Ruth Costas e Luís Guilherme Barrucho*
Da BBC em São Paulo
Em Nova York, no início da semana, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, prometeu que a divulgação do balanço auditado da Petrobras de 2014 "acabaria com as preocupações dos investidores" e marcaria "um novo passo na reconstrução da empresa".
O anúncio dos demonstrativos financeiros da Petrobras estava atrasado em cinco meses, porque a auditoria independente PricewaterhouseCoopers (PwC) vinha se recusando a chancelar os resultados contábeis da estatal desde que a Operação Lava Jato revelou a escala do esquema de corrupção que envolvia o superfaturamento de projetos da empresa.
O balanço auditado, publicado nesta quarta-feira, mostra que a Petrobras teve prejuízo de R$ 21,6 bilhões em 2014, ante a um lucro de R$ 23,4 bilhões no ano anterior.
As perdas foram tão grandes devido a uma reavaliação do valor dos ativos da estatal de R$ 44,3 bilhões, atribuída a problemas de planejamento, adiamento de projetos e à queda do preço do petróleo.
Além disso, foi registrada uma baixa de R$ 6,2 bilhões referentes ao esquema de corrupção revelado pela Lava Jato ─ pelo qual o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, foi condenado a sete anos e seis meses de prisão nesta sexta-feira.
A publicação desses resultados em alguma medida é de fato um alívio, porque sem um balanço auditado, alguns credores poderiam pedir o pagamento antecipado de US$ 56 bilhões em dívidas da empresa ─ o que poderia levá-la a insolvência.
Mas a reavaliação total de ativos é superior ao que a maior parte do mercado esperava (até R$30 bilhões), embora seja inferior aos R$ 88,6 bilhões de uma estimativa preliminar divulgada em janeiro pela então presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster.
"Soltar fogos porque temos um balanço é um exagero. A Petrobras voltou à posição de largada", opina David Zylbersztajn, ex-diretor-geral da ANP (Agência Nacional do Petróleo) e sócio-diretor da consultoria DZ Negócios com Energia.
Muitos especialistas do setor concordam que superar essa questão do balanço auditado pode ser um primeiro passo para recuperar a empresa, mas também há certo consenso de que está longe de garantir que não haverá retrocessos.
Conselho de administração
Uma assembleia geral de acionistas deverá eleger os novos integrantes para o conselho de administração da empresa no dia 29.
O conselho deve ser presidido pelo diretor-executivo da Vale, Murilo Ferreira, indicado pela União em março. Em Nova York, Levy disse que os outros indicados serão profissionais do setor privado "que podem dedicar mais tempo para supervisionar a companhia".
Esse colegiado é formado por dez membros, sendo sete escolhidos pelo acionista controlador ─ a União ─, dois pelos outros acionistas e um pelos trabalhadores da empresa. Também será renovado o conselho fiscal, que tem cinco membros ─ três indicados pela união e dois pelos outros acionistas.
Para Paulo Paiva, professor de Economia da Fundação Dom Cabral, o mercado está tentando entender se "o novo conselho de administração poderá atuar com total autonomia e independência", defendendo interesses da empresa ─ e não do governo.
Para muitos economistas, as finanças da estatal teriam sido prejudicadas nos últimos anos por uma política de preços dos combustíveis com o objetivo de conter a inflação.
"Por isso, ao analisar o novo colegiado, o que queremos saber é se a influência política vai continuar a ser forte na Petrobras", diz Wilber Colmerauer, diretor do Emerging Markets Funding, em Londres.
Dívida
A Petrobras tem uma dívida de mais de US$ 100 bilhões. Em outubro passado, um relatório do Bank of America Merril Lynch já a qualificava como a empresa mais endividada do mundo e a alta do dólar complicou ainda mais a situação da empresa ─ que tem cerca de 80% das suas dívidas na moeda americana.
"Para piorar, a geração de caixa da empresa está praticamente estagnada", diz Cássia Inez, analista de investimentos da Lopes Filho & Associados.
Em uma tentativa de melhorar sua situação financeira, a estatal pretende vender US$ 13,7 bilhões em ativos entre 2015 e 2016. E o desafio da sua nova direção é negociar as melhores condições para essas vendas.
"Não será tarefa fácil dado o prazo relativamente curto em que isso deve ser feito e o ambiente pouco favorável criado pelo novo patamar dos preços do petróleo", diz Inez.
A analista lembra que, para atenuar seu aperto financeiro, a Petrobras também tem buscado financiamento junto a bancos públicos e privados. "Ela costumava emitir títulos nessa época do ano para rolar a dívida, mas sem um balanço auditado essa não era uma opção."
Plano de investimentos
Com base no balanço de 2014 e na nova realidade do câmbio e dos preço do petróleo (que caiu 50% desde junho), a Petrobras terá de rever seus planos de investimento, enxugando gastos e cortando projetos.
A ex-presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, chegou a anunciar que a Petrobras deveria reduzir em 30% seus investimentos este ano.
Gesner Oliveira, professor de Economia da Fundação Getúlio Vargas explica que essa é uma decisão que deve afetar não só a estatal, mas a economia brasileira como um todo. "O investimento da Petrobras representa 2% do PIB brasileiro", diz ele.
Colmerauer ressalta que também há apreensão no mercado sobre a situação de fornecedores e parceiros da Petrobras envolvidos na Lava Jato e como isso pode afetar os projetos da empresa.
A Schahim, responsável pela operação de três plataformas do pré-sal, por exemplo, pediu recuperação judicial recentemente.
"A empresa vai ter de deixar claro nos próximos meses o que vai acontecer com seus megaprojetos", diz Colmerauer.
Corte de investimentos da Petrobras deve afetar economia brasileira
Governança corporativa e melhorias de gestão
Ao incluir em seu balanço de 2014 uma estimativa dos custos da corrupção para a empresa, a Petrobras ganha pontos no quesito transparência segundo economistas e analistas do setor.
Como diz Paiva, o recado é que ela quer "virar a página dessa situação de falta de transparência e má gestão".
Nos últimos meses a companhia anunciou a criação de um comitê de investigação sobre as denúncias e de uma diretoria de governança corporativa.
Também incluiu 25 empresas envolvidas na Lava Jato em uma espécie de lista negra de companhias que não podem assinar novos contratos com a estatal.
Mas ainda há incertezas sobre a efetividade desses novos mecanismos. Além disso, analistas pontam a necessidade de aprimorar questões relativas ao planejamento, implementação e fiscalização de projetos.
"A Petrobras está claramente precisando de melhorias em seus processos de planejamento e gestão. Nos últimos anos, muitas obras não cumpriram seus cronogramas e foram aprovadas uma infinidade de aditivos aos contratos", diz Inez.
"A empresa precisa sinalizar com clareza que daqui para frente haverá melhorias nessas áreas que levem a um aumento da produção e geração de caixa."
Processos nos EUA
Outra sombra sobre o futuro financeiro da Petrobras diz respeito aos processos abertos contra a empresa nos Estados Unidos.
O Departamento de Justiça dos EUA (DoJ) e a SEC (Securities Exchange Comission, a comissão de valores mobiliários americana) investigam se a empresa feriu a lei anticorrupção e regulações relativas ao mercado de capitais no país.
Além disso, investidores que se dizem prejudicados pela repercussão do caso de corrupção envolvendo a empresa entraram com ações coletivas contra a estatal na Justiça americana.
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Érica Gorga, professora da FGV e diretora-executiva do Yale Law School Center for the Study of Corporate Law, lembra que há alguns anos, a Aracruz Celulose e a Sadia tiveram de pagar, respectivamente, US$ 37,5 milhões e US$ 27 milhões, respectivamente, em acordos judiciais nos Estados Unidos como resultado de ações coletivas de investidores.
Ela calcula que a Petrobras pode ter de desembolsar de 10 a 15 vezes o valor pago pela Aracruz como resultado dessas ações coletivas e outros milhões de dólares em função das possíveis ações do DoJ e da SEC.
"Acho que o valor total a ser pago pela Petrobras nos EUA (em multas e indenizações) pode passar da casa do bilhão", diz ela.
Gorga acredita que já no fim do ano é provável que haja mais clareza sobre que tipo de acusações as autoridades americanas levarão adiante contra a petrolífera brasileira.
"Com base em casos anteriores podemos estimar que haveria uma definição sobre esse caso em dois ou três anos, mas é claro que podem haver imprevistos".
*Colaborou Daniel Gallas