Após três semanas de recesso parlamentar, período marcado por turbulências em torno de falas do presidente Jair Bolsonaro, a Câmara dos Deputados retoma os trabalhos nesta terça-feira (5) buscando concluir a análise da Reforma da Previdência nessa semana.
No início de julho, a proposta foi aprovada em primeiro turno com larga vantagem (379 votos a 131), mas sofreu algumas alterações importantes em relação ao texto original sugerido pelo governo, que reduziram o valor a ser economizado em 10 anos de R$ 1,236 trilhão para R$ 933 bilhões, segundo a equipe econômica. Por ser uma tentativa de mudança da Constituição, a reforma precisa agora ser aprovada em segundo turno, antes de seguir para o Senado.
Parlamentares que engrossaram o largo placar favorável à reforma na primeira votação acreditam que o apoio amplo deve se repetir no segundo turno. Opositores da reforma esperavam que o recesso parlamentar, momento em que os deputados passam mais tempo em suas bases, em contato com os eleitores, pudesse aumentar a pressão contra a reforma, mas mesmo congressistas eleitos pelo Nordeste, região onde o governo tem menos força, disseram à BBC News Brasil que estão convictos em seguir apoiando as mudanças na aposentadoria.
"Eu construí meu voto (a favor da reforma) na minha base. Não sofri qualquer tipo de cobrança. Pelo contrário, estou mais fortalecido e favorável", garante o deputado Alex Santana, do PDT da Bahia, que enfrenta com mais sete colegas de bancada um processo no conselho de ética do seu partido por ter apoiado a reforma no primeiro turno.
Já as declarações feitas nas últimas semanas por Bolsonaro - que, entre outras coisas, negou que exista fome no Brasil, se referiu ao povo nordestino como "paraíba" e atacou o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, agredindo a memória de seu pai, Fernando Santa Cruz, desaparecido político durante a ditadura militar - tumultuam o clima no Congresso, mas não devem impedir a aprovação da reforma.
"É óbvio que essas declarações do presidente fazem com que a Câmara volte (ao trabalho) em um clima ruim, de tensão, desviando a energia necessária do que é mais importante. No entanto, não acho que isso vai chegar a contaminar a votação da Reforma da Previdência", disse o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), que presidiu a Comissão Especial que analisou as mudanças na previdência.
O que poderia complicar a votação, destaca o analista político Lucas Aragão, da consultoria Arko Advice, é se Bolsonaro voltasse a atacar pesadamente o Congresso. Os parlamentares, porém, deixaram de ser alvo da metralhadora verbal do presidente.
"Bolsonaro passou por uma linha de aprendizado (na relação com o Congresso)", afirma Aragão. "E reforma da previdência se tornou uma pauta do Congresso", reforça, ao minimizar o impacto das últimas declarações do presidente.
Oposição tentará novas alterações
O texto aprovado em primeiro turno na Câmara aumenta o tempo mínimo exigido para se aposentar, limita o benefício à média de todos os salários, eleva as alíquotas de contribuição para servidores públicos com salário acima do teto do INSS (hoje em R$ 5.839) e estabelece regras de transição para os atuais assalariados.
As principais mudanças em relação à proposta original do governo foram a exclusão da tentativa de alterar o BPC (benefício pago a idosos em extrema pobreza) e a aposentadoria rural e de criar um regime de capitalização (em que cada trabalhador contribuiria para sua própria aposentadoria separadamente).
Além disso, a Câmara suavizou as mudanças propostas para mulheres e algumas categorias, como professores e policiais federais.
Outra alteração importante foi a retirada dos servidores públicos de Estados e municípios da reforma, algo que os senadores poderão retomar quando analisarem a matéria.
Antes, para que a reforma receba o aval final da Câmara, será preciso aprovar novamente o texto que resultou da análise em primeiro turno com o apoio de ao menos 308 dos 513 deputados.
Em seguida, a oposição ainda tentará suavizar mais a reforma, mas agora isso é mais difícil. No segundo turno, só é possível apresentar propostas para suprimir pedaços do texto, sem fazer acréscimos. Para que eles sejam rejeitados, é preciso 308 votos também.
A líder da Minoria, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), disse que os partidos de oposição apresentarão os nove destaques aos quais têm direito. Um deles busca garantir um piso de um salário mínimo para as pensões, mesmo quando o beneficiado tiver outra renda.
O secretário de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Rogério Marinho, disse ao portal G1 que essa mudança reduziria em mais R$ 130 bilhões a economia esperada com a reforma em 10 anos. Essa proposta, porém, já foi rejeitada na votação em primeiro turno.
Segundo Feghali, outro destaque que será apresentado busca retirar da reforma o endurecimento das regras de aposentadoria para trabalhadores que exercem atividades com exposição a agentes nocivos químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde. Como o impacto fiscal é pequeno nesse caso, a deputada reconhece que as chances de aprovação são maiores.
"Vamos continuar negociando, vamos mostrar o impacto financeiro, que é pequeno em alguns desses destaques, e além disso estamos contando com alguma sensibilização feita no recesso parlamentar, na base eleitoral dos deputados", disse a líder da minoria.
A expectativa é que o segundo turno seja concluído nesta semana, ou no início da próxima.
Toma lá da cá?
A votação da reforma em primeiro turno na Câmara dos Deputados foi marcada por um forte volume de emendas parlamentares liberado às vésperas da apreciação da proposta. O governo fechou o mês de julho com R$ 3 bilhões empenhados (primeira etapa para liberação de recursos) para esses gastos, quarto maior mês desde janeiro de 2016.
As emendas são despesas que os parlamentares podem inserir no Orçamento Federal voltado para suas bases, como construção de uma ponte, uma quadra de esportes ou melhorias em um hospital. Desde 2016 sua liberação pelo governo passou a ser obrigatória, mas o momento dessa liberação ao longo do ano ainda é controlado pelo governo.
Por enquanto, o Siga Brasil, ferramenta que permite monitorar o pagamento de emendas, não mostra nova alta nesses gastos. Até o dia 3 de agosto, foram empenhados apenas R$ 22 milhões.
Nos bastidores, porém, deputados seguem pressionando por mais recurso, inclusive pedindo emendas "extras", além do obrigatório. Isso pode ser feito com o governo destinando para cidades da base eleitoral dos deputados recursos de programas federais que já estão previstos nos ministérios.
"O que vai definir se vai haver problema ou não para a votação (nesta semana na Câmara) é menos a matéria e mais se o governo vai completar o compromisso dele de liberação de emendas ou não", disse à BBC News Brasil um deputado do Centrão (grupo que reúne partidos que não estão na base do governo, nem na oposição).
O governo também tem acenado com a distribuição de cargos da máquina federal nos Estados como forma de atrair votos. O jornal Diário do Nordeste noticiou em 15 de julho que o ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, solicitou indicações de 11 deputados do Ceará que apoiaram a reforma no primeiro turno, para órgãos como o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, Companhia Docas do Ceará, Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Um dos parlamentares do grupo, Vaidon Oliveira (Pros-CE), porém, disse à BBC News Brasil que sua indicação não se concretizou até agora.
"Meu apoio à reforma é anterior a isso. Indicar cargo político não é nenhum demérito. A gente faz parte da gestão e quer contribuir. Se eu puder indicar alguém, vou indicar alguém competente e da área", afirmou.
Oliveira contou também que não volta do recesso parlamentar pressionado a mudar seu voto: "Aqui no Nordeste (o povo) está muito dividido. A esquerda aqui é muito forte, mas a população já entende a necessidade da reforma. É esse sentimento que estou sentindo de boa parte da população: (a reforma) é ruim, mas tem que fazer".
O que esperar do Senado?
Caso a reforma de fato receba o aval final da Câmara, ela segue para o Senado, onde primeiro será analisada na Comissão de Constituição e Justiça. Depois, a proposta terá que ser também aprovada em dois turnos no plenário da Casa, com apoio de ao menos 49 dos 81 senadores.
Se houver mudanças no texto, a parte alterada terá que retornar à Câmara para nova análise. Caso o Senado aprove parte do texto com teor idêntico ao aprovado na primeira análise dos deputados, essa parte poderá entrar em vigor enquanto o restante passar por nova votação na Câmara.
O governo e senadores favoráveis à reforma dizem que é possível aprovar em dois turnos a proposta no Senado em setembro ou no início de outubro. Já o analista político Lucas Aragão, da consultoria Arko Advice, prevê um trâmite um pouco mais longo.
"Acredito na aprovação em outubro ou novembro. Os senadores vão querer debater a propostas, até para dar satisfação a seus eleitores", afirma.
O relator da matéria será o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). Ele pretende fazer a inclusão dos Estados e municípios na reforma por meio da apresentação de uma proposta separa da emenda à Constituição.
"Acho que é essencial (incluir Estados e municípios). Estamos estudando com a nossa assessoria técnica qual é a saída que temos a aplicar e, a princípio, a ideia é uma PEC paralela. Uma das funções do Senado é manter o equilíbrio federativo", disse à Agência Senado.
Para Lucas Aragão, é provável que essa proposta em separado seja aprovada no Senado. No entanto, ele vê dificuldade do tema prosperar depois na Câmara.
"Se a inclusão de Estados e municípios passar no Senado, a proposta vai chegar na Câmara para análise no ano que vem, ano de eleições municipais. Deputados são mais sensíveis à pressão dos servidores estaduais e municipais que os senadores, políticos mais estabelecidos e que têm um mandato mais longo (8 anos)", ressaltou.
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