A Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia defendeu nesta terça-feira que um modelo concorrencial para o DPVAT no lugar do seguro obrigatório como é hoje demandaria a cobrança de preços excessivamente altos, sem garantia de cobertura generalizada.
No modelo concorrencial, que valeu no país para o DPVAT até 1986, uma parte do prêmio arrecadado era direcionada para a constituição de um fundo que pagava a indenização de vítimas de acidentes causados por veículos não identificados.
Em nota conjunta com a Susep (Superintêndencia de Seguros Privados), a SPE pontuou ainda que o fim do seguro obrigatório DPVAT, que indeniza vítimas de acidente de trânsito, abrirá espaço para o crescimento do mercado de seguros facultativos.
Hoje, o seguro é administrado pela Líder, um consórcio de 73 seguradoras que tem, entre suas participantes, empresas como AIG Seguros, Caixa Seguradora, Bradesco Seguros, Itaú Seguros, Mapfre, Porto Seguro, Omint, Tokio Marine e Zurich Santander.
"O mercado de seguros de responsabilidade civil e de acidentes pessoais oferece coberturas adequadas para motoristas e proprietários de veículos. O fim do seguro obrigatório tende a aumentar o mercado de seguros facultativos e a cultura de proteção por parte de motoristas e proprietários", disse a SPE.
O governo do presidente Jair Bolsonaro anunciou em novembro a extinção do DPVAT a partir de 2020, conforme antecipado pela Reuters, justificando que a investida evitará fraudes e eliminará custos de supervisão de um seguro que não é considerado eficiente.
Desde então, setores da sociedade têm debatido o tema, com críticas à extinção do DPVAT e discussões acerca da possibilidade de um novo desenho ser instituído no seu lugar, principalmente pelo fato de o DPVAT garantir cobertura ampla a vítimas de acidentes de trânsito, o que na visão de muitos resguarda a população mais pobre.
O seguro assegura o pagamento de até 2.700 reais de despesas médicas, quando não realizadas pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e, em caso de invalidez permanente ou morte por acidente de trânsito, a vítima ou sua família recebe até 13.500 reais.
Segundo a SPE, cálculos internos da Susep demonstram que o preço do seguro no modelo concorrencial poderia chegar a 422 reais, a depender da categoria de veículo e do Estado.
"Levando-se em consideração a porcentagem de 50% do repasse ao SUS e ao Denatran, os prêmios poderiam atingir 844 reais, o que poderia resultar em um alto percentual de inadimplência e inviabilizar a manutenção do seguro", afirmou.
Neste ano, a tarifa mais cara do DPVAT foi a cobrada para motos, de 80,11 reais. A de carros ficou em 12 reais. Mas a SPE destacou que esses valores, possíveis graças a um excedente gerado com combate a fraudes, são insustentáveis em função das limitações de trabalho da Susep.
"O valor de equilíbrio estimado para o ano de 2019 é de 45 reais para carros e 185 reais para motos. Ou seja: para cobrir os custos, seria necessário mais que triplicar o preço do DPVAT para carros e mais que dobrar o preço para motos. Isso sem considerar o dispêndio expressivo de recursos públicos com fiscalização", trouxe a nota.
Em outro trecho, o documento informou que 19% da força de trabalho de fiscalização da Susep se dedica à Seguradora Líder, mas que a análise compreende apenas 1,9% do volume anual de prêmios.
MODELO CONCORRENCIAL JÁ TESTADO
Na nota, a SPE afirmou ainda que a equipe econômica tem conduzido estudos desde 2017 sobre o DPVAT e, para além da extinção do seguro, como acabou propondo, também se debruçou sobre a adoção do modelo concorrencial.
A avaliação foi que esse mecanismo gerou um "incentivo perverso", pois as seguradoras não tinham interesse em regular o sinistro, o que acabou por inviabilizar o seguro no modelo de livre escolha.
"Verificou-se que o modelo concorrencial possivelmente inviabilizaria a manutenção de pagamento para vítimas de motoristas inadimplentes e não identificados. Ademais, inviabilizaria o subsídio cruzado no pagamento do seguro, o que poderia impossibilitar a oferta do seguro em algumas regiões do país", afirmou a nota.
A SPE destacou que, com os valores atuais cobrados pelo DPVAT, a inadimplência já é alta, e chega a 48,2% entre os motociclistas e a 35,3% entre o público total.
Do valor anual recolhido a título de DPVAT dos donos de veículos, 45% são repassados ao Sistema Único de Saúde (SUS), com os 5% restantes sendo direcionados ao Denatran.
Em relação à falta que esse repasse fará, SPE e Susep argumentaram que, na época em que o DPVAT foi criado, não existia o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que garante o pagamento de um salário mínimo mensal para pessoas que não puderem prover sua subsistência --o que na visão da equipe, já suplantaria a necessidade de um seguro para os casos de invalidez.
A nota defendeu ainda que, quanto às despesas médicas, já há atendimento gratuito por meio do SUS e que a rede pública é acionada "tipicamente" em casos de acidente de trânsito, especialmente pela classe de menor renda. Segundo a SPE, o valor repassado ao SUS foi de 965 milhões de reais em 2019, equivalente a 0,79% do orçamento total da saúde no ano.