Além das autoridades e empresários do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, Fortaleza também está recebendo em função do 6º Fórum dos Brics um outro grupo de visitantes vindos de diversos países emergentes. Mas esse terceiro grupo não foi convidado para a reunião principal, no gigantesco Centro de Eventos do Ceará, nem sairá na foto oficial.
Pelo segundo ano consecutivo, ONGs, acadêmicos e movimentos sociais resolveram fazer, em paralelo ao fórum oficial dos Brics, um encontro para, primeiro, reivindicar mecanismos que permitam ao clube dos emergentes "ouvir a sociedade civil"; segundo, debater como monitorar e influenciar o projeto do banco dos Brics, que deve ser assinado em Fortaleza.
"Os Brics até agora se recusaram a abrir um espaço formal para a participação de entidades da sociedade civil, e mesmo o fórum de acadêmicos que eles estão organizando inclui apenas figuras pouco críticas ao grupo e institutos de estudo alinhados com os seus governos", diz Carlos Tautz, do Instituto Mais Democracia, um dos organizadores do seminário paralelo.
"Até por isso, temos poucas esperanças sobre o banco. Ao que tudo indica, essa instituição financeira deve continuar a financiar megaprojetos de infraestrutura que só beneficiam os líderes políticos e as empresas neles envolvidas. Ninguém está falando em financiar hospitais, escolas ou saneamento básico."
Banco público
Dawid Bartelt, do braço brasileiro da Heinrich Böll Foundation, que também ajudou a organizar o encontro, diz em princípio achar positiva a ideia de um banco público multilateral para financiar projetos de desenvolvimento, mas faz ressalvas. "Queremos que esse banco seja transparente e aberto e que tenha normas obrigatórias de respeito aos direitos humanos e meio ambiente", diz.
Na reunião oficial, o clube dos emergentes é pintado como um arauto da democratização do sistema político e econômico global, o defensor de um sistema internacional mais "justo" e "inclusivo". O tema do encontro oficial em Fortaleza, por exemplo, é "desenvolvimento sustentável e inclusão social". Na mesma linha, o novo banco dos Brics é celebrado como uma oportunidade para se financiar "projetos de desenvolvimento" em países pobres e emergentes.
Ceticismo
Os ativistas, porém, são céticos sobre os resultados da cooperação e sobre o banco, por achar que ele pode acabar financiando projetos lucrativos do ponto de vista econômico, mas com um impacto social negativo, como explica Camila Asano, da ONG Conectas. "Não adianta eles acabarem com as condicionantes do FMI e do Banco Mundial para os empréstimos, mas não colocarem nada no lugar. É preciso que haja regras sobre o impacto social e ambiental das obras financiadas", diz Asano.
"Na África vemos muitos desses grandes projetos, que ajudam elites locais mas acabam deslocando ou prejudicando populações vulneráveis", diz Patrick Bond da Universidade KwaZulu-Natal, na Africa do Sul. Uma das dificuldades apontadas pelos ativistas para dialogar com os Brics seria a falta de "cultura democrática" em países como a Rússia e a China.
"Temos preocupação que as discussões do banco sejam permeadas pela visão restritiva do (presidente russo Vladimir) Putin, que privilegia o sufocamento da liberdade de expressão e da crítica independente", disse a BBC Maria Laura Canineu, diretora da organização Human Rights Watch, que aproveitou os holofotes dos Brics para realizar, em São Paulo, uma conferência sobre as violações dos direitos humanos na Rússia.
"Um ou outro representante do governo brasileiro até tem comparecido a nossas reuniões, aparentemente com boa vontade, embora mais para dar informes que para dialogar", diz Tautz. "Mas o argumento deles é que (não conseguem incluir mecanismos para interlocução com movimentos sociais nos Brics porque) países como a China e a Rússia não estão acostumados a isso."