George dos Santos tinha quase 20 anos e nenhuma perspectiva de emprego ou estudo ao sair do quartel. Já sabia de cor as ruas de Nova Iguaçu, cidade da Baixada Fluminense, de tanto que as percorrera em busca de trabalho, mas, apenas com o diploma do ensino médio, nada conseguira. Agora a situação estava um pouco pior: pedira R$ 1 mil emprestados a um amigo para iniciar um negócio próprio, uma venda de frango assado no bairro. Teria de pagar R$ 1,3 mil - juros de 30%- e não via o negócio prosperar.
Do mesmo amigo ouviu o conselho que mudou sua vida e, hoje, nove anos e meio depois, faz do rapaz uma espécie de "rei do frango" no Complexo da Maré, zona norte do Rio: "Rapaz, escolheu o lugar errado. Lugar bom de fazer negócio é na favela".
Favela no Rio não faltava, e George escolheu o Complexo da Maré, ao lado da avenida Brasil, a meio caminho entre a Baixada e o Centro. Andando a esmo, sem conhecer ninguém, puxou papo com uma moradora antiga, que deixou que ele usasse um pedacinho da casa dela para colocar a máquina de assar frango e instalasse na calçada a carrocinha de entrega.
Na Vila do João, o negócio ganhou nome, Frango Assado da Vila, e prosperou embalado pelo aumento do emprego e da renda dos mais pobres. A quentinha custava R$ 5,99, incluindo o frango assado, as batatas coradas no açafrão e a farofa.
"Vi que o pessoal da Maré, na volta do trabalho, queria e podia comprar uma comida de qualidade e preço razoável, que servisse para o jantar e sobrasse para a quentinha do dia seguinte", resume George, que, nove anos depois, vende cerca de 1,7 mil frangos por semana, a R$ 12 a quentinha.
O rapaz com diploma do ensino médio investiu a alma no negócio: trouxe a mãe, a camelô Ana Maria dos Santos, de 54 anos, para comandar a cozinha, e a irmã, Ester, que agregou ao empreendimento outro produto, os caldos, vendidos a partir de R$ 5. Quatro funcionários ajudam a tocar o Frango Assado da Vila.
Neste ano, George investiu R$ 50 mil para comprar o ponto e reformar o lugar. Quer colocar mesinhas, de olho no que os especialistas em marketing chamam de "experiência do cliente" e "parcerias estratégicas": "É para o pessoal poder sentar, ficar mais confortável, beliscar alguma coisa aqui e tomar cervejinha do trailer do vizinho, já que a gente não trabalha com bebida".
Empreendedorismo
O sucesso de George pode ser atribuído, em parte, a dois fenômenos. Por um lado, com 136 mil habitantes distribuídos em 16 comunidades (segundo o censo de 2010), a Maré retrata bem a expansão do poder de compra das camadas populares brasileiras.
Segundo o Instituto Data Popular, que acompanha as mudanças no mercado consumidor na base da pirâmide social, moradores de favelas brasileiras gastarão, só neste ano, US$ 19,5 bilhões. Os dados resultam de um levantamento feito em setembro em 63 comunidades de todo o país.
Existe um forte mercado consumidor em potencial, mas também um elevado grau de empreendedorismo. Números do Data Popular sugerem que o morador da favela é mais empreendedor que o conjunto da população brasileira. Segundo o instituto, em 2015, 42% dos moradores de favelas disseram ter vontade de ter seu próprio negócio, proporção maior que os 28% de 2013. Entre os brasileiros em geral, 31% querem ser empreendedores; em 2013, eram 23%.
O diretor do Data Popular, Renato Meirelles, diz que entre os motivos da maior vocação empreendedora do jovem de favela estão o desencanto com a escola e a necessidade financeira, mas também a certeza de que ter seu próprio negócio é uma maneira de se tornar protagonista da própria vida.
"O empreendedorismo é um valor entre os jovens mais pobres, porque eles já sofrem toda sorte de preconceitos. Os exemplos que eles têm de pessoas bem-sucedidas na favela não vêm do emprego formal, vêm de empreendedores", analisa Meirelles, que é autor de , escrito em parceria com Celso Athayde, fundador da Cufa (Central Única de Favelas), e apresentou mês passado numa sessão na ONU o resultado do trabalho.
Rei do macarrão
O exemplo e o apoio da mãe foram decisivos para o sucesso de Thiago Rodrigues, criado vendendo salgadinhos e marmitas na Baixa do Sapateiro, outra comunidade da Maré.
Em 2006, com 24 anos, só com o diploma do ensino médio, foi demitido do emprego de servente noturno de obras num shopping da zona sul. Com o dinheiro da rescisão e a poupança da mãe, somou cerca de R$ 5 mil para montar um trailer de venda de comida, com pratos à base de macarrão. Coisas caseiras e que ela sabia fazer bem, como macarrão com salsicha ou carne moída.
Experiente no trabalho de atravessar a avenida Brasil para vender comida, Thiago pensou numa embalagem que facilitasse o transporte: inspirado numa marca de venda de comida chinesa, criou caixinhas de papelão para suas massas, cuja fama se espalhou pela Maré e pelos bairros vizinhos.
Graças a um empréstimo bancário de R$ 50 mil, conseguiu comprar em 2012 seu ponto na Maré e abriu no ano seguinte, em sociedade com o cunhado, Felipe Alves, uma filial do Point do Macarrão na Ilha do Governador, zona norte do Rio.
O irmão mais novo, Henrique, de 27 anos, cuida do restaurante da Maré, enquanto Thiago se concentra na unidade da Ilha, que se transformou em seu centro de produção: lá, todos os produtos são lavados, cortados e divididos nas porções exatas.
Depois, abastecem as duas unidades, que têm mesas e fazem entregas, vendendo tanto pelo telefone quanto online. Os pratos de 600 g custam a partir de R$ 14. Segundo Thiago, que tem hoje 25 funcionários, o faturamento mensal dos dois restaurantes é de aproximadamente R$ 80 mil.
Sem pensar em descanso, o rei do macarrão tem dois sonhos agora: criar uma rede de franquias e voltar aos estudos. Thiago fez alguns cursos de gastronomia e gestão, mas acabou abandonando para cuidar do negócio. Agora insiste para o que o irmão Henrique entre na faculdade.
A mãe, Elizabeth Rodrigues, segue no comando da cozinha e inventou a receita do croquete de cordeiro, com o qual o Point do Macarrão disputa o festival gastronômico Comida de Favela, que acontece pela primeira vez na Maré neste ano - e termina hoje.
Dezesseis estabelecimentos das comunidades da Maré participam - o Frango Assado da Vila também concorre. Os visitantes são convidados a votar para escolher os melhores pratos. Os primeiros colocados recebem prêmios em dinheiro.
Planejar é preciso
Gastronomia e cultura, além da área chamada de economia criativa - guarda-chuva que abraça tudo que tem o conhecimento como principal matéria-prima e envolve negócios que vão desde moda até tecnologia -, são os grandes atrativos para os jovens que querem se tornar empreendedores.
Cheios de projetos e sem saber como executá-los, eles chegam à Agência de Redes para a Juventude, organização ligada à ONG Avenida Brasil, que aposta em cultura e empreendedorismo para transformar os jovens de comunidades populares em protagonistas de suas próprias histórias.
Graças a parcerias com a Prefeitura do Rio, o Sebrae e universidades, a Agência financia projetos de jovens de áreas pobres do Rio. Uma banca analisa os projetos e decide quais serão aprovados para receber financiamentos a partir de R$ 5 mil.
Larissa Helena Brito, de 19 anos, moradora da zona oeste do Rio, entrou para a Agência e desenvolve desde 2012 o projeto de uma grife de camisetas com desenhos valorizando as comunidades do Batan e Fumacê, onde vive, e frases usadas pelos jovens.
Ganhou o financiamento e toca o negócio junto com quatro amigos. Compra as camisetas do fabricante por R$ 16, já com o desenho encomendado por ela, e vende por R$ 25 em feiras e eventos.
O Charme Favela, nome de sua grife, foi um dos projetos selecionados pela Prefeitura do Rio com financiamento de R$ 29 mil e prepara agora sua terceira coleção de camisetas, Raiz Negra. Larissa, aluna do terceiro ano do ensino médio, sonha em levar adiante o projeto junto com a faculdade de administração.
Segundo Carla Panisset, coordenadora de Desenvolvimento do Empreendedorismo em Comunidades Pacificadas do Sebrae-RJ, o empreendedor típico de favelas é a mulher negra, na faixa de 40 anos, mas o jovem também é foco da atenção do Sebrae.
"O jovem é o cerne da questão do território, como chamamos hoje. Na questão da violência, quem mais morre é o jovem. Esse jovem de favela tem menor frequência à escola e quer coisas muito diferentes com as quais os pais deles sonhavam", afirma ela.
A especialista diz que, até pela necessidade de ajudar em casa, o jovem de favela é mais empreendedor que o do asfalto, e seu grande desafio é capacitar-se para tocar o negócio. E resume em quatro as dicas iniciais para o jovem - de favela ou de qualquer outra área - que quer se tornar empreendedor:
- PLANEJAR - É preciso fazer um plano de negócios, definindo bem o que quer fazer e que tipo de negócio terá. A partir daí, é preciso definir o cliente daquela empresa, ou seja, o tipo de público: será o público geral, será para jovens, será para o público da própria favela ou não? E listar também possíveis fornecedores, onde você irá buscar os insumos que utilizará no negócio.
- BUSCAR CRÉDITO PRODUTIVO – Se precisar de um empréstimo, a dica é buscar o crédito em bancos, serviços e agências de fomento especializadas e voltadas para pequenos empreendedores. Esses serviços podem oferecer crédito sem os juros altos cobrados pelos financiadores tradicionais.
- FORMALIZAR A EMPRESA – criar uma empresa ou se transformar em MEI (microempreendedor individual) permite que o empreendimento ganhe vários benefícios fiscais, como o direito de pagar menos imposto, emitir nota fiscal e comprar no atacado.
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ESTUDAR – O sucesso do seu empreendimento está diretamente ligado ao nível de informação que você possui sobre aquele negócio. Portanto, é preciso estudar, tanto concluindo o ensino formal, para quem não o tem, como buscando cursos de qualificação na área em que o empreendedor resolveu investir energia, tempo e dinheiro.