No início deste ano, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sinalizou que a correção da faixa de isenção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) só entrará em vigor no ano que vem, pois, segundo ele, é necessário seguir o princípio da anterioridade que rege a tributação do IR. Especialistas apontam, no entanto, que o reajuste poderia ser imediato. O problema da decisão, na verdade, é o seu impacto no Orçamento, devido à diminuição de arrecadação.
"A anterioridade existe para não surpreender o contribuinte de forma negativa. Por isso, há tributos que não podem sofrer aumento de forma imediata, apenas em 90 dias ou no ano seguinte, como o Imposto de Renda", afirma Mauro Silva, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco). Dessa forma, seria possível fazer um reajuste da tabela do IR por projeto de lei, em que seria preciso esperar a aprovação, ou por medida provisória, de forma imediata.
Defasagem
A correção integral da tabela do imposto de renda é um debate antigo: a última vez que foi reajustada de forma devida, de acordo com a inflação, foi em 1995. Em 2015, no governo Dilma, houve ampliação da faixa de isenção, que passou de até R$ 1,787,77 para até R$ 1.903,98 - o mesmo teto que é aplicado hoje. Na época, o salário mínimo era R$ 788, o que significa que as pessoas que ganhavam até 2,4 vezes o salário mínimo estavam isentas. Atualmente, aqueles que ganham a partir de 1,5 salário mínimo já precisam arcar com o tributo.
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A defasagem acumulada da tabela desde 1996 é de 134,53% para o ano-calendário deste ano, aponta levantamento da Unafisco. Para 2024, a diferença é ainda maior, de 148,1%. Mais de 18 milhões de brasileiros ficariam isentos da cobrança do imposto de renda na declaração deste ano se a tabela fosse corrigida totalmente pela inflação, segundo dados da associação.
O imposto de renda deve respeitar a capacidade contributiva, de acordo com a Constituição. Por isso, Silva acredita que o reajuste não deveria ser tomado como uma renúncia fiscal, mas como cumprimento da Constituição. Para Rodrigo Helfstein, pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas, a defasagem também está relacionada com o valor do salário mínimo, que não reflete os efeitos da inflação ao longo dos anos.
Arrecadação
O problema do reajuste parece não estar relacionado ao princípio da anterioridade, mas de espaço no Orçamento, diz Luiz Eguchi, diretor de Tax da Mazars Brasil, empresa especializada em auditoria, impostos e consultoria. Para as declarações deste ano, a arrecadação prevista é de R$ 328,56 bilhões. Caso a tabela fosse corrigida integralmente pela inflação, o governo deixaria de arrecadar R$ 184,29 bilhões.
Dessa maneira, um reajuste integral da tabela poderia inviabilizar as metas fiscais e as execuções previstas no Orçamento, afirma Helfstein. "Caso houvesse a correção, teria que compensar a perda de arrecadação de alguma forma para seguir com o plano orçamentário. Não conseguiríamos cobrir o déficit e as metas fiscais", explica o pesquisador.
Eguchi avalia que o governo parece estar com as mãos atadas. "Em termos legais, o reajuste é possível, mas tem a trava do orçamento, que não tem a ver em si com a parte tributária", afirma.
Alternativas
Helfstein e Eguchi sugerem que o assunto seja discutido em uma reforma tributária mais ampla, e não de forma isolada. Nesse momento, o pesquisador da FGV considera que um reajuste integral da tabela traria desequilíbrio das contas. De forma mais imediata, o pesquisador propõe um meio termo, com a utilização de um índice inflacionário mais recente, como do ano passado ou dos dois últimos anos, aliado a um reajuste do salário mínimo mais compatível com a inflação.
Silva também concorda que o mínimo seria ajustar a tabela com a inflação do ano passado. Para ele, uma das alternativas para compensação seria a volta da tributação da distribuição de lucros e dividendos, em regras mais rígidas que impeçam a pejotização, ou seja, dificultem que gerentes e diretores com altos salários abram micro empresas para ganharem seus pagamentos. Além disso, ele indica rever as isenções para investimentos internacionais, sem que o Brasil perca a competitividade.