A Lei complementar 123/2006 instituiu o Simples Nacional para facilitar obrigações das empresas, mas há discriminação e a Reforma Tributária pode piorar a situação.
A Lei complementar 123/2006, que instituiu o Simples Nacional, assegurou um tratamento favorecido às micro, pequenas e médias empresas, com vistas a incentivá-las pela facilitação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias. Contudo, entre os anseios do legislador e a realidade ainda há uma enorme distância. E ela ainda pode aumentar.
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O Simples é menos burocrático do que os outros modelos, mas de descomplicado não tem nada. A má notícia é que a Reforma Tributária pode piorar essa situação. Neste instante, esses detalhes estão sendo discutidos. É importante frisar que existe até mesmo uma certa discriminação – desfavorável, no caso – por parte de órgãos do Governo, em relação às empresas enquadradas neste regime de tributação. Dito de outro modo, parcela significativa do Executivo preferia a hipótese de que este modelo não existisse.
Para exemplificar o viés negativo que é atribuído ao regime que deveria favorecer às micro, pequenas e médias empresas, vamos recorrer ao conceito de “violência simbólica”, do sociólogo francês Pierre Bourdieu. Para ele, a violência simbólica faz com que as desigualdades sejam percebidas como naturais ou legítimas. É algo invisível, sutil e serve normalmente para legitimar o poder e a dominação existentes.
Relatório do Tribunal de Contas da União, com dados da Receita Federal do Brasil projetados para 2023, sugerem que o Simples Nacional é o primeiro no ranking dos “gastos tributários”, com pouco mais de R$ 112 bilhões em “renúncias tributárias”. É comum ouvir esse mesmo argumento de diferentes autoridades. O grande problema é que, se não houvesse esse regime, a arrecadação seria menor ainda, pois as obrigações acessórias exigiriam equipes enormes de empresas que têm estrutura enxuta pela concepção do próprio negócio. Isso inviabilizaria cerca de oito milhões de empresas, atualmente neste sistema.
Com efeito, é necessário colocar as coisas no lugar: não há renúncia de receita no Simples, pois não haveria a própria empresa sem essa opção, tampouco arrecadação alguma na atividade. Ao contrário, as empresas do Simples pagam mais tributos do que no Lucro Real. Parece contraintuitivo, mas é verdade.
Com dados da Receita Federal, levantou-se, em 2022, a carga de tributos federais do setor têxtil e de confecção, em percentual da receita bruta, em cada um dos regimes. O resultado foi que no Lucro Real a carga registrou 6,7%, no Simples 8,1% e no Lucro Presumido foi de 9,2% naquele ano.
Fica a pergunta: por que o empresário, homem de visão e empreendedor, paga mais tributo no Simples e no Lucro Presumido, se é facultado a todos migrarem para o Lucro Real? A resposta é que uma empresa no Lucro Real pode ter que cumprir ao menos 20 obrigações acessórias por ano. O jurista e professor Miguel Reale disse: “O Brasil é legiferante”. Eu, modestamente, acrescentaria: e em matéria de obrigações acessórias, os formuladores de políticas públicas não vão medir esforços dos empresários para imputar-lhes mais controles, com vistas a atingir os seus objetivos e arrecadar mais de quem paga, já que a informalidade quase nunca é o alvo.
Neste sentido, resta aos empresários, por meio de suas entidades representativas, em especial, se fazerem presentes no âmbito das discussões finais da Reforma Tributária que está em vias de ser completada. Sem isso, o Simples Nacional ficará ainda mais complexo e caro. Novas formas de violência simbólica podem surgir, por isso é fundamental permanecer atento.
(*) Haroldo da Silva é consultor tributário, advogado, economista, doutor pela PUC-SP e mestre pela UFPR.