"Pensa que eu sou o Matarazzo?", era uma frase comum dos pais de família brasileiros do início do século 20 para reclamar dos excessos de gastos de sua prole. Alto e elegante, Francesco Matarazzo tornou-se sinônimo de homem rico e um exemplo do “imigrante que deu certo”. Os produtos das Indústrias Reunidas Francesco Matarazzo (IRFM) eram praticamente onipresentes no dia a dia dos brasileiros. Seu conglomerado, nos anos 1930, só faturava menos que o Governo Federal, o Departamento Nacional do Café e o estado de São Paulo. O empresário foi um dos homens mais ricos da América do Sul na sua época e, quando morreu, tinha um patrimônio estipulado em 20 bilhões de dólares se os valores fossem corrigidos para os padrões atuais.
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Reza a lenda que ele tinha mais de 365 empresas, ou seja, mais que um empreendimento por dia do ano. Seguramente, ele chegou à marca de 200 negócios nos quais chegou a empregar 30 mil pessoas. Ao lado de suas fábricas construiu hidrelétricas e ferrovias. Tinha bancos, fazendas, prédios, empresas de navegação, além de fábricas de diversos produtos. Suas empresas tinham filiais nos Estados Unidos, na Europa e na Argentina.
Matarazzo, no entanto, começou como um simples mascate e dono de uma loja de secos e molhados em Sorocaba, interior de São Paulo, depois de sofrer um prejuízo. Quando veio ao Brasil, em 1881, fugindo da crise econômica na Itália, a tonelada de banha de porco que trazia como capital inicial para começar um negócio foi parar no fundo mar com a embarcação que levava toda a carga do navio. Sem seu capital inicial, não se desesperou. “Ele buscou recursos, comprou porcos e produziu banha para vender”, conta o historiador Rafael Pomim, chefe de divisão de Estudos Históricos do Museu Histórico Municipal da cidade de Jaguariaíva (PR) Conde Francisco Matarazzo.
Investindo em porcos
“O segredo está na compra e não na venda", dizia o comerciante que era um ás na arte de negociar. Matarazzo comprou quase todos os porcos da região e, além de baratear a produção, também revendia o animal. No início, entregava pessoalmente os barris com banha, que eram devolvidos e repostos após a utilização. Mais tarde, veio a grande sacada: enlatar o produto.
Obstinado com a ideia de ganhar dinheiro no Brasil, Matarazzo sempre esteve à frente de seu tempo. Inquieto e visionário, buscava conhecer as necessidades do seu público-alvo, diversificar os negócios, entender o contexto de seu entorno e do país. Pomim destaca que o pensamento desse empresário era que “uma coisa puxa a outra”, ou seja, ele produzia tudo o que suas empresas precisavam e aproveitava tudo.
Em Jaguariaíva, havia um frigorífero de carne de porco. Além da carne que era vendida, os restos do animal serviam para a fabricação de outros produtos, como sabão, banha, adubo, botões e até pincéis feitos com o pelo do animal. “Ele fabricava até a lata e o rótulo para seus produtos”. Se o Matarazzo percebesse a necessidade de algo, ele não buscava um fornecedor – abria uma fábrica para produzi-lo.
Na Itália, ele já tinha aprendido sobre negócios ao cuidar do comércio da família. As circunstâncias históricas do Brasil e do mundo naquela época favoreceram homens como ele. O Brasil ainda precisava ser construído, necessitava-se de indústrias, o nível de instrução da população em geral era baixo, inclusive entre os comerciantes. Para completar, as necessidades geradas no período da Primeira Guerra Mundial também geraram boas oportunidades.
Mão de ferro
Diziam que Matarazzo era um pai muito rígido e um empresário atento a todos os negócios que tinha. Chegava cedo e era o último a sair do escritório. Fazia reuniões com diretores e gerentes nas manhãs de domingo. Tinha uma boa memória e buscava sempre ouvir as opiniões dos subordinados. Porém, era centralizador e somente ele tomava a decisão final. Procurava se atualizar frequentando uma confeitaria no centro de São Paulo – onde se reuniam empresários, advogados, funcionários públicos e fazendeiros – para escutar sobre as fofocas políticas e se informar sobre as idas e vindas dos negócios e as oscilações de moedas.
Pomim conta que o empresário sonegou impostos na região de Jaguariaíva. O então prefeito da cidade foi para São Paulo cobrá-lo. A resposta do empresário foi que pagaria no dia seguinte, mas tiraria a empresa do local, demitindo todos os funcionários. Até hoje esses impostos não foram pagos.
No ano de 1914 foi à Itália cuidar da saúde. Em 1915, foi surpreendido com a Primeira Guerra Mundial e coordenou o serviço de abastecimento das tropas – articulando a importação de alimentos, fornecendo farinha brasileira à Itália e à França. Pelos serviços prestados, o rei Vittorio Emanuele III (1900-1946) da Itália lhe concedeu, em 1917, o título hereditário de conde. Em 1919, Matarazzo se entusiasmou com Benito Mussolini e chegou a fazer doações significativas para o fascismo italiano, apesar de ser contra a adoção do regime no Brasil porque temia o radicalismo político.
Mesmo que tenha sido um dos maiores empreendedores de sua época, no Brasil e no mundo, seu império se desfez com os herdeiros. Segundo Pomim, a decadência da família pode ser explicada por uma anedota. Já idoso, o conde foi a um alfaiate na Itália e encomendou um terno. O comerciante perguntou por que ele, que era tão rico, só queria um terno e seu filho, na semana anterior, tinha encomendado sete. “Ele tem pai rico, eu não”, respondeu o conde Francesco Matarazzo.