Imagine uma microempresa que funciona em uma favela na periferia de São Paulo. Não parece nada promissor em termos de negócio, certo? Pense então que há 40 milhões de potenciais consumidores de seus serviços espalhados pelo país. Agora, surpreenda-se ainda mais: os sócios fundadores lucram com o empreendimento, mas não têm a menor pretensão de ficar ricos com ele e colocam o bem-estar de seus clientes em primeiro lugar. Pois bem, conheça o Programa Vivenda, que presta serviços de reforma financiada para populações de baixa renda.
“Em 2009, outra empresa na qual eu sou sócio prestou consultoria num projeto de reurbanização de uma favela, e vi que o processo se pautava mais nos aparatos públicos do que em garantir moradias melhores”, conta Fernando Assad, que criou a empresa com Igiano Lima e Marcelo Coelho – os dois também com experiência em reurbanização de regiões pobres. “Muitas casas não tinham janela, os banheiros eram úmidos e mofados, os pisos, estragados, e estas são condições que geram problemas de saúde”, continua Assad.
Foi a partir desta observação da precariedade de moradias em regiões periféricas que começou a surgir a ideia de criar um serviço de reformas para populações de baixa renda. “Ficamos seis meses no Jardim Ibirapuera (periferia de São Paulo) apenas ouvindo o que os moradores queriam, e vimos que eles enfrentavam vários desafios para reformarem suas casas, como falta de acesso a crédito para comprar materiais carência e de mão de obra, pois os bons pedreiros da região acabam trabalhando fora”, diz Assad, que complementa: “Isso acaba levando a desperdício de material e custos altos de reforma”.
O Vivenda foi criado, então, para suprir esta demanda. “O programa empacota tudo. Temos pedreiros contratados por CLT e arquitetos para o projeto. Compramos o material e parcelamos a obra em 12 vezes”, conta o sócio, que afirma: “Fazemos reformas melhores e mais baratas”.
O foco, no entanto, não é apenas reformar, mas melhorar as condições de salubridade das residências. “O nosso foco é melhorar a saúde das pessoas por meio de suas casas”, explica Assad. Por isso, a empresa trabalha com quatro kits básicos: banheiro, revestimento, ventilação e antiumidade.
Por ter a saúde das pessoas como foco principal, o Programa Vivenda se enquadra no que se chama de negócio social: empresas com fins lucrativos que têm como centro de sua atuação a resolução de problemas de pessoas de baixa renda. Foi nestas condições que os sócios participaram de um programa de aceleração da Artemisia, organização focada em ajudar negócios sociais. “O processo foi fantástico, pois tínhamos muita experiência com o público que queríamos atender, mas pouco conhecimento de negócio social, sobre como fazê-lo parar de pé, e a Artemisia ajudou a pensar o modelo de negócio”, diz Assad.
Depois de fazer dez reformas piloto no segundo semestre de 2013, o Programa Vivenda começou a funcionar efetivamente em abril de 2014, e já com 12 reformas contratadas. Com pouco tempo de trabalho, no entanto, os sócios já têm um caso emblemático e, infelizmente, sem um final feliz. “Uma das moradoras tinha problemas de saúde que o médico dizia serem causados pelas condições da casa, que não tinha janela e era úmida, mas ela morreu antes do fim da reforma”, conta Assad, que acrescenta: “Não queremos perder mais ninguém por causa de uma janela”.
É com esse espírito que ele afirma que os sócios, claro, desejam conseguir viver com os rendimentos do Programa, mas que se interessam por uma remuneração suficiente para satisfazê-los: “Não precisa ser o ‘quanto mais, melhor’”. Saindo das palavras e indo para a ação, Assad revela que um dos próximos passos é se reunir com fornecedores de materiais de construção, para negociar preços melhores para seus clientes. “Queremos reduzir os custos de operação para diminuir o preço do serviço para os moradores.”
Os sócios do Programa Vivenda estão de olho em um público calculado em cerca de 40 milhões de pessoas – todas vivendo em condições precárias de moradia. “Queremos expandir o negócio para o Brasil inteiro”, diz Assad. Os três, no entanto, têm o pé no chão e pretendem passar ainda um bom tempo apenas com seu pequeno posto de atendimento no longínquo Jardim Ibirapuera, mas cujos resultados estão fazendo a diferença para a vida da população local. “Nós ainda não temos pernas para expandir”, explica um realista Assad, que, no entanto, deixa o recado final: “Estamos disponíveis para estruturar parcerias”.