Talvez não tenhamos ouvido essa frase tantas vezes, mas, com certeza, em pensamento ela foi repetida por muitos líderes. Mas esse mindset vem perdendo espaço: a importância do bem-estar dos colaboradores hoje é pauta principal, não só para o RH das empresas, mas para a liderança diretamente conectada aos times.
Ao ver seus funcionários estafados, as organizações estão se mexendo, como aponta esta reportagem do Projeto Unbox.
Isso é resultado da pandemia, que escancarou a questão da saúde mental? É porque burnout passou a ser considerado um acidente de trabalho ao virar CID-11? Ou será essa uma evolução natural da sociedade, com a geração Z cada vez mais atenta e crítica ao modelo de trabalho praticado pelas empresas? Independentemente do motivo, está claro que mudanças estruturais precisam acontecer na cultura das empresas.
Desde a Revolução Industrial, no século 19, o homem tem seu valor atrelado ao seu sucesso no trabalho. Aliás, sobre isso, uma curiosidade: antes, a depender da época, trabalhar era função exclusiva de escravos ou servos. O Iluminismo introduziu a valoração do trabalho intelectual, mas, ainda assim, outros trabalhos, como o manual, eram tarefa dos menos abastados.
Ao ter seu prestígio conectado ao trabalho, é natural entrarmos numa corrida para ter sucesso, certo? Isso explica a exaustão ser tão romantizada, e uma agenda tão cheia a ponto de não dar conta ser sinônimo de produtividade. Mas isso é realmente produtividade? Não dar conta de participar de todas as reuniões, entregar todas as demandas no prazo combinado e estar constantemente cansado é ser produtivo? Certamente não.
Então, por que a cultura das empresas reforça tanto isso?
Ao extrair o potencial máximo dos colaboradores e cobrar deles a famigerada “resiliência”, sem considerar os momentos de recuperação (pausas no dia a dia e descansos mentais após períodos de estresse), caminhamos no sentido contrário ao que tentamos obter: produtividade, lucro e crescimento.
São pelo menos dois séculos praticando um modelo de trabalho contraprodutivo, no qual podemos até obter os resultados desejados, mas a que custo? Altos índices de turnover, funcionários desengajados e até adoecidos. Vale a pena?
Até pouco tempo atrás, “morríamos por um salário”, parafraseando Jeffrey Pfeffer, teórico americano e professor de comportamento organizacional de Stanford. Mas, independentemente do motivo, hoje não estamos mais dispostos a aguentar tudo pelo pagamento mensal.
O ambiente de trabalho, a relação com colegas e líderes e o reconhecimento financeiro e social são avaliados criteriosamente pelos funcionários nas pesquisas de clima e por candidatos nos processos seletivos. Uma cultura tóxica, que não valoriza seus colaboradores como indivíduos, é capaz de desestimular funcionários e potenciais, tornando a tarefa de fidelizar e atrair pessoas cada vez mais difícil. Temos aqui mais uma razão para revolucionar a cultura do mundo corporativo.
As empresas esperam as melhores pessoas entregando os melhores resultados, então, nada mais justo que proporcionar o melhor ambiente de trabalho possível. E aqui não estamos falando de salas de jogos e aulas de ioga, e sim de uma cultura saudável que guie e direcione as formas de trabalhar e se relacionar na empresa.
Falar de transformação cultural é falar de transformação pessoal. Afinal, uma cultura é um conjunto de comportamentos, crenças e costumes de um grupo social. Ou seja, o grupo precisa estar alinhado ao propósito de construir esse ambiente saudável, pois só assim conseguiremos chegar nesse novo formato de cultura organizacional.
A tarefa é difícil, mas trazer a reflexão à mesa já é um bom início. É hora de admitirmos que não sabemos o caminho ideal e ouvirmos os colaboradores das mais diversas áreas, cargos, formações e opiniões para construirmos juntos esse novo molde de cultura.
(*) Ana Paula Mendes dos Santos é especialista em saúde mental e bem-estar no Grupo Conexa.