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Menos carne, mais ovo: crise cria novos hábitos na Itália

Novas tendências de consumo privilegiam custos menores e mais eficiência

5 mai 2014 - 09h10
(atualizado às 09h19)
<p>Produtos tradicionais à mesa como azeite extravirgem e vinho tiveram queda de 6% no ano passado, enquanto as vendas de macarrão e frango seguem quase inalteradas</p>
Produtos tradicionais à mesa como azeite extravirgem e vinho tiveram queda de 6% no ano passado, enquanto as vendas de macarrão e frango seguem quase inalteradas
Foto: Reprodução

A crise econômica está modificando os hábitos dos italianos em diversos aspectos do cotidiano - desde a mesa à moda - com o surgimento de novas tendências de consumo que privilegiam custos menores e mais eficiência. A produção de alimentos também está mudando em alguns lugares, com o surgimento de "agricultores 2.0", que usam a tecnologia para vender sua colheita de forma independente.

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Pesquisas mostram também que os italianos estão mais propensos a participar de 'carsharing' - dividir o carro entre várias pessoas. No mundo da moda, muitos italianos recorrem ao 'restyling' - o uso criativo de roupas de segunda mão, para poupar dinheiro com artigos novos e mais caros.

Menos carne, mais ovo

As compras de alimentos e bebidas diminuíram mais de 12% desde o início da recessão. Produtos tradicionais à mesa como azeite extravirgem e vinho tiveram queda de 6% no ano passado, enquanto as vendas de macarrão e frango seguem quase inalteradas.

"A crise tem causado um efeito de substituição dos produtos adquiridos, como por exemplo, a redução do consumo de carne e de peixe e o aumento na venda de ovos, fonte de proteína mais em conta", disse à BBC Brasil o responsável do setor econômico da organização de empresários agrícolas Coldiretti, Lorenzo Bazzana.

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Uma das soluções adotadas pelos italianos para economizar é ir às compras com maior frequência. "Os consumidores evitam encher a despensa ou a geladeira para não correrem o risco de desperdiçarem alimentos que não sejam consumidos dentro do prazo de validade", disse Bazzana.

"Outra tendência é a procura por supermercados 'hard discount' (que oferecem grandes descontos) e por canais de comercialização que diminuam a quantidade de intermediários entre produtor e consumidor", afirmou.

Novas tendências

Mas as mudanças não se restringem à mesa. Segundo o sociólogo de consumo e professor da Universidade IULM de Milão, Nello Barile, a redução do poder aquisitivo da classe média italiana está contribuindo para se repensar os fundamentos da vida coletiva e o surgimento de um novo modelo de desenvolvimento.

"A recessão atual inaugura uma nova relação com o dinheiro, com a classe alta cada vez mais rica e com demandas de luxo e ostentação cada vez menos justificáveis, e a classe média empobrecida, que deve contentar-se com as marcas globais que chegam a todos graças ao barateamento dos preços. No meio disto, existem as táticas para resistir à crise, que impulsionam práticas ligadas à sustentabilidade e ao consumo ético e consciente", afirmou Barile em entrevista à BBC Brasil.

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Entre as tendências apontadas pelo sociólogo estão os GAS ("Gruppi di Acquisti Solidale", ou grupos unidos de consumo), onde pessoas se reúnem para comprar grandes quantidades de alimentos e mercadorias diretamente de quem as produz.

A modalidade mais comum é a entrega semanal, em um único endereço, de produtos cultivados ou fabricados no próprio território e de modo sustentável, como frutas, verduras, laticínios, pães, azeite, vinho, carne, macarrão fresco e até cosméticos e produtos de limpeza. Algumas associações organizam inclusive a "adoção" em grupo de animais ou árvores frutíferas.

De acordo com uma pesquisa do instituto Coldiretti/Censis, o fenômeno de compras conjuntas atingia em 2012 mais de 18% dos italianos.

Quero uma casa no campo

Com uma sólida tradição agrícola e agroalimentar, e principalmente com uma taxa de desemprego de 42% entre os jovens, a Itália vê aumentar o interesse das novas gerações pela vida no campo. De acordo com um levantamento feito pela Coldiretti no ano passado, 38% deles prefeririam administrar uma atividade de agroturismo do que trabalhar em uma multinacional.

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A propensão é confirmada pela Confederação Italiana de Agricultores, segundo a qual o número de trabalhadores rurais com menos de 35 anos de idade aumentou 5% no ano passado. "Muitos estão abandonando a ideia de ter um emprego com salário de mil euros por mês, em cidades onde o custo de vida é elevado, e estão retornando à terra de origem dos pais para cultivar o pequeno terreno de família e criar um novo estilo de vida", disse Barile.

Mas não se trata de um retorno ao passado, quando a vida no campo era vista como culturalmente atrasada em comparação à cidade. "Os chamados agricultores 2.0 contam com a tecnologia para administrar de modo independente a relação terra-produtor-consumidor", afirmou o sociólogo.

Agricultores 2.0

É o caso de Paolo Rotoli, que há quatro anos deixou a sua empresa de informática para dedicar-se ao sonho de criança de produzir queijos. "Comecei com quatro cabras, consultando receitas na internet e copiando o que os outros faziam. A primeira produção foi um desastre, tive que refazer várias vezes até aprender as técnicas antigas", disse o agricultor à BBC Brasil.

Localizada em Bergamasco, na Lombardia, a atividade de Rotoli conta com a produção de diversos tipos de laticínios, derivados de carne suína, além de um restaurante. "O conhecimento informático me ajudou a ter uma visão global da administração do negócio, a criar um site, a apresentar nossos produtos e a gerir a comunicação nas redes sociais", disse.

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Outro jovem defensor da tecnologia e das redes sociais na atividade rural é Paolo Guglielmi, que há cinco anos abandonou a faculdade de economia em Roma, onde viveu até os 22 anos, para dedicar-se ao terreno agrícola dos avós, na província de Ancona.

"Nossas encomendas são feitas apenas por e-mail. Todas as semanas enviamos aos nossos clientes uma planilha de Excel com a lista das frutas e verduras disponíveis e eles nos devolvem preenchido com os seus pedidos", contou o agricultor à BBC Brasil, pelo celular, enquanto fazia entregas aos mercados de sua região.

Além da produção hortifrutífera, a fazenda da família Guglielmi abriga hoje uma colônia de férias para crianças, que aprendem a preparar adubo, a plantar e a colher, e organiza atividades para jovens com deficiência. "Usamos as redes sociais para divulgar nossos eventos. Minha avó nunca imaginou que tantas pessoas pudessem ter interesse pelo nosso trabalho", afirmou o jovem, que se declara "feliz em fazer o que gosta".

Mobilidade

Com a recessão econômica, a paixão dos italianos pelo automóvel parece ter ido para os boxes. Entre 2008 e 2013, as vendas de carros novos diminuíram 55%, segundo a Confederação Italiana dos Exercícios Comerciais (Confesercente). No mesmo período, o preço da gasolina subiu 23%.

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"A crise automobilística é irremediável. O sistema de 'carsharing' e os grupos de carona organizados nas redes sociais estão criando um novo conceito de mobilidade nas cidades. Não é apenas uma questão ecológica, mas principalmente econômica. As pessoas não estão mais dispostas a gastarem tanto para manterem um carro", afirmou o sociólogo Barile.

A tendência é confirmada por uma recente pesquisa onde 71% dos italianos disseram-se propensos a utilizar o sistema de aluguel de carros por hora. Apenas em Milão, 100 mil pessoas estão inscritas a um destes serviços. O sistema está presente em pelo menos outras dez cidades do país, inclusive na capital. A simplificação na modalidade de inscrição e a possibilidade de utilizar "apps" e "smarphones" para localizar o veículo, fazer reservas e acionar o automóvel devem facilitar a adesão de novos clientes.

'Restyling'

Mesmo com a crise, os italianos não renunciam aos cuidados com a aparência. Apesar das vendas de roupas e calçados terem diminuído quase 15% nos últimos cinco anos, as despesas com salões de beleza, cabelereiro e produtos de higiene pessoal e beleza cresceram 5% no mesmo período.

E se a compra de roupas novas diminui, cresce a procura por costureiras que fazem consertos e sapateiros. "O 'restyling' de roupas de segunda-mão feito de modo criativo e personalizado também faz parte do consumo ético e, portanto, tende a crescer", afimou Barile, que é autor, entre outras obras, de um livro sobre o "sistema moda".

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