Durante o final dos anos 90 e início da primeira década dos anos 2000, milhares de lojas de R$ 1,99 espalhadas no Brasil chamavam a atenção do consumidor com suas faixas e cartazes com preços atrativos.
Com o passar do tempo, esses estabelecimentos foram diminuindo consideravelmente a participação no comércio de rua a ponto que nos dias atuais são raras – ou inexistentes – as lojas abertas que comercializem produtos nessa faixa de preço.
Nascida com o propósito de vender tudo por até R$ 1,99, essa lojas aos poucos foram se transformando em lojas comuns de varejo. Algumas foram substituídas por lojas de R$ 10 ou R$ 20. Em outras, as lojas mantiveram os nomes de R$ 1,99, mas os produtos na prateleira passaram a ser vendidos por preços que, em alguns casos, chegam a R$ 100.
Macroeconomicamente existem duas – talvez três – explicações para o fim das lojas de R$ 1,99. Economistas ouvidos pelo Terra apontam que o sumiço dessas lojas dos principais pontos de venda do País tem relação direta com o câmbio, a inflação e também, em certa medida, a concorrência dos produtos importados, sobretudo da China com a venda no Brasil por empresas como Shein, Shopee e Aliexpress.
- Câmbio: É a troca da moeda de um país pela de outro. No Brasil, a taxa de câmbio é praticamente sinônimo de preço do dólar em reais. É frente ao dólar que se monitoram as oscilações da moeda brasileira, se ela está valorizada ou não. Atualmente, o dólar varia dias abaixo e outros acima de R$ 5.
- Inflação: É o aumento geral dos preços de bens e serviços. Quando o nível geral de preços aumenta, cada unidade de moeda compra menos bens e serviços. Ou seja, implica na diminuição do poder de compra da moeda. A inflação oficial do Brasil fechou 2023 a 4,62%.
“O grande boom das lojas de R$ 1,99 se deu quando trabalhávamos com um câmbio de R$ 1 para US$ 1. É nesse momento que surge essa profusão de lojas, dado que todo o portfólio de venda era importado e o custo era viável. Hoje, com a desvalorização do real frente ao dólar-americano, R$ 2 significam, grosso modo, R$ 10. Então, o desaparecimento desse perfil de loja está diretamente ligado a essa desvalorização cambial”, explica o economista João Rogério Filho.
Otto Nogami, economista e professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), diz que além do câmbio, a inflação alta também foi responsável pelo desaparecimento das lojas de R$ 1,99. Ele cita que a inflação de dois dígitos durante o governo de Dilma Rousseff (PT) decretou o fim de vez do modelo. Na época, algumas lojas mudaram seus nomes para "a partir de R$ 1,99" ou "quase tudo por R$ 1,99", permitindo a venda de produtos com preços mais altos.
“A inflação alta foi um dos fatores que contribuíram para o declínio do modelo de negócios das lojas de R$ 1,99. Com o aumento da inflação, o poder de compra do real diminuiu, afetando diretamente o modelo de negócios dessas lojas, que se baseavam em oferecer produtos a preços extremamente baixos. Isso dificultou a manutenção de um amplo estoque de produtos a preços tão acessíveis, o que era o principal atrativo dessas lojas”, contextualiza Otto Nogami.
Popularidade das lojas de R$ 1,99
As lojas 1,99 apareceram após a estabilidade econômica do Plano Real. Inicialmente eram conhecidas como lojas tudo por R$ 1,99 e significavam produtos de baixa qualidade. Posteriormente, se espalharam pelo Brasil atraindo consumidores de todas as faixas de renda. Com a variação da moeda e o processo inflacionário, as lojas adotaram o slogan a partir de R$ 1,99.
O modelo de negócios se tornou popular no Brasil por oferecer uma grande variedade de produtos, incluindo utensílios domésticos, artigos de papelaria, brinquedos, eletrônicos, ferramentas, alimentos, e muitos outros itens a preços acessíveis. Eram locais convenientes para consumidores que buscavam itens de uso diário a preços baixos.
Para o economista João Rogério Filho, fixar preços em nome de lojas, como "Lojas de R$ 1,99", "Lojas Tudo por R$ 10" ou "Lojas Top R$ 20", não é a melhor estratégia a longo prazo. “Criar uma marca com base num preço é sempre perigoso. Se o negócio for baseado em produtos nacionais, o risco é a inflação. Se for em produtos importados, o negócio fica à mercê do dólar. Então, não me parece ser a estratégia mais razoável a longo prazo criar uma marca em torno de um preço”, opina.
Otto Nogami afirma que pode ser economicamente viável em certas condições, mas também apresenta desafios. A viabilidade depende de fatores como a capacidade de manter baixos custos operacionais, de adquirir produtos a preços muito reduzidos e de gerar um volume de vendas suficiente para compensar as margens de lucro mais baixas.
“Esse modelo de negócios é sensível a variações econômicas, como inflação ou desvalorização da moeda, que podem rapidamente tornar inviável manter os preços fixos anunciados. Portanto, enquanto essas lojas podem atrair clientes com a promessa de preços baixos, elas devem estar preparadas para se adaptar a mudanças no ambiente econômico”, conclui.