Bolsa de valores em alta e dólar em queda. Era com esse ânimo que o mercado respondia, em 2018, aos sinais de que Jair Bolsonaro seria eleito presidente.
O resultado das pesquisas se confirmou, mas poucos meses depois da posse da nova equipe a euforia esfriou.
Quando 2019 e o governo Bolsonaro começaram, a expectativa do mercado financeiro era de que o Produto Interno Bruto (PIB) cresceria mais de 2,5% no ano. Em maio, contudo, a previsão caiu para 1,45%, como mostra o boletim Focus, do Banco Central.
Os consumidores também estão menos animados, segundo dados do índice de confiança divulgado pela Fundação Getulio Vargas, que recuou em abril pelo terceiro mês consecutivo e atingiu o menor nível desde outubro de 2018.
A confiança dos empresários da área industrial também caiu em abril pela terceira vez seguida, de acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), e ficou no pior nível registrado em 2019.
"Quando Bolsonaro foi eleito, o mercado teve expectativa alta sobre uma agenda mais liberal, no sentido de destravar a economia, então você teve essa incorporação, mas baques no meio do caminho levaram à reversão dessas expectativas", resume a economista Vivian Almeida, professora do Ibmec.
O resultado oficial do crescimento da economia no primeiro trimestre do ano será divulgado em 30 de maio, mas a prévia do PIB (IBC-Br) indica uma retração de 0,68%.
O cenário tem influência de questões externas - como a guerra comercial entre Estados Unidos e China - e de fatores internos. Nesta reportagem, a BBC News Brasil explica, em três pontos, o que frustrou as expectativas do mercado em relação aos primeiros meses do governo Jair Bolsonaro:
1. Reforma da Previdência em marcha lenta
Considerada pelo governo e por especialistas como medida fundamental para ajustar as contas públicas, os pontos centrais da reforma da Previdência de Bolsonaro eram um mistério até o início do governo. Durante a campanha presidencial e até o governo de transição, a equipe não divulgou o que faria nessa área, embora defendesse a necessidade da reforma.
O texto que muda as regras de aposentadoria para servidores públicos civis e trabalhadores da iniciativa privada foi enviado ao Congresso em fevereiro e só passou pela primeira - e mais simples - etapa de votação em abril. Agora, está em avaliação pela comissão especial da Câmara.
Depois disso, o caminho é longo: precisa ser aprovado, em dois turnos de votação, tanto na Câmara quanto no Senado. Como altera a Constituição, precisa de 308 votos dos 513 deputados e do apoio de 49 dos 81 senadores.
Bolsonaro chegou a protagonizar em março uma troca de recados pública com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na qual insistia na tecla de que a responsabilidade pelo tema estava nas mãos do Congresso. O assunto chegou a ofuscar a agenda de Bolsonaro no Chile - primeiro país que ele visitou na América do Sul.
A postura do presidente em relação ao tema parecia transmitir a mensagem de que ele não havia abraçado a reforma. Semanas depois, no entanto, Bolsonaro passou a fazer um esforço maior de defender o texto durante entrevistas a canais de televisão no Brasil.
A economista-chefe da Fecomércio do Rio Grande do Sul, Patrícia Palermo, afirma que a aprovação da reforma da Previdência é a principal condição para incentivar investimentos de médio e longo prazo no país.
"O que eu estou ouvindo de muitos empresários do comércio é que, de certa forma, houve uma frustração em relação ao que muitos pensavam que iria acontecer. Definitivamente, o ritmo da agenda econômica está sendo mais devagar do que se esperava", completou.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a usar a expressão "fundo do poço" pra descrever a atual situação da economia brasileira e defender a necessidade de aprovação da nova Previdência.
"Independente do mercado querer que as coisas aconteçam rapidamente, a nossa realidade é que nós estamos no fundo do poço. Então, não adianta achar que nós vamos crescer por fora, que vamos crescer 3%. Não é a nossa realidade. A nossa realidade é o seguinte: estamos lá no fundo. Agora está nas mãos da Casa (Câmara) nos tirar do fundo do poço, com esse equacionamento fiscal", disse Guedes.
Vivian Almeida diz que a eventual dificuldade na relação do novo governo com o Congresso pode não ter sido levada em consideração antes do início do mandato, quando o mercado estava mais animado com a economia em 2019.
"Talvez o que tenha sido subestimado é também a questão política. A reforma da Previdência menos célere do que se gostaria e a sinalização de reforma mais desidratada impacta as expectativas."
O secretário de política econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, disse à BBC News Brasil que o mercado "apostava muito em um remendo e não em uma ampla mudança na Previdência".
"O que talvez alguns analistas de mercado apostassem é que o governo ia empurrar com a barriga, aprovar uma Previdência com impactos fiscais bem menores, e aí seria muito mais rápido, claro. Talvez isso explique a mudança de expectativas", afirmou Sachsida.
2. Comunicação: brigas no Twitter e contradições
O excesso de polêmicas envolvendo Olavo de Carvalho, "guru ideológico do atual governo", e os militares também tem atrapalhado a imagem do governo e passado a sensação de que falta "foco".
"O governo se envolve muito em questões que são secundárias, como as discussões no Twitter e brigas palacianas. O foco de toda ação deveria estar em questões primordiais, como ações efetivas para a economia andar, em especial, a Reforma da Previdência", disse Patrícia Palermo.
Depois de diversas trocas públicas de mensagens ofensivas de Olavo e militares, até o presidente da República se manifestou sobre as brigas.
No Twitter, depois da crise dominar o noticiário e as redes sociais, Bolsonaro divulgou uma mensagem na qual disse esperar que esses desentendimentos sejam "página virada por ambas as partes".
Questionado sobre os impactos dessas brigas públicas para a confiança do mercado no governo, Sachsida, que foi aluno de Olavo, disse que não vê problemas e que é "natural" haver esse tipo de discussão em qualquer partido.
"É natural que leve tempo para que as coisas se acomodem. Existem discussões no Twitter, no Facebook, mas se for olhar por aí, no PSDB tem discussões tão grandes quanto. No PT tem discussões tão grandes quanto. É natural que também em uma coalizão de centro-direita tenha pessoas que reclamem aqui, reclamem ali."
Outro problema na comunicação do atual governo está nas contradições de membros da equipe, o que transmite uma mensagem de pouco alinhamento.
Em abril, por exemplo, o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, disse ao jornal Folha de S.Paulo que o governo incluiria igrejas na cobrança de um novo tributo que acabaria com a contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento.
Logo depois, Bolsonaro divulgou um vídeo no Twitter no qual disse que foi "surpreendido" pela declaração de Cintra e afirmou que nenhum imposto será criado em seu governo, "em especial contra as igrejas".
3. Intervenção do governo
Bolsonaro foi eleito com a defesa de uma agenda liberal para a economia, com promessa de reduzir os gastos do governo federal e diminuir a interferência do Estado no mercado.
Durante a campanha, quando era perguntado sobre assuntos relacionados a economia, Bolsonaro sempre respondia que quem trataria do tema seria Paulo Guedes, que chamou de "meu Posto Ipiranga". E o mercado financeiro dava fortes sinais de que aprovava o nome de Guedes para conduzir a política econômica.
Os primeiros meses do governo, contudo, colocaram em dúvida os limites dessa "postura liberal" no Palácio do Planalto. A situação mais marcante foi a intervenção de Bolsonaro no preço do diesel, definido pela Petrobras. Em abril, ele determinou a suspensão de um reajuste previsto pela estatal.
No dia seguinte à intervenção de Bolsonaro, as ações da empresa caíram 8%. A perda, em valor de mercado, representou R$ 32,4 bilhões.
"O episódio da intervenção na definição do preço do diesel foi muito mal recebido pelo mercado", disse Patrícia Palermo. "E isso pôde ser verificado na queda do preço das ações da Petrobras. A interferência foi interpretada como uma ação política, impedindo que as forças de mercado agissem na definição do preço do diesel. Esse tipo de interferência, característica do governo Dilma, gerou perdas bilionárias à Petrobras", disse .
Para Sachsida, do Ministério da Economia, a atitude do presidente "foi mal interpretada".
"A Petrobras, parcela significante dela, pertence à União. O que o presidente perguntou foi por que estava aumentando o preço. Tão logo foi explicado, seguiu o jogo, normal. Não teve intervenção. Eu acho que a comunicação nossa falhou. A Petrobras tem toda liberdade de reajustar o preço."
Mesmo com a dificuldade do governo em negociar uma aprovação rápida da Previdência, Patrícia Palermo diz que o mercado segue com confiança na equipe de Paulo Guedes. Segundo ela, o governo tem "enorme dependência" da figura do ministro como fiador da política econômica.
"Se o ministro Paulo Guedes desembarcar do governo, a perda de confiança, especialmente entre o empresariado, deverá ser muito significativa."
A bolsa chegou a bater recorde depois de fala de Guedes sobre a Previdência em Davos, na Suíça, no começo do ano. O governo também comemorou, em março, o resultado do leilão de 12 aeroportos regionais, que arrecadou R$ 2,377 bilhões em outorga, que serão pagos à União na assinatura dos contratos. Foram leiloados três blocos, nas regiões Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste.
Na ocasião, Bolsonaro escreveu no Twitter: "A conquista demonstra a confiabilidade que o Brasil começa a resgatar no mundo todo depois um longo período de destruição e rebaixamento de nossa economia."
Veja também: