Após os indícios de contabilidade criativa no Orçamento, um grupo de 22 deputados, integrantes de 11 partidos, enviou uma carta ao presidente Jair Bolsonaro cobrando explicações sobre como o governo vai cumprir o teto de gastos, regra constitucional que limita o avanço das despesas à inflação, sem recorrer a "pedaladas fiscais", que resultariam em crime de responsabilidade, passível de impeachment.
A cobrança tem como motivação o fato de a base do governo ter endossado a aprovação do Orçamento com as modificações feitas pelo relator, senador Marcio Bittar (MDB-AC). O ato é considerado como uma "irresponsabilidade fiscal absoluta" pelo líder do Novo na Câmara, Vinicius Poit (SP), idealizador da iniciativa.
"As pessoas não fazem conta, é muito populismo. Estão pensando em 2022", afirma Poit. Para ele, atrapalha o fato de existir "dois governos": um fiscalista, representado pela equipe do Ministério da Economia, e outro mais político, que dá aval às manobras.
Como mostrou o Estadão/Broadcast, em nome de arranjar espaço para mais emendas parlamentares, a contabilidade criativa voltou com força na votação do Orçamento deste ano, com manobras artificiais para reduzir despesas obrigatórias - e que não podem ser facilmente canceladas - e abrir caminho a obras e outros gastos de interesse parlamentar.
Nas contas da assessoria técnica do Novo, o Orçamento aprovado pode acabar significando um estouro de R$ 43 bilhões no teto, caso nada seja feito. Isso porque a equipe econômica precisará recompor as dotações de gastos obrigatórios, que incluem benefícios previdenciários e subsídios ao programa de crédito à agricultura familiar.
Na carta, os parlamentares lembram que o próprio Ministério da Economia indicou na segunda-feira (22), às vésperas da votação do Orçamento, uma insuficiência de R$ 17,5 bilhões no teto de gastos. Já seria necessário um corte de despesas para evitar o descumprimento da regra. "Além de ignorar os R$ 17,5 bilhões, o Congresso travou mais R$ 26 bilhões", afirma Poit.
"Ressalta-se que a base do governo na Câmara e no Senado Federal se manifestou pela aprovação da PLOA 2021 nesses moldes, estando de acordo com as condições precárias do texto. O ato foi de grande irresponsabilidade com as contas públicas do País, produzindo um Orçamento que não condiz com a realidade e não tem como prioridade a saúde pública ou qualquer medida relacionada à pandemia da covid-19", diz um trecho do documento.
Ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) é um dos parlamentares que endossam a cobrança feita a Bolsonaro. "O Parlamento ignorou o relatório bimestral do governo mostrando a necessidade de cortes de R$ 17 bilhões e ainda fez novos cortes em despesas obrigatórias. Se o governo não estiver com o dado na sanção, vai acabar aprovando um orçamento criativo como no passado, (pelo qual) o próprio ministro Paulo Guedes criticou tanto os governos do PT", afirma Maia. Para ele, um contingenciamento pode se mostrar necessário para evitar o estouro do teto.
A carta tem o apoio de parlamentares das siglas Novo, DEM, PSB, PSL, PSD, PSDB, PV, Avante, PV, PDT e PT.
"Solicitamos assim o detalhamento por parte do governo federal das providências a serem tomadas para o devido ajuste das contas, explicitando as áreas que serão afetadas, de forma transparente. Pedimos, ainda, a adoção de medidas que mitiguem os danos que essas manobras possam causar à população, que vive atualmente em estado de insegurança com a crise causada pela pandemia do coronavírus", diz a carta.
Além de Poit e Maia, assinam o documento os deputados Adriana Ventura (Novo-SP), Alexandre Frota (PSDB - SP), Alexis Fonteyne (Novo-SP), André Janones (Avante-MG), Enrico Misasi (PV-SP), Fábio Trad (PSD-MS), Felipe Carreras (PSB-PE), Felipe Rigoni (PSB - ES), Gilson Marques (Novo-SC), Júlio Delgado (PSB-MG), Junior Bozzella (PSL-SP), Kim Kataguiri (DEM-SP), Lucas Gonzalez (Novo-MG), Marcel van Hattem (Novo-RS), Paulo Ganime (Novo-RJ), Paulo Teixeira (PT-SP), Professor Israel Batista (PV-DF), Rodrigo Agostinho (PSB-SP), Tabata Amaral (PDT-SP) e Tiago Mitraud (Novo-MG).