O relator do Auxílio Brasil na Câmara, deputado Marcelo Aro (PP-MG), diz ao Estadão/Broadcast que a solução do presidente Jair Bolsonaro de pagar dois auxílios temporários para turbinar a política social até dezembro de 2022 é claramente eleitoreira e pode prejudicar os beneficiários, que ficam sem nenhuma garantia de recebimento dessas parcelas a partir de janeiro de 2023 e podem até mesmo sofrer um corte na renda.
"Ele não está dando um presente, está emprestando até ele ganhar a eleição", critica. Aro fala ainda sobre a necessidade de o novo programa oferecer uma porta de saída para os beneficiários. Confira os principais trechos da entrevista.
O programa Bolsa Família faz aniversário nesta quarta-feira e é considerado bem-sucedido. O sr. vê problema nele para mudar o modelo?
De fato tenho várias críticas ao Bolsa Família. É um programa importante, que cumpriu seu papel histórico no nosso País. Porém, vejo que qualquer programa social de sucesso no mundo tem de ir além da proteção social e dar um segundo passo para a transformação social. O Bolsa tem essa limitação. Trabalhamos no texto da medida provisória para que o Auxílio Brasil dê resposta a esses buracos do Bolsa Família, que dê solução para essa grande questão que há 18 anos se discute no Brasil, do ensinar a pescar ou dar o peixe. Que dê porta de saída do programa social.
De que forma?
Incentivando o beneficiário depois de um tempo a querer sair do programa. Mudar de status social. Essa é a mudança conceitual programática filosófica do Auxílio Brasil.
Quais serão esses estímulos?
Se uma pessoa hoje que recebe o Bolsa Família for contratada com carteira assinada, está fora do programa. Se perder o emprego depois de dois meses, vai para o final da fila e pode ficar anos sem receber o benefício. Vai faltar comida na casa dele, porque quando se fala de extrema pobreza no nosso País estamos falando daquela parcela da população que ganha até R$ 89 per capita. É menos de R$ 3 por dia. Do jeito que escrevi o texto, ela não vai perder o benefício. Manterá durante dois anos mesmo com o emprego. Haverá também uma bonificação de 50% do valor do benefício do auxílio para cada mês que ela continuar empregada.
O que acontece depois dos dois anos?
Aí, sim, essa pessoa está preparada para sair do programa social porque, se for demitida, tem acesso ao seguro-desemprego. Ela mudou o status social e pode procurar um novo emprego.
Especialistas criticam que o desenho do Auxílio Brasil está muito pulverizado com vários benefícios que tiram foco do auxílio básico. Não corre risco de ficar um remendo?
Quem fala que é remendo desconhece o texto, porque a cesta básica (de benefícios) é baseada em crianças de 0 a 36 meses, pessoas que estão na condição de extrema pobreza do País e na composição familiar. Isso é o básico. Todo o resto (bonificações) é porta de saída. O grosso do Orçamento vai para o tripé básico estruturante e o restante para as bonificações. Eles (os críticos) não sabem qual será a divisão. Como é que já estão criticando? Nós vamos zerar a fila e atender 17 milhões de família.
O sr. manifestou o desejo de incluir uma regra de correção pela inflação nos valores do Auxílio Brasil. Como fica isso?
Ainda não tomei a decisão. Num primeiro momento, era favorável a indexar pela inflação. Depois recuei um pouco pelos apelos de membros da equipe econômica, porque engessa o Orçamento. Estou botando na balança para ver o que é melhor. A proibição da fila estou colocando.
O sr. também declarou a intenção de colocar no texto da MP os valores dos benefícios e das linhas de pobreza extrema e extrema pobreza. Como vai ficar diante da mudança de rumo do governo com um auxílio de R$ 400, uma parte permanente e outra estrutural?
Mudou tudo de ontem (segunda-feira, 18) para hoje (terça-feira, 19). Para colocar valores na MP, tenho que identificar a fonte de receita. Não tem receita, não tem fonte. Para eu identificar a fonte, precisaria fazer um trabalho em conjunto com o Ministério da Economia. Só que eles não jogam junto com o Parlamento. Não enviaram um número. Não me falaram o que teríamos de Orçamento. Até então estávamos conversando para que o programa passasse de R$ 34,7 bilhões, que é o Orçamento do Bolsa Família em 2022, para R$ 60 bilhões. Agora, muda tudo. Eles não me ligaram para comunicar. Não tenho informação nenhuma. Se subir a faixa de extrema pobreza de R$ 89 per capita para R$ 105, que é minha vontade, quantos novos impactados nós teremos? Não sei. Vê se tem cabimento, tomam a decisão que vai fazer dois auxílios temporários extrateto e o relator do programa recebe a notícia pela imprensa.
A intenção é fazer dois benefícios temporários para dar os R$ 400. Uma parte dentro do teto de gastos e outra não.
Se eles vão fazer temporário e dentro do teto, poderia ser permanente dentro do teto. Qual a diferença técnica? No benefício temporário, em dezembro do ano que vem, eles podem acabar com o programa e decidir investir esse dinheiro em outro lugar. Já para o benefício permanente não poderão fazer isso. Eles só poderiam tirar de lá através de uma nova lei.
O sr. acha que então é um desenho eleitoreiro?
Não tenho dúvida. Alguém tem? Eu não tenho. Se vão fazer dois benefícios temporários até dezembro de 2022, não estão fazendo uma política de Estado.
Para quem está na ponta e não tem dinheiro para comprar comida, o dinheiro não tem carimbo eleitoral ou não eleitoral. Qual é o prejuízo de se ter um programa temporário?
É, depois de ele findar, ela regredir. Eu serei contra os valores que Bolsonaro vai anunciar? Não, pelo contrário, sou favorável. Mas vou me posicionar com a crítica. Bolsonaro está perdendo a oportunidade de anunciar de fato um benefício na vida do cidadão. Ele não está dando um presente, está emprestando até ele ganhar a eleição. Se o presidente e a equipe econômica estivessem preocupados com a camada mais vulnerável, buscariam uma solução permanente. Quando faz isso de maneira temporária, nós estamos permitindo que governos usem a camada mais vulnerável para fazer politicagem. (O beneficiário) Vai chegar em outubro do ano que vem (quando acontecerão as eleições) felizão com o presidente da República. Deu dezembro do ano que vem, 'amigão, agora você não recebe R$ 400 mais, você volta a receber os R$ 189'. E aí?
Em março, quando o auxílio foi renovado, tínhamos quase 4 mil mortos por covid-19 ao dia. O auxílio ficou em R$ 250 em média. Agora, com pandemia melhorando, vamos pagar R$ 400?
Não tenho dúvida que é uma decisão focada nas eleições. Agora, fico muito feliz que o presidente Bolsonaro ouviu os meus apelos para fazermos um tíquete que de fato impacte a vida do mais vulnerável. Ele chegou falar em R$ 300, eu falei 'é pouco'. Já aumentou para R$ 400, quem sabe ele vai escutar minha voz, que falava desde o começo em R$ 500. Só acho que isso tem que ser política de Estado, não pode ser temporário.
Como fazer algo permanente de R$ 500 se um de R$ 400 já tem parte fora do teto de gastos?
Com organização, planejamento e decisão estratégica do Ministério da Economia. O Brasil precisa entrar no debate de quem priorizar.
Só o governo ou Congresso também?
O governo é aquele que propõe. Sobretudo nessas grandes matérias. Então, o governo poderia ter proposto ideias melhores, priorizado aqueles que de fato precisavam. Tem quatro anos de governo. Ele mandou uma medida provisória para mudar o programa social do País faltando um ano para o governo terminar. Sou favorável a benefício de R$ 500, mas dentro do teto.
O sr. é favorável também a reduzir emendas parlamentares?
Se tivéssemos que fazer uma escolha, priorizar a camada mais vulnerável. Porém, temos que lembrar que existem várias outras soluções dentro do Orçamento em que as emendas também não seriam impactadas. Até porque as emendas também vão para beneficiar a população.
Vemos imagens de pessoas em busca de ossos e restos de comida. Há engajamento efetivo do Congresso para resolver os problemas, ou também só estão de olho na eleição?
O Parlamento tem essa preocupação, mas, como disse, as grandes mudanças estruturais do País vêm como proposição do Poder Executivo. E o Parlamento melhora, propõe mudanças. Quando o governo vira para mim e fala que vai manter o orçamento de R$ 34,7 bilhões, ele diz que de maneira estrutural não quer avançar. É claro que as coisas são dinâmicas, mas meu sentimento é que o governo abriu mão de uma possibilidade única. O governo estava com a bola quicando para marcar um golaço e desperdiçou a chance. E quem perde com isso é o Bolsonaro. Porque a oposição vai poder falar: fez pensando em eleição.