O acordo com a União Europeia fechado este mês depois de 25 anos de negociações, aliado à expectativa de um mundo mais fechado ao comércio com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, criam "momentum" para que o Mercosul possa concluir novos acordos comerciais, ampliar tratados existentes a abrir novas negociações, avaliam fontes ouvidas pela Reuters.
O bloco tem hoje oito negociações em andamento concentradas especialmente em países asiáticos, mas estão na lista ainda Canadá, Emirados Árabes Unidos e o grupo europeu Efta, formado por Noruega, Suíça, Islândia e Liechtenstein.
"Sem dúvida é um bom momento para o bloco avançar em outras negociações. Alguns países já nos procuraram interessados em ampliar negociações", disse uma das fontes.
Para o próximo ano, o Mercosul deve fechar as negociações com o Efta e com os Emirados Árabes Unidos, segundo as fontes.
"Um acordo de livre comércio entre o Mercosul e o Efta é de alta prioridade para a Noruega, e eu espero ver as negociações concluídas o mais rapidamente possível", afirmou a ministra de Comércio e Indústria da Noruega, Cecilie Myrseth, em uma mensagem à Reuters.
"Com a conclusão das negociações entre a UE e o Mercosul, deverá ser possível para o Efta e o Mercosul chegar a um acordo em pouco tempo nos temas que ainda estão pendentes", completou.
Em nota enviada à Reuters, o ministro de Comércio Exterior dos Emirados, Thani Al Zeyoudi, afirmu que o país está otimista com o progresso das negociações e espera que o acordo com o Mercosul possa ser concluído em breve, possivelmente no próximo ano.
"Um acordo desse tipo iria trazer oportunidades significativas para empresas e pessoas no Oriente Médio e na América Latina, fortalecendo nossos objetivos compartilhados de crescimento econômico e prosperidade", disse o ministro. "Estamos entusiasmados com o benefício potencial que esse acordo pode trazer para setores chave nos dois lados."
Entre os outros países com os quais o Mercosul negocia, um acordo com Cingapura, concluído este ano, deve entrar em vigor em 2025, depois do período de tradução e aprovação pelos Congressos nacionais.
Um dos casos que o Brasil vê oportunidade de ampliar a parceria é o México. O país tem um Acordo de Complementação Econômica (ACE) com o Mercosul que inclui 800 produtos, além de um pacto sobre o setor automotivo. O ACE, assinado em 2002 e atualizado periodicamente, seria uma fase anterior a um acordo de livre comércio, mas nunca avançou. Agora, o governo mexicano teria procurado o Brasil para iniciar conversas sobre a possível expansão do ACE, segundo uma das fontes.
Vizinho dos EUA e um dos sócios do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), o país está sob ameaça de enfrentar a imposição de tarifas pelos novo governo norte-americano de Trump.
Apesar do México esperar uma revisão bem-sucedida do acordo em 2026, fontes do governo mexicano confirmam que o país também começou a explorar outras opções, como aprofundar os lados com o Mercosul.
"Em um mundo cada vez mais dividido, onde o protecionismo ganha força, a presidente Claudia Sheinbaum quer um México mais integrado, que possa enfrentar o que está por vir", disse uma das fontes. "Então a tarefa é diversificar investimentos, comércio e relações como um todo."
A Presidência do México e o Ministério da Economia do país não responderam a pedidos de comentário.
A mesma ameaça foi feita ao Canadá, com quem o Mercosul vem negociando também um acordo comercial. A expectativa dos negociadores brasileiros é que as ameaças ao Nafta também estimule os canadenses a acelerar as negociações, mas um diplomata canadense disse à Reuters não esperar muitas mudanças.
"Vamos estar tão ocupados com Trump que nossos negociadores não terão tempo de negociar com o Mercosul", afirmou.
Um porta-voz do Ministério de Assuntos Globais do Canadá disse que a última rodada de negociações com o Mercosul foi realizada em 2019 e "não há outras rodadas agendadas atualmente".
Negociações oficiais também estão em andamento com Coreia do Sul, Vietnã, Indonésia e Líbano, e a intenção é abrir novas frentes. "Tem outros parceiros que queremos conversar, especialmente nas economias asiáticas", contou uma das fontes.
A Reuters procurou os governo dos quatro países, mas não obteve resposta.
Apesar de ser cedo para dizer se Trump irá de fato espalhar tarifas comerciais pelo mundo, diversos países decidiram não esperar para ver, e é essa a oportunidade que o Mercosul está vendo. O próprio acordo entre Mercosul-União Europeia, que era visto com ceticismo, foi fechado com um olho dos europeus em um mundo ainda mais fechado comercialmente.
"Há uma discussão geopolítica importante acontecendo na Europa nesse momento, que envolve um debate sobre o futuro da União Europeia, o receio de estar ficando para trás em termos de tecnologia, dinamismo econômico, poder militar. A eleição de Donald Trump, que eles já temiam, acelerou essa preocupação", contou à Reuters um diplomata brasileiro envolvido nos debates. "O acordo surgiu como algo necessário para dar um fôlego. em termos comerciais e de alianças geopolíticas", completou.
DISPUTAS INTERNAS
Dentro do próprio Mercosul há disputas sobre fazer mais ou menos acordos. Acusada de atravancar o acordo Mercosul-UE por muito tempo, a Argentina, sob a Presidência de Javier Milei, agora quer fazer acordos por fora do bloco e ameaça sair do Mercosul se o grupo não concordar com novas alianças -- especialmente com os Estados Unidos.
Na semana passada, em discurso em Montevidéu, o presidente argentino anunciou sua intenção para 2025, à revelia do Mercosul -- cujas regras proíbem acordos unilaterais de seus membros. Milei chamou o bloco de "prisão".
Uma das fontes brasileiras ouvidas pela Reuters diz que o Brasil estaria disposto a buscar um acordo comercial com os Estados Unidos dentro do Mercosul, mas foi cética: "Não acredito que eles (os norte-americanos) vão querer."
Entre os outros membros do Mercosul, o Uruguai, sob o comando de Lacalle Pou, também cobrou a liberdade de buscar negociações fora do bloco, mas não foi adiante após receber a promessa de que o acordo com a UE seria fechado. Pou deixa o governo em março, e o novo presidente, Yamandú Orsi, é um defensor do bloco. Já o Paraguai defende novos acordos mas não a ponto de fazer ameaças.
Fontes ouvidas pela Reuters dentre os diplomatas brasileiros garantem que o país está sim aberto a novos acordos, mas admitem que não é sempre simples.
"O Brasil sempre esteve disposto a fazer acordos comerciais. Muitas vezes nos acusam de não querer, mas não é verdade. É um processo complexo, o Brasil é uma potência agrícola, nem todos os países estão dispostos, as negociações são complexas", afirmou um dos diplomatas.