Quem passa em frente à sede da Bromélia Filmes, em Campinas, não imagina que ali fica o ninho de uma galinha dos ovos de ouro. Foi neste imóvel que nasceu a Galinha Pintadinha, um dos personagens infantis de maior sucesso no Brasil atualmente. Aliás, outra coisa que pouca gente sabe é que o personagem quase ficou esquecido em uma gaveta. Como ocorre com muitas pequenas empresas, as adversidades chegaram até a desanimar o administrador Juliano Prado e o publicitário Marcos Luporini, criadores do projeto. Na dúvida, sem saber se estavam sendo persistentes ou teimosos, os dois decidiram ir adiante e a Galinha Pintadinha acabou se tornando um fenômeno de popularidade.
Apesar de todo o sucesso, eles ainda são donos de uma pequena empresa, com poucos funcionários. Tranquilidade é o segredo para buscar um trabalho benfeito e a simplicidade está no DNA da empresa. Sempre nesse clima, em uma conversa descompromissada o administrador Juliano Prado conta a trajetória da produtora Bromélia Filmes, criadora da Galinha Pintadinha.
Como surgiu a ideia da Galinha Pintadinha? Você imaginava que o projeto faria tanto sucesso?
Não imaginávamos, o projeto era totalmente descompromissado, feito nas horas livres. Nossa vontade era a de aprender a fazer desenhos musicais e tentar vender os 1 mil DVDs que encomendamos na primeira tiragem.
É preciso saber lidar com as adversidades e transformar em oportunidades? O negócio é nunca desanimar?
Sim, muitas vezes traçamos um objetivo e é difícil saber se estamos sendo persistentes ou teimosos. Na verdade, só descobrimos quando a coisa dá certo. No projeto da Galinha Pintadinha mesmo, estávamos já há alguns anos fazendo e pensando sobre ele, quase desistimos. O que nos sinalizou uma oportunidade, lá em 2007, foram as visualizações e pedidos dos usuários do YouTube para fazermos mais vídeos.
Podemos dizer que o “pulo do gato” está em ser flexível? Por quê?
Ser flexível é um pré-requisito para ser empreendedor, afinal a realidade não é imutável. A primeira ideia para a Galinha Pintadinha era oferecê-la aos canais de TV convencionais. Como esse caminho não deu certo, e sentimos que havia algo de novo no cenário de audiovisual, apostamos nossas fichas no YouTube, aplicativos e DVDs. Essa decisão de ir para a "produção independente" é um exemplo de mudança de rota que precisamos arriscar de vez em quando.
Dado que a Galinha Pintadinha canta músicas que estão na boca das crianças há várias gerações, o sucesso está na simplicidade?
A simplicidade faz parte das nossas personalidades e acabamos imprimindo isso no nosso trabalho. Acredito que isso facilite a conexão da Galinha com as crianças. Além disso, as músicas que escolhemos têm uma força muito grande, afinal já foram testadas e aprovadas por muitas gerações. Adicionamos o desenho animado, colorido e simples, que agradou a criançada. E nos esforçamos para deixar isso muito acessível a todos: você pode assistir a Galinha Pintadinha no celular, na sala, no computador.
Você já foi chamado de “zen empreendedor”. Acredita que a empresa reflete os valores de seu dono? Por quê?
Sem dúvida, conheço muitas empresas e em todas é nítida a relação entre o jeito dos gestores e a equipe. Por trabalharmos com criatividade, no nosso caso, alguns conceitos corporativos convencionais não funcionam. É impossível estipular metas numéricas para boas ideias, por exemplo.
A Bromélia Filmes é uma empresa “enxutinha”. Este é o segredo do negócio? Qual é a importância disso para o ambiente entre donos e funcionários?
Não sei se é o segredo, mas é a maneira como me sinto confortável em trabalhar. Temos PABX nos telefones da empresa, mas prefiro levantar e ir até a sala ao lado para conversar. Há momentos de pressão e prazos de entrega, mas, no geral, o clima é de tranquilidade, o que deixa o trabalho de todos sair mais benfeito.
Na área de audiovisual, mais do que pensar em produtos, deve-se pensar em marca? Por quê?
Depende, acho que na maioria dos casos o licenciamento de produtos não se aplica. Alguns títulos e personagens têm potencial de virar marca, não há fórmula, mas precisa ter uma massa crítica de público. Para poder licenciar a sua marca, um filme ou série tem que sustentar o interesse do público por um longo tempo. Isso por que há todo um processo industrial para desenvolver, fabricar e comercializar os produtos, e isso leva tempo. Se é um sucesso passageiro, não dá nem tempo de fazer e vender os produtos. A Galinha Pintadinha quebrou um paradigma neste mercado de licenciamento, que só aceitava personagens estrangeiros que estivessem com programa no ar em alguma emissora. Com a gente é diferente, a Galinha Pintadinha está no ar 24 horas por dia há mais de 7 anos.
Hoje o empreendedor deve pensar no mundo globalizado? No caso do audiovisual é preciso ser transmedia?
O mercado audiovisual está perplexo ainda com essa série de mudanças recentes na maneira de produzir e consumir audiovisual. Só agora estão abrindo a cabeça para modelos diferentes. Hoje em dia, por exemplo, é lógico ter a Galinha Pintadinha de graça no YouTube e ao mesmo tempo o DVD sendo vendido nas lojas. Uma coisa ajuda a outra. Em outros tempos, liberar um conteúdo de forma gratuita seria impensável.
O gasto inicial de uma empresa e o tempo que leva para começar a ter lucro faz com que muitos desistam no meio do caminho. Que conselho o senhor daria para quem está se questionando se está no negócio certo?
Já abri e fechei algumas empresas. Meu conselho é aquele batido: faça uma coisa que gosta e siga em frente. Prepare-se para ralar bastante, se decepcionar, ter prejuízos e preocupações. Entre acertos e erros você vai evoluir, é preciso ter paciência. Avalie constantemente sua felicidade. É ela que, no fundo, lhe diz se as coisas estão indo no caminho certo.
O que deve fazer quem quer abrir uma produtora?
O investimento mais difícil de se fazer é no talento. E não só artístico, tem que ter talento para tocar um negócio. Uma maneira fácil de dar o primeiro passo é pensar numa equipe do tipo "três mosqueteiros". Um mais criativo, outro mais de negócios e outro de operações.
Qual é o modelo de negócios da Galinha Pintadinha?
Nós produzimos os conteúdos (desenhos animados, músicas, livros) e administramos a marca. Nossas receitas vêm de royalties que recebemos sobre os produtos que levam nossa marca, que são fabricados por parceiros licenciados.
Antes do Mickey Mouse, os irmãos Disney fizeram outro personagem, mas pelo ímpeto de colocar o projeto em prática, cederam seus direitos. Eles aprenderam a lição. Ainda hoje muitos empreendedores do audiovisual, para verem seus projetos realizados, não prestam atenção nisso. O que deve ser inegociável num contrato? O que você fizeram para “proteger” a Galinha Pintadinha?
Um desenho animado é considerado uma "obra audiovisual coletiva complexa", porque exige o trabalho criativo de várias pessoas (roteiristas, compositores, intérpretes, atores, desenhistas). No caso da Galinha Pintadinha, a Bromélia é a organizadora da obra coletiva e possui todos os direitos para explorá-la comercialmente, administrando os direitos patrimoniais e repassando aos demais artistas que participaram do projeto. É uma matéria complicada do direto autoral, tivemos que investir tempo e dinheiro para entender como funciona.
Quais são os projetos atuais da Bromélia Filmes?
Estamos em fase de finalização do DVD 4, que será lançado em julho e, em paralelo, trabalhamos no longa metragem da Galinha Pintadinha, que deve estar nos cinemas em 2016. Além disso, as versões em espanhol e inglês já estão fazendo sucesso fora do Brasil.
Quais são os conselhos que o senhor daria para um empreendedor?
Ter coragem, força, estudar, ouvir a intuição e ser honesto.