Neta de doceira, Juliana Motter aprendeu a fazer brigadeiro aos seis anos, e, quando voltava da casa da avó continuava suas “experiências” usando leite condensado artesanal preparado pela mestra. Esses experimentos eram receitas de brigadeiro com ingredientes que ela gostava, mas que não eram tradicionais no preparo do doce, como chocolate branco ou paçoca.
O resultado era levado para a escola, para dividir com os amigos ou como presente de aniversário e fazia muito sucesso. “Foi nessa época que ganhei o apelido de Maria Brigadeiro. Quando eu chegava com uma bandeja cheia de doces, as crianças falavam: ‘Lá vem a Maria Brigadeiro’”, conta Juliana. Na época ela ainda não sabia, mas, anos depois, o apelido se tornaria o nome de um negócio inusitado no ramo da alta gastronomia: uma loja de brigadeiro gourmet. “Minha vó despertou em mim o respeito pelo doce, que é o princípio do brigadeiro gourmet”, afirma Juliana.
A menina cresceu e foi fazer faculdade de jornalismo, mas a paixão pelo doce seguiu com ela. Passou a escrever sobre culinária. “Peguei essa transição de culinária para gastronomia e fui fazer uma faculdade de gastronomia para me embasar para escrever sobre o assunto”. Foi em uma aula de confeitaria que a doceira teve o primeiro lampejo para o futuro negócio. “Aprendíamos a fazer doces de outras culturas, como macarons e trufas, então fui perguntar para a minha professora se teríamos um módulo sobre brigadeiro e ela me disse que não”.
Experiências caseiras
Instigada por essa lacuna no curso, Juliana decidiu retomar suas “experiências” caseiras dos tempos de criança e testar tudo o que aprendia na aula de confeitaria nos brigadeiros que fazia em casa. “Nessa época já tinha um caderno com mais de trinta receitas. Para mim, era algo conceitual. Todas as técnicas que aprendi, passei para o brigadeiro”. Foi assim que a farinha caseira de amêndoas de macaron foi parar no doce. “Temos uma carta com 40 receitas de brigadeiros, são massas e sabores diferentes. Cada um, feito de um jeito, não é simplesmente o mesmo brigadeiro com 40 confeitos diferentes”.
Inicialmente, fazer brigadeiros em casa continuava a ser simplesmente um hobby, mas o acaso fez com que o passatempo se tornasse uma profissão. Tudo começou quando Juliana decidiu fazer brigadeiros o aniversário do filho de uma amiga. “Ela estava sem tempo e disse: ‘Vou só comprar um bolinho na padaria.’ Eu respondi: ‘Não vai dar nem um brigadeiro para ele? Vais traumatizá-lo!’ E resolvi fazer os brigadeiros para a festa”.
Na cruzada em defesa do brigadeiro, Juliana resolveu apresentá-lo com toda a pompa e circunstância: preparou cinco receitas: noir com chocolate 70% de cacau, chocolate branco, avelã, tradicional e pistache. “Foi a primeira vez que fiz questão de uma apresentação diferente. Todos tinham o mesmo tamanho e foram colocados nos pratos de cerâmica da minha avó, herança de família! Coloquei plaquinhas para identificar os sabores e ficava ao lado da mesa explicando o que eram”. Foi aí que confirmou o que queria provar: o doce era subestimado e uma boa apresentação, assim como é feita com doces mais nobres como o macaron, faz toda a diferença. “O brigadeiro era subestimado até pela apresentação do doce. E sempre foi estigmatizado por ser doce de criança, por isso a receita nunca foi revista”.
A apresentação confundiu os convidados, que não acreditavam se tratar de brigadeiros. Em uma dessas conversas, Juliana disse brincando que aceitava encomendas e recebeu uma, dias depois, de mil brigadeiros para a semana seguinte. Aceitou, também na brincadeira. No tal evento, um lançamento de livro na Livraria da Vila, em São Paulo, recebeu um estímulo animado do autor, que chamava a atenção do público para a mesa ao lado dos autógrafos. Conclusão: mais encomendas. “Como ia explicar para as pessoas que aquilo tinha sido uma brincadeira? Minha amiga tinha até feito cartões de visita com meu celular e meu apelido, Maria Brigadeiro”, conta.
O hobby que virou negócio
Aquilo que começou como uma brincadeira foi ficando sério. Juliana conciliou o jornalismo e os brigadeiros por três meses – “fazia brigadeiros à noite, entregava de manhã e ia para a redação”, conta – e, por fim, decidiu ser doceira full time. “Acho que tenho mais a contribuir fazendo brigadeiros que fazendo jornalismo. Mas todo mundo achava que estava louca. Meu pai sugeriu que fizesse macarons, o doce da moda na época”. Mas ela bateu o pé e, em 2007, montou um ateliê de brigadeiros gourmet. “Fui determinando os padrões do produto que estava fazendo, usava ingredientes de qualidade e eles tinham finalização padronizada – mesmo tamanho e proporção de massa para confeito”. Como brigadeiro é bom é o feito na hora, alugou uma casa e colocou as mãos na massa. Toda a divulgação inicial era feita no boca a boca.
Foi na faculdade também que Juliana aprendeu o comportamento de alguns ingredientes, como o chocolate e, ainda, a conseguir as melhores matérias-primas para o seu doce, como o pistache da Sicília. “Minha avó sempre fazia o brigadeiro na hora de servir e servia com raspa de chocolate em vez de granulado. O brigadeiro sempre foi um doce de improviso. Você pega o que tem na despensa – achocolatado, manteiga, se não tiver manteiga vai margarina. Mas a verdade é que, quanto melhor o chocolate, melhor o resultado da receita. Por isso é que a gente não tem medo de colocar o melhor ingrediente na panela”, afirma Juliana.
“O brigadeiro no Brasil sempre foi uma commodity. As pessoas sempre acharam que fosse um doce definitivo e que não tinha possibilidade de melhorar. Um brigadeiro normal custava 20 centavos e o meu, R$ 1,80”. Com o brigadeiro gourmet, a doceira quis provar que o brigadeiro não era só um doce de festa de criança, mas pode ser um presente em vez de um acompanhamento somente. Como a demanda era muito grande, o ateliê virou loja em 2009.
Produção artesanal
Como todos os brigadeiros são feitos no dia, a produção é limitada. “Das 40 receitas da carta de brigadeiros, fazemos uma quantidade pequena de cada uma delas. Se acabar, acabou. Se sobrar no final do dia vai para o lixo, não vendemos no dia seguinte”, explica. Entre os doces da loja e as encomendas, são feitos cinco mil doces por dia. Além dos 40 tipos, a doceria trabalha com tortas do doce e brigadeiro de colher.
A produção envolve 31 pessoas e cada uma tem uma tarefa determinada, seja fazer, enrolar, confeitar ou embalar. “Todos foram treinados por mim. É difícil trabalhar com pessoas superespecializadas porque, se uma das pessoas que enrola falta, tenho que colocar uma confeiteira no lugar e não é mesma coisa, porque para enrolar o brigadeiro e lidar com o chocolate é preciso ter mãos mais frias”, afirma Juliana.
Para o futuro, a doceira pretende manter a qualidade artesanal do produto. “É difícil, a gente testa as receitas e às vezes não dá certo. Como fazemos tudo na hora, já submetemos a um controle de qualidade. A partir do momento que industrializa o processo, a gente industrializa o brigadeiro” Juliana defende que, ao manter o processo artesanal, é como se retornasse às origens. “Brinco que não quero trair o movimento. A ideia não é elitizar o brigadeiro. Não sei como, mas quero continuar inovando e mostrando o valor do doce. Se você vai pagar mais por um macaron, por que não por um brigadeiro?”, conclui a doceira.