Rodada final das negociações para tratado internacional sobre o plástico mostram um mundo dividido: de um lado, quem exige o fim imediato da produção de lixo e poluição; do outro, os defensores dos combustíveis fósseis.Após dois anos de conversações, representantes de mais de 175 países se esforçam para finalizar um acordo visando sustar o dilúvio de lixo plástico que polui o planeta. A rodada final do Comitê Intergovernamental de Negociações teve início nesta segunda-feira (25/11) e segue até o domingo (01/12) em Busan, Coreia do Sul.
Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), que promove o encontro, trata-se do mais importante tratado ambiental multilateral desde o Acordo do Clima de Paris, de 2015, devido às dimensões da crise de poluição plástica.
Ao anunciar a decisão de elaborar esse acordo, Inger Andersen, diretora executiva do Pnuma, comentou: "É uma apólice de seguro para esta geração e gerações futuras, para que elas possam viver com o plástico, e não estar condenadas por ele."
Em 2019, o mundo gerou 350 milhões de toneladas de resíduos plásticos. Apenas 9% foram reciclados, o resto foi incinerado, jogado em aterros sanitários ou foi parar no meio ambiente.
Uma vez descartados, produtos de plástico durável, como canudinhos de bebida, perduram por séculos, contaminando ecossistemas e cadeias alimentares. Como 99% do material provém de fontes fósseis, sua produção também exacerba a crise climática.
Quando é mais barato produzir mais plástico do que reciclar
Na mesa de negociações está uma proposta para que países participantes reduzam em 40% a produção global de polímeros até 2040 (a meta "40x40"). A ideia foi apresentada por Ruanda e Peru durante a rodada de abril, em Ottawa, Canadá.
Outra proposta sobre a qual os países devem deliberar é a de banir os plásticos tóxicos e descartáveis e redesenhar as embalagens para torná-las reutilizáveis, biodegradáveis e totalmente recicláveis.
As companhias multinacionais que adotam embalagens plásticas apostam na reciclagem como solução, um processo que elas alegam que poderia ser otimizado com métodos químicos mais eficientes em vez de tecnologia mecânica.
Por sua vez, organizações ambientalistas como o Greenpeace exigem que o acordo enfatize uma rápida redução da produção de plástico. Estima-se que ela triplicará até 2050, em parte porque fabricar polímeros virgens é mais barato do que reciclar - sobretudo devido à superprodução de gás natural extraído por fracking em países como os Estados Unidos.
A indústria de combustíveis fósseis também está expandindo rapidamente o plástico virgem como seu próximo mercado de futuro, a fim de compensar suas perdas devido à transição para a energia verde.
A reciclagem não tem como acompanhar essa explosão da produção. "A capacidade de gestão de resíduos está esgotada, temos uma superabundância de plástico", comenta Christina Dixon, diretora da Ocean Campaign da Environmental Investigation Agency (EIA), sediada em Nova York, que promove o tratado.
Para alguns, contudo, até mesmo a meta 40x40 é insuficiente, especialmente em se tratando de limitar o aquecimento global em 1,5ºC em relação à era pré-industrial, como acordado em Paris para evitar eventos climáticos ainda mais extremos.
Até 2050, as emissões da crescente produção poderão ter consumido, no mínimo, de 21% a 31% do "orçamento carbônico" restante que ainda permitiria realizar a meta de 1,5ºC. Modelos virtuais apresentados pela Greenpeace sugerem que para esse fim será necessária uma redução de 75% da produção de polímeros.
Por sua vez, um relatório científico encomendado pela EIA à consultora Eunomia Research and Consulting afirma que a meta 40x40 só cortará significativamente as emissões se acoplada a um acréscimo de 63% da taxa de reciclagem. Além disso, o setor de plásticos teria que reduzir suas emissões carbônicas empregando energia renovável, por exemplo, e sem aumento de produção após 2025.
Interesses conflitantes impactam chance do fim dos plásticos
Contudo, à medida que se aproxima o fim do prazo para as negociações, as nações que decidirão o âmbito e ambição do tratado continuam divididas por interesses conflitantes.
Ruanda e Noruega lideram a High Ambition Coalition (Coalizão da Alta Ambição), integrada por mais de 60 países, que postula o fim de toda produção de plásticos até 2040. Mas Dixon, da EIA, pondera que vários outros Estados foram "muito difíceis" durante as quatro rodadas de negociações, e "não querem ver qualquer tipo de acordo".
Produtores de petróleo como Irã, Rússia e Arábia Saudita estão fixados na intensificação da reciclagem, para preservar um futuro promissor para o mercado de combustíveis fósseis.
Especialista jurídica do Center for International Environmental Law, sediado em Washington, Daniela Durán González disse ao acompanhar a última rodada que as negociações não giram em torno de um "acordo sobre o lixo", mas do "futuro dos combustíveis fósseis".
Os EUA tradicionalmente defendem melhores métodos de reciclagem e reutilização, assim como a adesão voluntária a limites de produção. Entretanto, durante a rodada anterior, o gigante tanto dos plásticos quanto do petróleo e gás passou a apoiar uma meta para redução dos polímeros.
Essa postura pode mudar de novo com a posse de Donald Trump, em 2025: o presidente americano eleito há muito vem prometendo reverter as políticas para o clima e ampliar a produção de combustíveis fósseis. "Dado o que aconteceu no mandato anterior dele, acho bastante improvável que Trump vá ratificar o tratado", comenta Dixon.
Apesar de tudo, tanto nações do Sul Global quanto países-membros da União Europeia ainda apostam no sonho de um acordo internacional sobre o plástico.
Num encontro antecipando a rodada final de negociações, Griffins Ochieng, coordenador de programa do Centre for Environment Justice and Development do Quênia, enfatizou que as nações africanas estão exigindo "um fim da poluição por plásticos ao longo de todo o ciclo de vida do produto". As chaves para tal seriam tanto reduzir a produção quanto eliminar substâncias químicas nocivas.
Embora já contando com a possibilidade de o texto do acordo não ser assinado em Busan, Christina Dixon defende que os negociadores têm que "refletir o enorme desejo global por um tratado vinculativo".