A menos de um mês do fim do auxílio emergencial a vulneráveis, o relator da medida provisória que cria o Auxílio Brasil, deputado Marcelo Aro (PP-MG), intensificou as conversas para chegar a um consenso em torno do desenho final do novo programa social que substitui o Bolsa Família. Ele pretende apresentar seu relatório até o fim da próxima semana. Ao Estadão/Broadcast, Aro afirma que negocia a inclusão de um dispositivo para proibir a existência de filas para o benefício e pretende ainda fixar na lei os valores a serem pagos às famílias contempladas, garantindo também um reajuste anual pela inflação.
Nesta quinta-feira, 7, o deputado se reuniu com os ministros da Economia, Paulo Guedes, da Cidadania, João Roma, e com a ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, para discutir detalhes da proposta.
O governo tem prometido uma elevação do valor médio do benefício pago às famílias dos atuais R$ 189 para R$ 300, mas o texto da medida provisória que cria o programa, apresentado em agosto, não traz nenhum valor. Esse ponto é criticado pelo relator. "Texto sem números fica vazio, vira apenas uma carta de boas intenções. Minha ideia é trazer os números para dentro do texto, ou que o governo se antecipe e deixe claro para o Parlamento quais são os valores", diz.
O atual Bolsa Família tem hoje 14,655 milhões de beneficiários e uma fila de espera superior a 1 milhão. O Ministério da Cidadania só pode aceitar novos beneficiários caso haja Orçamento disponível. Com o Auxílio Brasil, o governo espera zerar a fila atual, mas especialistas criticam a ausência de qualquer dispositivo na proposta para evitar que a espera acumulada se repita, deixando famílias em situação de vulnerabilidade.
"A minha ideia é proibir fila. Escrever 'proibido fila', quem tem direito vai receber. Estou conversando, negociando, estou exatamente nessa etapa de tentar construir um acordo com os líderes, os senadores, os deputados", diz Aro. Segundo ele, sua rotina inclui mais de dez reuniões por dia em busca de um entendimento em torno do texto.
O relator também pretende incluir a previsão de um reajuste anual baseado na inflação, para assegurar o poder de compra dos beneficiários. Hoje, os reajustes do Bolsa Família são discricionários, o que significa que só são dados se houver recurso disponível no Orçamento e não são obrigatórios.
O último reajuste do Bolsa Família foi dado em 2018, pelo governo Michel Temer. No ano seguinte, já sob a administração Jair Bolsonaro, houve o pagamento de um 13º benefício, que representou um incremento no fim de 2019, mas não se repetiu nos anos seguintes.
Custo do novo programa
A maior parte das mudanças cogitadas pelo deputado tem impacto direto no custo do programa, que até agora sequer tem garantida a dotação adicional necessária para elevar o valor médio a R$ 300.
O Bolsa Família tem hoje R$ 35 bilhões assegurados, e o governo conta com a aprovação da PEC que muda o sistema de pagamento dos precatórios (dívidas judiciais) para liberar espaço no teto de gastos, a regra que limita o avanço das despesas à variação da inflação, e assim conseguir pagar mais aos beneficiários.
O parecer da PEC foi apresentado nesta quinta, 7, e tem votação prevista para 19 de outubro na comissão especial. Depois, ainda precisa ser votada em dois turnos nos plenários da Câmara e do Senado.
Aro afirma que o Congresso tem até o fim do ano para discutir o Auxílio Brasil, mas o governo federal deseja implementá-lo já em novembro para evitar uma "quebra" após o fim do auxílio emergencial. Por isso, o relator quer apresentar o parecer na semana que vem para votar o texto na Câmara já na semana do dia 19 e, assim, seguir ao Senado Federal.
Para o relator, a maior inovação do Auxílio Brasil é incentivar a busca de emprego formal pelos beneficiários do programa, algo temido pelos atuais integrantes do Bolsa Família devido ao risco de perder o direito aos pagamentos.
"Quando uma pessoa assinar a carteira de trabalho dele (do beneficiário), não vamos só deixar de tirar o auxílio, vamos também pagar um bônus por ele ter conseguido na carteira", diz. Ele cita também a regra do retorno garantido, caso o beneficiário perca o emprego, como um dos pontos relevantes para o futuro êxito do programa.
Segundo Aro, o maior desafio será construir consenso em torno do texto. "São pontos polêmicos, pontos sensíveis. A gente não pode descartar o apoio da base governista, tampouco da oposição, então é preciso construir consensos. É o que eu tenho buscado fazer", diz.
Falta de transparência
A diretora da Rede Brasileira de Renda Básica, Paola Carvalho, critica a falta de transparência dos dados do governo sobre as parcelas da prorrogação do benefício. Desde o início da nova rodada, em abril, o governo não divulga as informações que poderiam revelar os cortes que vêm sendo feitos mês a mês dos beneficiários do auxílio.
Segundo Paola, esses dados são essenciais para preparar a transição do auxílio para o novo programa social. Ela estima que cerca de 22 milhões de pessoas vão ficar sem o benefício em comparação aos 39 milhões que passaram a receber o auxílio em abril. De lá para cá, o Ministério da Cidadania foi promovendo cortes, mas mantém sigilo sobre o dado.
A Rede Brasileira de Renda Básica considera que o alcance do novo programa é insuficiente diante do aumento da pobreza e da fome no País, que persistem no cenário atual. "Antes da pandemia, a fila já era de quase 2,5 milhões de famílias", ressalta. A diretora defende a prorrogação do auxílio emergencial para preparar essa transição.
Representantes da Rede se reuniram com o ministro Roma e se ofereceram para participar dessa transição, para evitar os erros na implementação do novo programa social, como ocorreu no auxílio da pandemia.