Em tempos de COP-26, países em desenvolvimento vêm batendo na tecla de que o mundo deveria financiar a manutenção de florestas em pé, pois nações como EUA e Europa já fizeram sua parte: devastaram seus próprios territórios. Países desenvolvidos deveriam financiar esse esforço? "Não, discordo radicalmente. É uma visão antiga do toma lá dá cá que já permeou negociações multilaterais brasileiras. Ao Brasil interessa, sim, regular esse mercado de carbono, pois temos vantagens competitivas. Isso é matemático. Temos mais facilidade para criar aqui os créditos de carbono a um custo menor", frisa Pedro Passos, presidente da SOS Mata Atlântica e sócio-fundador do Grupo Natura. O empresário justifica: temos uma matriz energética mais limpa. E observa também que temos ativos florestais grandes que, com um bom projeto de restauração, poderão vender esses créditos.
Para o empresário, o Brasil não pode perder esse bonde, até porque sempre teve uma posição de protagonista no debate ambiental. "Já perdemos alguns bondes, o da microinformática, o da globalização. O Brasil era um país fechado, não se integrou ao mundo. Temos de estar na liderança discutindo de igual para igual", argumentou nesta conversa com o projeto Cenários. Ele pondera ainda que a posição dos representantes brasileiros está mais flexível "mesmo que seja por pressão de outros". Aqui vão os melhores momentos.
Como presidente da SOS Mata Atlântica, sabe que a Lei da Mata Atlântica está apanhando muito. Como tem vivido essa situação?
Começo dizendo que a Mata Atlântica é, se não o primeiro, o segundo bioma que é o hotspot da biodiversidade planetária. Significa que merece tratamento especial. Essa lei foi estabelecida há mais de 15 anos, resultado da ação da nossa ONG, para proteger um bioma que só tem hoje 12% do que era na origem. E o que faz essa lei? Estabelece um maior rigor para o desmatamento de florestas nativas. Lembremos aqui que 70% da população brasileira vive nesse bioma. Nossas principais cidades estão nela, assim como 70% do PIB nacional.
Querem matar a lei?
Ela está num ambiente de muitos interesses econômicos, há muita pressão, seja na área da construção, na agricultura e para flexibilizar a ocupação do solo. Na verdade, estão tentando trazer a Lei da Mata Atlântica para a regulação do Código Florestal, que é bem mais flexível.
Como a SOS está fazendo para engajar as pessoas?
Há dois pilares. Uma área de conhecimento, pois não adianta debater só ideologicamente, tem de se basear em fatos. E outra área de informação e educação da população a respeito. Como o País se urbanizou demais, a floresta e os rios ficaram distantes das pessoas. E esse conhecimento e mobilização são para quê? Para poder mexer em políticas públicas.
As que temos não servem?
Há muitas propostas, e agora está nascendo, em clima da COP-26. É a NDC da Mata Atlântica, a Contribuição Nacionalmente Determinada.
Em que consiste a NDC?
É o compromisso que o País tem e levou à COP-26 para evitar que a temperatura no planeta suba além de 1,5 °C. É a proposta do Brasil para evitar a emissão de carbono. Fizemos um recorte do que seria a NDC para que o bioma da Mata Atlântica ficasse carbono neutro.
Como isso funcionaria?
O solo emite carbono, agricultura e desmatamento emitem, processos industriais também. Gado emite carbono e metano - os chamados gases de efeito estufa. A gente quer que o País consiga compensar essas emissões tornando-se carbono neutro. O que temos de fazer? Mudar o processo agrícola, para uma ABC - a Agricultura de Baixo Carbono. Por exemplo, precisa ter mais cabeças de gado concentradas numa mesma área, sem aquela pastagem extensiva. E temos de parar o desmatamento, porque ele é uma forma de emitir carbono. Isso pressupõe disciplina, gestão, fiscalização, fazer valer a Lei da Mata Atlântica. E também uma ênfase na restauração da mata atlântica. Há áreas improdutivas que poderiam ser reocupadas por florestas. A agricultura brasileira é eficiente, não precisa devastar nenhuma área do País.
Se não estou enganada, quem derruba floresta hoje é o pequeno ou médio empreendedor, não? Os grandes já o fizeram no passado, não fazem mais?
Sim, mas há situações diferentes. Na Amazônia, muitas terras estão sendo invadidas, é uma ocupação diferente da Mata Atlântica, que tem muitas pequenas propriedades. O que precisamos é criar uma estratégia de restauração desse bioma. E o primeiro passo é cumprir a lei. Em 20% da área, você tem de ocupar ou compensar. Há mecanismos legais para tanto. Para pequenos proprietários a gente pode falar em premiações, pois tem custo para essa transição.
E como pretende defender a causa daqui para frente?
É divulgação, conhecimento e conexão. Aprendi que a vida é um fenômeno interdependente, se você faz a conexão entre natureza, água e floresta, tem um novo padrão pela frente. Padrão de comportamento, de negócios, uma outra ética. Cai a ficha, e muda tudo. E a mudança começa por você.