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Por que 20 anos não foram suficientes para que Mercosul e UE concluíssem tratado comercial

Processo corre novamente o risco de ser paralisado a apenas dois meses da data estimada para o fim das negociações.

19 out 2017 - 19h16
(atualizado às 20h14)
Bandeira do Mercosul
Bandeira do Mercosul
Foto: BBC News Brasil

A dois meses da data estimada por Mercosul e União Europeia para concluir as negociações de um tratado de livre-comércio, o processo, iniciado há quase vinte anos, corre novamente o risco de ser paralisado.

O problema desta vez é o desejo do presidente francês, Emmanuel Macron, de atualizar o mandato concedido pelos governantes europeus à Comissão Europeia (braço Executivo do bloco) para negociar com o bloco sul-americano, uma ideia que ele defenderá nesta quinta-feira, em uma cúpula em Bruxelas.

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Se os líderes europeus concordarem com a ideia, as negociações deverão ser suspensas até que o novo mandato seja emitido, um processo que poderá demorar mais de dois anos.

"Levará alguns anos só para negociar (entre os países europeus) o que será esse novo mandato e apresentar à outra parte (Mercosul), que também precisa aceitar os termos. Depois (o novo mandato) tem que ser aprovado pelos governos dos 28 (membros). E quando tudo isso for feito, teremos que recomeçar (as negociações) do zero", explicou Edita Hrdá, diretora para América Latina no Serviço Europeu de Ação Exterior, quem lidera as negociações, à BBC Brasil.

20 anos de desencontros

Os representantes europeus não questionam a necessidade de atualizar um mandato concedido há vinte anos, quando comércio digital, transferência de dados, desenvolvimento sustentável, aquecimento global e cibercrime ainda não eram temas relevantes nas relações bilaterais.

No entanto, devido à pressão do tempo, preferem usar "maneiras criativas" para introduzi-los nas negociações sem que seja necessário mudar oficialmente o atual mandato, afirmou outro executivo que participa do processo, que pediu anonimato porque não está autorizado a se pronunciar sobre o assunto.

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Emmanuel Macron
Foto: BBC News Brasil

Durante os quase vinte anos em que as negociações com o Mercosul avançaram, recuaram, foram suspensas (em 2012) e relançadas (em 2016), a UE foi capaz de concluir tratados comerciais com Japão, Canadá, Colômbia, Peru, América Central e está a ponto de finalizar a modernização de seu acordo com México.

No caso do Mercosul, os europeus lidaram durante anos com um bloco internamente dividido, lembra Eleonora Catella, conselheira comercial da associação empresarial europeia Business Europe.

"No passado, o Mercosul teve problemas políticos e havia diferenças entre o nível de abertura que queria cada país. Hoje vemos que esses países, pela primeira vez, estão na mesma página com alto nível de ambição."

Segundo o executivo europeu que participa das negociações, o bloco sul-americano "não é mais difícil que outros" países com os quais a União Europeia concluiu acordos recentemente.

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O Mercosul está disposto a fazer concessões em matéria de serviços, indústria e licitação pública, os setores mais importantes para a UE, assegura a fonte.

Catella concorda: "O problema agora é o contexto interno em países europeus: a Alemanha ainda não formou governo e na França há um novo presidente".

Estratégia

A representante dos empresários europeus não descarta que a manobra de Macron na cúpula desta semana seja uma estratégia para ganhar tempo frente à pressão dos agricultores franceses, descontentes com a oferta de abertura para carnes e etanol sul-americanos apresentada pela UE na última rodada de negociação com o Mercosul, no início do mês, em Brasília.

"A agricultura sempre foi um ponto sensível nessas negociações. Tem havido muitos protestos. Os agricultores temem o impacto de uma maior concorrência. Macron foi eleito recentemente, está tentando acalmar a situação", afirma também Pieter Cleppe, diretor do centro de reflexão Center for Open Europe em Bruxelas.

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Campo
Foto: BBC News Brasil

Ele acredita que a pressão do lobby agrícola europeu, mais forte na França e na Irlanda, mas apoiado por outros nove países, é um problema recorrente nas negociações entre europeus e sul-americanos.

"Em qualquer negociação comercial, o tipo de exportação determina que tipo de lobby sairá ao ataque. No caso do Mercosul, temos o maior exportador de carne e maior produtor de etanol e de commodities (o Brasil). Não é surpresa que os agricultores peçam protecionismo", diz Cleppe.

Agricultura como vilã

Associações europeias de agricultores, como a poderosa Copa-Cogeca, afirmam que o acordo com o Mercosul causaria perdas de até 7,8 bilhões de euros para o setor agrícola da UE.

Na França, primeiro produtor agrícola europeu e segunda potência da zona euro, o setor enfrenta uma grave crise. Sua participação na economia nacional caiu pela metade desde 1980 e representa hoje 1,5 por cento do PIB, uma porcentagem que sobe para 3,6 por cento incluindo a indústria agroalimentar.

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"O lobby agrícola é muito forte em qualquer parte do mundo. É de sua natureza. A alimentação é um setor estratégico. Na Europa esse lobby é muito bem organizado e usa argumentos fortes", observa o analista do Center for Open Europe.

Se a agricultura europeia desaparecer em consequência da concorrência do Mercosul, o bloco passaria a depender de importações, afirmam os produtores europeus.

"Mas o exemplo da Nova Zelândia mostra que a abertura do mercado agrícola pode, ao contrário, levar a um aumento na produção local", observa Cleppe.

Os agricultores europeus também argumentam que seus competidores sul-americanos não estão submetidos às mesmas regras e padrões sanitários e de qualidade impostos na UE e mencionam fraudes como as denunciadas no Brasil pela operação Carne Fraca, no ano passado.

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Essa tese é refutada pela Comissão Europeia, que destaca que um eventual tratado comercial harmonizará regras e sistemas de controle.

Para Cleppe, o interesse do lobby agrícola europeu prevalece porque falta organização dos lobbies dos setores mais interessados no acordo, não só industrial ou de serviços, mas também de consumidores.

"O lobby de consumidores deveria pressionar pela abertura comercial, porque o interesse dos consumidores deve estar em primeiro lugar - e para os consumidores é bom ter mais opções", defende o analista.

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