Discordo da visão de que um programa de corte de custos aparentemente deve se concentrar somente nos grandes itens.
Tolerância zero a todo excesso, seja qual for a magnitude, é imprescindível para a consolidação de uma cultura de valor. O exemplo de austeridade tem de vir da alta administração. Caso contrário, a credibilidade se esfumaça. Não se pode também ignorar que o somatório de muitos pequenos itens pode resultar numa quantia significativa.
Concordo plenamente com a frase do general Colin Powell, um grande estrategista militar e o primeiro negro americano a exercer o cargo de Secretário de Estado dos EUA: "Se você deseja atingir excelência nas coisas grandes, desenvolva o hábito nas pequenas. Excelência não é uma exceção, deve ser a atitude predominante" (...).
Na primeira reunião de conselho de administração, alguém propôs um aumento de remuneração para a diretoria executiva como recomposição do valor real devido à inflação passada. Recusei imediatamente. Como eu poderia pedir "sangue, suor e lágrimas" aos colaboradores se eu mesmo começaria recebendo um aumento salarial?
Numa apresentação do gerente executivo de Comunicação - no início de minha gestão, se reportavam diretamente à Presidência - tomei conhecimento de que a Petrobras havia celebrado, em 2018, contratos de patrocínio e desenvolvimento tecnológico por seis anos com uma equipe de Fórmula 1, a McLaren, que compreendiam o desenvolvimento de uma gasolina especial para abastecer os veículos e nos obrigavam a gastar cerca de R$ 700 milhões à taxa de câmbio real/libra da época.
Definitivamente, o contrato de patrocínio assinado em 2018 não fazia sentido por várias razões. Petrobras é uma das marcas mais conhecidas no Brasil há décadas, dispensando publicidade para a fixação entre consumidores. O melhor a ser feito era trabalhar para se tornar uma empresa lucrativa com foco na proteção do meio ambiente, no respeito pelas pessoas e na segurança de suas operações; entre outras implicações, melhoraria sua reputação.
A Petrobras não possuía operações globais de varejo. Como varejista de combustíveis, suas atividades se limitavam a alguns países da América do Sul, tinham escala modesta e estavam sendo vendidas.
A BR Distribuidora, naquela época ainda subsidiária da Petrobras com participação minoritária de investidores privados, possuía operações de varejo de porte significativo no Brasil, com mais de 8 mil postos de serviço e não se manifestou para assumir o contrato em lugar da Petrobras.
Privatizada, a BR (atual Vibra Energia) tem investido em publicidade, mas não optou por patrocinar a Fórmula 1, restringindo-se ao mercado doméstico, onde concorre com outras distribuidoras de combustíveis.
Para piorar, um fabricante de cigarros ingressara no grupo de patrocinadores da McLaren e não gostaríamos de ver a nossa marca associada a um produto reconhecidamente prejudicial à saúde.
Em última instância, a Petrobras ainda era uma companhia muito endividada e de custo elevado e patrocinar uma equipe de F1 era uma distração dispendiosa.
Havia interesse no desenvolvimento tecnológico, na medida em que poderia viabilizar a colocação no mercado de um novo produto; entretanto, os testes não evoluíram de acordo com o esperado e optamos por rescindir o contrato.
Encarreguei o Marcelo Klujska (consultor da presidência da Petrobras na época), o MK, de liderar a equipe que negociaria o distrato com a McLaren, missão que se mostrou desafiadora. A empresa automobilística adotou uma postura muito dura. Quando a reunião começou, o pessoal da McLaren disse que sabia que o MK fora a pessoa a ordenar a suspensão do desembolso da parcela do contrato que vencia naquela data. De fato, havia sido ele, atendendo à minha deliberação, que adotara uma postura que forçaria a McLaren a ir para a mesa de negociação. Mas a questão é que o episódio evidenciou que algum empregado da Petrobras havia repassado informações internas para outra empresa.
A McLaren não queria nem ouvir falar em cancelamento de contrato. Para aspirar pódios, uma equipe necessita de pelo menos US$ 400 milhões por ano em patrocínios. Para tornar a novela mais atraente, o assunto havia vazado para a mídia e a McLaren nos acusava de estar prejudicando a sua imagem, o que não era a nossa intenção e tampouco correspondia à realidade.
Finalmente, depois uma conversa franca com Zak Brown, CEO da McLaren, as coisas se acalmaram. MK pôde avançar nas negociações e, em outubro de 2019, fechamos um acordo para o término do contrato.
A Petrobras assinara um contrato com vigência de 6 anos sem cláusula de saída. Certamente um erro grosseiro que nos deixou numa posição de fragilidade. Isso nos levou a pagar uma compensação de £ 20 milhões para o encerramento prematuro.
No Grande Prêmio Brasil de F1, realizado no mês seguinte, os carros da McLaren não usavam mais a marca da Petrobras.
Entre outras providências, cabia à companhia devolver um protótipo de F1 que lhe fora confiado para expor a marca da McLaren. O problema é que ninguém sabia onde estava o carro. Curiosamente, depois de quase uma semana de busca, foi encontrado numa garagem usada pela Petrobras em Belford Roxo, na Baixada Fluminense e, enfim, embarcado para Londres.
Esse episódio expôs uma grande incoerência. Se o objetivo era fazer publicidade, a companhia utilizou pouco o potencial do contrato. Uma evidência disso foi o carro ter ficado perdido na Baixada Fluminense.
Havia muito dinheiro sendo gasto com artistas famosos, que não precisavam de patrocínios para seus shows, financiamento de filmes de qualidade questionável e outros fins. Citamos, entre outras, uma contribuição anual de R$ 4,5 milhões para uma academia de dança na Zona Sul do Rio de Janeiro, frequentada por pessoas de alta renda, sem qualquer benefício para a empresa.
"Adversário da cultura"
Era um programa de gastos com ausência de definição estratégica que o guiasse. Cortei a maioria dos patrocínios e fui acusado de "adversário da cultura". Pelo contrário, sou um consumidor de cultura, apreciador de artes visuais, cinema e música.
Mantivemos as contribuições para instituições como o Teatro Municipal, Sala Cecília Meirelles e Museu de Arte Moderna, ícones da cultura na cidade do Rio de Janeiro, que necessitam e merecem o apoio das empresas. Seguimos patrocinando a Orquestra Sinfônica Petrobras, mas seu foco foi redirecionado para escolas da rede pública de ensino básico e médio. Para crianças, patrocinamos concursos de literatura e peças de teatro infantil. Nos esportes mantivemos e renovamos o apoio aos atletas olímpicos do Brasil.
* Roberto Castello Branco é economista, ex-presidente da Petrobras e autor do livro Petrobras - A luta pela transformação