemplo. Esse gasto, supostamente, teria de ser feito pela União. Logo, a União deixaria de receber X bilhões em parcelas da dívida devidas pelos Estados em determinado prazo. É o curioso caso em que o devedor aumento o gasto e ao mesmo tempo usa o gasto a maior para amortizar a dívida", disse Salto ao Estadão/Broadcast.
Ele preferiu não dar exemplos e lembrou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) usará todo o prazo para sancionar a proposta, que precisa ser avalizada até a próxima segunda-feira, 13.
Segundo Haddad, essa recomendação de veto a Lula faz parte de um acordo "preliminar" com o Congresso sobre o pressuposto da Fazenda de fazer uma repactuação de dívidas que não afetasse o resultado primário da União.