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Liberalização comercial do acordo Mercosul-UE não é neutra, tem setores ganhadores e perdedores

De forma geral, parceria é muito positiva para ambos os lados: para a UE significa recuperar terreno perdido para a China; para o Mercosul, representa ganhar poder de barganha diante dos países desenvolvidos

6 dez 2024 - 18h25
(atualizado às 20h58)
Presidentes do bloco do Mercosul ao lado da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen
Presidentes do bloco do Mercosul ao lado da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen
Foto: Ricardo Stuckert

Mercosul e União Europeia anunciaram a conclusão das negociações do acordo de parceria entre o Mercosul e a União Europeia. Acordos são assinados por líderes de governo e, portanto, são decisões políticas. Ao mesmo tempo acordos comerciais e econômicos trazem impactos para as economias e, como a liberalização comercial não é neutra, tem setores ganhadores e perdedores.

No campo político, os próprios líderes do Mercosul e da União Europeia ressaltaram a importância desse acordo num mundo onde políticas protecionistas e riscos de crescente fragmentação das cadeias de produção tendem a se intensificar. Não precisam citar a origem do aumento do grau de risco, as declarações do futuro presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não deixam margem para dúvidas quanto as suas intenções.

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Além de ameaçar elevação geral das tarifas de importações, a probabilidade de acirramento das tensões com a China, une países/blocos que apostam na multipolaridade e no funcionamento dos organismos multilaterais para a estabilidade da ordem política e econômica. Nem a União Europeia nem o Mercosul gostariam de ser obrigados a escolherem entre uma lealdade irrestrita aos Estados Unidos ou a China.

Para a União Europeia, a defesa de uma ordem multipolar é parte até da sobrevivência da importância do bloco na definição das diretrizes para o ordenamento internacional. Para o Mercosul, regras multilaterais são essenciais para países que não têm poder de barganha em relação a grandes economias. Além disso, para o Brasil, em especial, ao fechar esse acordo afasta críticas de que estaria numa postura anti-ocidente por pertencer aos Brics.

A motivação europeia não se resume aos temas políticos. Na América do Sul, o bloco já tem acordos de livre comércio com o Chile, Peru e Colômbia. Um acordo que inclui as duas maiores economias da região (Brasil e Argentina), onde a presença de multinacionais europeias faz parte do cenário econômico, é do interesse dos setores industriais europeus. O crescente papel da China na região não só no comércio, mas também como investidora acende um sinal de alerta para a contínua queda na participação do bloco no comércio da região. No caso do Brasil, a participação da União Europeia passou de 24,6% para 13,6% e de 25,4% para 18,9% nas exportações e importações brasileiras, respectivamente.

Para o Brasil, a percepção sempre foi que avanços na liberalização do comércio agrícola só ocorreriam na Organização Mundial do Comércio. Com a paralisação das negociações multilaterais ganhou força a ideia de que era preferível negociar garantias de mais acesso a mercados nos países europeus, mesmo que isso acarretasse aceitar cotas, proibidas na OMC. Além disso, o acordo assegura um ambiente institucional de maior transparência e evita imposição de medidas unilaterais, como fitossanitárias, sem consultas.

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É no campo industrial, no entanto, que poderiam ser identificados setores perdedores. Mas é preciso considerar alguns pontos. Primeiro, o acordo não liberaliza o comércio de forma imediata. Os cronogramas de desgravação tarifária variam conforme o setor. Um exemplo, o Mercosul incorporou na revisão do acordo, que para veículos eletrificados, a desgravação passará a se dar em 18 anos, para veículos a hidrogênio o período será de 25 anos, com 6 anos de carência e para novas tecnologias, 30 anos, com 6 anos de carência. Antes o prazo máximo do acordo era de 15 anos.

Segundo, acesso a bens intermediários e bens de capital com tarifas reduzidas e/ou zeradas diminui o custo de produção e contribui para melhoria da produtividade da indústria. É correto argumentar que a liberalização sozinha não garante o resultado positivo, mas não há provas que só proteger sem outros instrumentos tenham efeito positivo. Basta lembrar a reserva de mercado de informática dos anos de 1980. O acordo é, portanto, uma oportunidade, para que se estimulem práticas que busquem maior eficiência dos setores. Parcerias com empresas europeias, acordos de cooperação tecnológica são bem-vindos.

Não é possível estimar o quanto de investimento europeu ou de outros países, que querem assegurar o mercado da região, irá aumentar. Crescimento econômico, câmbio, estratégias das multinacionais, ambiente político, entre outros influenciam decisões de investir. O acordo contribui positivamente, mas não é o único fator que irá influenciar as decisões de investimento.

Por último, o acordo sinaliza pontos positivos. O acordo é amplo engloba serviços, temas de desenvolvimento sustentável, pequenas empresas que criam um arcabouço institucional nas relações entre os dois blocos. Entre os dois blocos é importante repetir, pois sob esse aspecto o acordo incentiva e pressupõe um Mercosul estável e com aumento no seu grau de integração. É o primeiro acordo de caráter amplo e com uma região de economias desenvolvidas realizado pelo Mercosul. Para o Mercosul e, em especial, para o Brasil, indica que a integração com os mercados é compatível com a estratégia de fortalecimento da indústria do País.

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* Professora da UERJ, pesquisadora associada FGV/Ibre e senior fellow do Cebri

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