Um tuíte de Donald Trump publicado durante um voo no Air Force One, o avião presidencial dos EUA, fez balançar os alicerces da diplomacia internacional.
Trump ficou irritado com comentários do primeiro-ministro canadense Justin Trudeau, anfitrião do evento, feitos numa coletiva de imprensa já no fim do encontro do G7, que reuniu líderes das sete maiores economias do mundo (EUA, Canadá, França, Alemanha, Reino Unido, Itália e Japão) no final de semana.
As declarações de Trudeau foram feitas depois que o presidente americano deixou o evento - rumo a Cingapura, onde se reúne nesta terça-feira (12) com o líder norte-coreano Kim Jong-un.
"Com base nas declarações falsas de Justin em sua entrevista coletiva e no fato de que o Canadá está cobrando tarifas pesadas dos nossos fazendeiros, trabalhadores e empresas dos Estados Unidos, eu instruí nossos representantes a não endossarem o comunicado enquanto examinamos as tarifas sobre automóveis que inundam o mercado dos EUA!", escreveu o presidente, retirando o apoio ao documento que tinha sido arduamente negociado pelos líderes do G7.
Trump também escreveu que o premiê canadense fora "muito desonesto e fraco".
https://twitter.com/realDonaldTrump/status/1005586152076689408
Na coletiva, Trudeau reafirmou sua oposição a tarifas sobre aço e alumínio impostas pelos EUA e defendeu a introdução de ações retaliatórias a partir de 1º de julho.
O gabinete de Trudeau informou que as críticas do primeiro-ministro canadense a Trump na conferência de imprensa foram apenas uma reiteração do que ele já havia lhe dito pessoalmente. "O primeiro-ministro não disse nada que não tivesse dito antes - tanto em público como em conversas privadas com o presidente."
Caminho para período sombrio
O comportamento de Trump, incomum em reuniões de cúpula desse porte, causou surpresa e preocupação no mundo diplomático, onde muitos preveem o retorno a tempos de relações difíceis marcadas por divisões.
Christopher Meyer, diplomata experiente que foi embaixador do Reino Unido nos EUA entre 1997 e 2003, disse ao programa Newshour da BBC que nunca vira nada parecido, a não ser no crepúsculo da Segunda Guerra (1939-1945).
"Já tinha visto pessoas fazendo interpretações diferentes de um texto ambíguo, mas o que aconteceu não tem precedente desde 1945."
Desde que chegou ao poder em 2017, Trump tem se afastado de parceiros tradicionais dos Estados Unidos, com decisões como a retirada do Acordo do Clima de Paris, tratado firmado em 2015 para reduzir a emissão de dióxido de carbono a partir de 2020, ou a imposição de tarifas sobre produtos importados pelos EUA.
Meyer vê nesses passos o desejo de alcançar "um retorno à ordem da política de potências que ocorreu no século 19".
O ex-embaixador também identifica na política de Trump a recuperação de "conceitos como o equilíbrio de poder ou esferas de influência que caíram em desuso após a Segunda Guerra Mundial", quando foram estabelecidos os mecanismos de cooperação multilateral.
"Nós já vimos a miséria que (os conceitos que caíram em desuso) trouxeram para a raça humana", conclui Meyer.
Esquentando o clima
Embora o presidente dos EUA tenha focado seus tuítes nas diferenças com o Canadá sobre tarifas, o embaixador Meyer acredita que existem outras razões por trás da reação de Trump.
Já no início da cúpula, Trump havia esquentado o clima ao exigir a reintegração da Rússia no clube das maiores economias globais, do qual fora expulsa em 2014 após a anexação da península ucraniana da Crimeia. As sanções contra a Rússia, contudo, foram mantidas.
O clima de tensão no encontro foi capturado por uma foto divulgada pelo governo alemão, no qual a líder alemã Angela Merkel aparece de pé, gesticulando na direção de Trump, o único que está sentado, de braço cruzados, com cara de quem não está satisfeito.
Os líderes do G7 chegaram ao fim da cúpula assinando um documento enfatizando a importância do livre comércio e a necessidade de modernizar a Organização Mundial do Comércio para torná-la mais justa. Também firmaram acordo em relação à promoção da igualdade de gênero, proteção dos oceanos e das democracias - contra interferências externas.
Mas Meyer observa que Trump não é entusiasta de acordos em bloco. "Sabemos que ele odeia reuniões multilaterais e prefere negociações bilaterais", disse o ex-embaixador britânico.
Para Meyer, embora a atual ordem mundial tenha sido estabelecida no final da Segunda Guerra Mundial, especialmente graças à iniciativa americana, o atual ocupante da Casa Branca não demonstra nenhum apego pelo arranjo internacional. Por isso, acredita o ex-embaixador, Trump rejeita fóruns multilaterais como o G7.
"Vemos que Trump é o grande perturbador mundial", disse Meyer. Para ele, trata-se de "alguém que está fazendo cair pedaços da arquitetura da ordem internacional", baseada em ações coletivas e que têm como parâmetros decisões votadas por organismos internacionais como as Nações Unidas e a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
Meyer acredita que, se Washington persistir em sua política atual, "pode ser que toda essa estrutura acabe demolida para ser substituída sabe-se Deus o quê". O ex-embaixador pondera, contudo, que isso está longe de acontecer. Mas ele suspeita que Trump gostaria de algo diferente para substituir o G7.
A visão de mundo de Trump e seus assessores se baseia, segundo o diplomata, numa visão "antiga de grandes potências que rivalizam umas com as outras, que negociam umas com as outras e, às vezes, lutam em guerras umas com as outras".
"Me parece que esse tipo de pensamento conta com a simpatia de Trump e do novo assessor para assuntos de segurança nacional, John Bolton", diz Meyer. O ex-diplomata diz que essa visão é a mesma de Pequim e Moscou.
"O que russos e chineses mais querem é um grande acordo entre as grandes potências China, Rússia e Estados Unidos num novo G3".