Horas antes da votação final da reforma da Previdência, senadores se articulam nos bastidores para deflagrar uma última tentativa de mudar o texto da proposta. Estão na mira dispositivos que dificultam incorporações salariais na aposentadoria dos servidores e que autorizam a União a criar alíquotas extraordinárias de contribuição para equilibrar o déficit no regime dos servidores.
As mudanças propostas também podem recriar brechas para que a Justiça conceda aposentadoria especial a categorias que trabalham expostas à periculosidade, como vigilantes.
Duas das propostas de mudanças por meio de destaque em plenário podem ser apresentadas pelo senador Álvaro Dias (Podemos-PR). Procurada pela reportagem, a assessoria do senador informou que os dois destaques (incorporações e alíquotas) podem ser apresentados, mas até o momento não há decisão.
No primeiro turno de votação, o Podemos apresentou um destaque que extinguia o pedágio (adicional sobre o tempo de contribuição) de uma das regras de transição dos servidores, facilitando a aposentadoria. O impacto sob risco era calculado em R$ 81,7 bilhões em dez anos. O governo trabalhou pela retirada do destaque porque o Podemos tem a segunda maior bancada no Senado e, com a ajuda da oposição, tem poder suficiente para emplacar suas alterações.
Agora, no segundo turno, a área econômica monitora as movimentações com atenção para evitar o que aconteceu no primeiro turno, quando a base de apoio à reforma da Previdência rachou na votação das mudanças do abono salarial. A retirada das alterações custou R$ 76,4 bilhões.
O governo também vê risco na proposta do senador Paulo Paim (PT-RS) de retirar um trecho da proposta que proíbe a concessão de aposentadoria especial por periculosidade ou de acordo com a categoria profissional. Para a área econômica, nenhuma concessão é possível nesse artigo, pois hoje já não há aposentadoria especial nessas modalidades.
A vedação ao enquadramento por periculosidade para aposentadoria especial foi incluída porque atualmente muitos vigilantes ou guardas municipais entram na Justiça pedindo aposentadoria especial devido às condições de periculosidade a que são expostos. Com a medida, o governo quer evitar o número elevado de ações judiciais e acabar com a brecha que hoje abre caminho para a concessão de aposentadorias segundo regras mais benevolentes.
Na visão do governo, o adicional de periculosidade é um benefício trabalhista, não previdenciário. O princípio que dá o direito à aposentadoria especial é a exposição a agentes nocivos (como no caso de quem trabalha com mineração).
O maior problema, segundo fontes do governo, é que o destaque supressivo de Paim pode retirar não só a periculosidade, mas também a proibição à criação de modalidades de aposentadoria por categoria profissional. Para o governo, é "impensável" uma reforma que endurece as regras para todos abrir caminho a normais mais benéficas para um grupo de trabalhadores.
As aposentadorias por categoria profissional no INSS foram extintas em 1995. Permitir a retomada desse modelo 24 anos depois, dentro de uma reforma da Previdência, seria um "retrocesso brutal" na visão da área econômica.
Mesmo que a proposta de mudança fique para a chamada PEC paralela, texto que tramita em separado para não atrasar o cronograma da reforma principal e que pode alterar alguns pontos, a avaliação é de que isso pode prejudicar Estados e municípios ao tornar a discussão da PEC paralela ainda mais complexa.