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O que os especialistas em contas públicas pensam sobre o novo arcabouço fiscal?

Felipe Salto, Vilma Pinto, Solange Srour, Fabio Giambiagi e Manoel Pires avaliam a nova regra fiscal apresentado pelo governo

30 mar 2023 - 18h47
(atualizado em 31/3/2023 às 18h36)

BRASÍLIA - O Estadão perguntou a cinco economistas especialistas em contas públicas como eles avaliam o novo arcabouço fiscal, apresentado nesta quinta-feira, 30, pelo Ministério da Fazenda. Se aprovada pelo Congresso Nacional, a nova regra substituirá o teto de gastos, que desde 2017 limita o crescimento das despesas à variação da inflação.

Já a nova regra proposta permite o crescimento real (acima da inflação) de despesas, embora num ritmo inferior ao aumento de receitas. Ela dá mais flexibilidade ao governo na gestão das contas públicas, mas tem o objetivo de estabilizar a trajetória da dívida pública até o fim do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

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Felipe Salto

Economista-chefe da Warren Rena

A regra é bastante complexa. A questão da vinculação da despesa com a receita é complicada, porque a gente sabe que é muito difícil cortar despesa no Brasil. Grande parte da despesa é obrigatória e mesmo a despesa discricionária é de dificílimo corte. Então, nos momentos em que a arrecadação cresce menos ou cai, a gente pode não conseguir cortar despesa, até mesmo para cumprir o mínimo da despesa que está no arcabouço - um crescimento real de 0,6%.

Como serão esses cortes? Não tem na regra, e acho que isso é uma falha. Esse arcabouço tinha de vir junto com uma reforma do gasto para ser crível nos momentos em que o PIB não cresce. Nesses momentos, me parece que a gente vai cair na mesma falha da regra do primário. A gente revisava o primário para baixo e a gente pode acabar tendo que revisar esse mínimo da despesa para cima.

É uma regra que, em geral, traz uma convergência da dívida muito devagar, na minha opinião, porque nós não temos no cenário um crescimento de PIB acima de 2,5% nem no curto, nem no médio prazo. Eu acho que quando se coloca um cenário mais otimista, a convergência acontece mais rápido. Não é o nosso caso agora. Nós não temos as taxas de juros reais neutras e nem o crescimento real acima de 2,5% do PIB. Então, é difícil a gente ter essa mesma trajetória de convergência ou primários tão robustos como foi apresentado.

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É claro que o Ministério da Fazenda diz que vai ver outros meios de aumentar a arrecadação. Vamos ter que ver, mas a discussão não é fácil. Temos visto o Congresso envolto na discussão do Carf e está demorando, e não só por uma questão política, mas também acho que é uma questão sensível à economia.

Então, por fim, eu acho que é uma regra que acabou sendo bastante bem recebida pelo mercado, mas não necessariamente a planilha está corroborando, na minha opinião, o que o mercado está precificando hoje. Eu acho que com o tempo a gente vai ver o enforcement (execução) da regra, principalmente numa economia como a atual, em que há um pessimismo em relação à recuperação.

Manoel Pires

Coordenador do Observatório de Política Fiscal do Ibre/FGV

Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do Ibre/FGV
Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do Ibre/FGV
Foto: Dida Sampaio/Estadão / Estadão

Ainda faltam detalhes para uma avaliação completa, mas, em linhas gerais, a proposta consiste em melhorar o resultado primário de um déficit de 0,5% do PIB em 2023 para 1% do PIB em 2026, um esforço fiscal de 0,5 p.p. por ano. Haverá um intervalo de confiança 0,25 p.p. do PIB para verificação do cumprimento da meta. A ideia é antiga, pois como na política monetária, a política fiscal também está sujeita a choques e incerteza.

O orçamento será elaborado por uma regra de despesa flexível e seu crescimento equivalerá a 70% do crescimento da receita do ano anterior, com piso de 0,6% e teto de 2,5%. Assim, se o crescimento da receita estiver fora da faixa de 0,86%-3,6%, aplica-se, respectivamente o piso ou o teto na despesa. A flexibilidade se justifica em função dos mínimos constitucionais, parte relevante do orçamento, estarem vinculados à receita evitando compressão de outros gastos. A abrangência é ampla, excluindo-se apenas o Fundeb e o piso da enfermagem. Deveria excluir créditos extraordinários, pois são imprevisíveis e necessários, como mostrou a pandemia.

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Haverá um piso para os investimentos e um redutor para 50% do crescimento da receita caso haja descumprimento da meta de primário. Existem dúvidas sobre qual o conceito de receita será utilizado e o que ocorre se houver conflito entre o piso de investimentos e o limite estabelecido para o gasto. O arcabouço geral também se tornou mais flexível para lidar com um orçamento ainda mais rígido.

Como esperado, o arcabouço é estruturalmente contracionista para conter o avanço da dívida, mas a regra é anticíclica nas situações mais agudas. Se houver uma recessão, o governo preserva um patamar mínimo de gastos, se houver crescimento econômico substancial, há compromisso de poupar uma parcela maior de recursos para recuperar o primário.

O alcance das metas, na ausência de um crescimento econômico mais acelerado, requer aumento de carga tributária recorrente, principalmente das contribuições sociais que não são partilhadas com Estados e municípios. É importante que tais medidas sejam formuladas à luz do impacto econômico que geram ao invés de distorcerem ainda mais o sistema.

A regra é complexa, mas isso reflete o fato de que se atribuiu a ela um grande número de objetivos: aumentar o resultado primário, realizar a gestão de ciclos, preservar investimentos e gastos sociais. Com mais complexidade e flexibilidade, é importante que o Ministério (da Fazenda) se comunique de forma mais profissional e institucional. O que se espera de um bom regime fiscal é que ele gere incentivos para a ampliação de gastos produtivos, mantendo a dívida sustentável sem distorcer o sistema tributário. A proposta tenta estabelecer algumas bases para que isso ocorra nos próximos anos.

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