No deserto em San Luis Potosí, Estado da região central do México, um esqueleto de uma fábrica da Ford parcialmente construída pode ser visto no horizonte.
A estrutura serve a moradores de cidades próximas como lembrança constante de uma promessa não cumprida.
Jose Puebla Ortiz foi quem vendeu o terreno para a montadora americana erguer uma fábrica, orçada em US$ 1,6 bilhão (R$ 5 bilhões), e ainda se ressente ao pensar na prosperidade econômica que vislumbrava para sua família.
Ele usou o dinheiro que ganhou para comprar um caminhão e esperava trabalhar como prestador de serviço durante a construção da unidade, mas, desde que a Ford mudou de ideia, ele tem enfrentado dificuldades para encontrar um emprego com bom salário.
"Quando a Ford chegou, pensamos que tudo ficaria bem. Iam investir, tinham dinheiro", diz ele. Agora, a fonte secou. Em janeiro deste ano, a montadora anunciou que não prosseguiria com as obras.
"Decidiram ir embora e, de repente, disseram para nós: 'Acabou, não vamos continuar, estamos indo, isso foi cancelado'. E não havia nada que pudéssemos fazer", conta.
O presidente da Ford à época, Mark Fields, explicou que a decisão se devia à queda nas vendas de carros compactos que a empresa pretendia fabricar ali.
Mas reconheceu que a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas e o "ambiente de negócios melhor" que a empresa esperava a partir dali também influenciaram.
Trump
Durante a campanha e desde que assumiu a Presidência dos Estados Unidos, Trump criticou montadoras, como a GM e a Toyota, por usarem fábricas no México para fazerem os carros vendidos no país.
Ele também já declarou que deseja renegociar o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta, na sigla em inglês), em sua visão, uma das causas da perda de postos de trabalho nos Estados Unidos.
O pacto firmado pelos americanos com o Canadá e o México em 1994 criou uma das maiores zonas comerciais do mundo ao reduzir ou eliminar taxas sobre a maioria dos produtos.
É o tipo de pressão que os moradores do deserto mexicano temiam.
"É por causa de Trump que a fábrica não foi construída aqui - ele disse que se fosse presidente, isso aconteceria. Ele se tornou presidente e cumpriu sua promessa", diz Fidel Ribera, que trabalhou na construção da fábrica da Ford.
Para muitos em San Luis Potosí, a Presidência de Trump é vista como uma ameaça real. Mas, para a maioria dos economistas, políticos e analistas, quando ele diz que deseja sair do Nafta, não passa de uma bravata.
Nafta
Eduardo Solís Sánchez é presidente da Amia, organização que representa o setor automotivo mexicano.
Ele diz acreditar que o sistema de pesos e contra-pesos dos Estados Unidos, no qual diferentes poderes do Estado têm a mesma autoridade e exercem controle uns sobre os outros, manterá o acordo de pé.
Sánchez cita também a interdependência das indústrias de veículos dos países do bloco como outro aspecto que pesa a favor do acordo.
"Alguém deveria explicar a Trump como tudo funciona", diz Manuel Molano, do Instituto de Competitividade Mexicano.
"O petróleo vira plástico no México e vai para os EUA, onde se torna uma peça mais sofisticada de um carro, que, então, volta ao México, onde vira um motor e, por fim, volta aos EUA, onde vira parte de um carro completo", explica.
Em média, peças de automóveis fabricadas na América do Norte cruzam oito vezes a fronteira dos Estados Unidos com o México ou com o Canadá.
Ou seja, restringir o Nafta ou impor impostos de importação nesse tipo de produto feito nos países vizinhos pode custar postos de trabalho nos Estados Unidos.
Autoridades mexicanas apostam que o governo americano não irá atirar no próprio pé, mesmo que Trump tente mudar o papel do país na economia global. É uma aposta que eles não podem se dar ao luxo de perder.
A indústria automotiva responde por 6% do Produto Interno Bruto (PIB) do México e por 25% de suas exportações.
Em pouco mais de 20 anos, o país passou de uma economia relativamente isolada para o quarto maior exportador de veículos - atrás de Alemanha, Coreia do Sul e Japão.
Para o economista Jonathan Heath, o Nafta consolidou a abertura da economia mexicana.
"Foi quando sua indústria automotiva floresceu. Hoje, quase todas as montadoras estão presentes no México", afirma.
Não foi apenas o Nafta que atraiu empresas como BMW, Nissan e GM. O país tem acordos comerciais com 45 países, e sua localização, na fronteira com os Estados Unidos e com acesso aos oceanos Pacífico e Atlântico, tornam o México um centro comercial ideal para esse setor.
Mas qualquer mudança no acordo com os Estados Unidos pode representar um grande golpe. O México exportou 77% de seus automóveis para o país vizinho no ano passado.
Ainda assim, Sánchez, da Amia, admite que, 23 anos após entrar em vigor, o Nafta poderia ser atualizado e que a indústria automotiva mexicana gostaria de vê-lo "aprofundado e modernizado".
Mas, para mexicanos que se beneficiaram do acordo, como Ortiz e seus colegas no deserto, mudanças trazem um risco.
"Temos pessoas aqui da comunidade que trabalham na BMW, na GM. Imaginávamos que com a Ford teríamos muito trabalho, o suficiente para todos. Mas agora a Ford cancelou tudo, e não há nada que possamos fazer", lamenta.